Diante das experiências existentes e do nível de risco, verifica-se que a melhor forma de se constituir uma parceria é por meio de um contrato, independentemente de se constituir uma nova empresa ou não.
O incremento da utilização das joint ventures ocorreu nos anos setenta e implicou na formação de uma prática contratual específica retratada pelo acordo quadro (guarda-chuva) onde se estabelece o regime geral da formação, administração e extinção da parceria, e os acordos pontuais (estatutos, contratos de transferência de tecnologia, contratos de distribuição, contratos de fornecimento, acordos de acionistas, etc), os quais variam caso a caso. Este conjunto de contratos integra o quadro jurídico da parceria. Observe-se que os acordos pontuais são decorrentes do acordo quadro, sendo este a matriz da parceria.
A problemática do quadro jurídico é maior ao se constituir uma nova empresa, dois tipos de problemas se apresentam durante a organização dessa espécie de parceria: a necessidade de se diferenciar o acordo quadro dos acordos pontuais e também com relação ao instrumento que cria a pessoa jurídica – o qual faz parte dos acordos pontuais. O risco de se confundirem ou mesmo do acordo quadro ser desconsiderado é enorme. Por isso, deve-se criar uma metáfora, considerando esta cooperação como se fosse um guarda-chuva: tem-se um acordo preliminar (acordo quadro), ao qual estão vinculados todos os outros acordos (acordos pontuais, inclusive o acordo referente ao instrumento de formação da pessoa jurídica). Modificações são possíveis, desde que respeitados os limites do acordo quadro. Com essa metáfora preserva-se o conjunto jurídico formado.
O acordo quadro, como instrumento essencial da parceria, deve conter dentre outras estipulações, a qualificação das partes, os seus objetivos, a forma societária para o desenvolvimento do empreendimento, os direitos e deveres das empresas participantes, a administração, a forma de dirimir possíveis conflitos, a forma como irá atuar a empresa constituída para dar vida à parceria, etc.
Outro aspecto jurídico da maior importância é o de se atentar que a constituição da parceria obedece a um critério personalíssimo, ou seja, não é por acaso que ocorreu a parceria com determinados sócios e desta forma não se pode admitir a entrada posterior, sem prévia anuência de todos os parceiros, de novos sócios. Deve-se considerar que um novo sócio deve obedecer aos critérios do planejamento estratégico anteriormente analisados, ou seja, competências necessárias e o parceiro adequado para complementar estas competências, viabilizando o empreendimento.
Ao tratar deste assunto, impossível passar desapercebido pelas alterações produzidas pelo novo Código Civil, vigente desde 11 de janeiro de 2003, as quais afetam diretamente as negociações para a constituição de joint ventures que pretendam se materializar através de uma Ltda.
Acredita-se que em decorrência das alterações a busca pela constituição de uma personalidade jurídica, do tipo LTDA, não mais ocorrerá, prevalecendo a utilização da espécie contratual.
Isso ocorre porque o novo Código favorece claramente o quotista minoritário de tal forma que os investidores ver-se-ão relutantes em se aventurar à nova estrutura das sociedades limitadas.
Um dos pontos mais controvertidos da nova legislação se refere ao mínimo de votos exigido de três quartos do capital social para a aprovação de matérias como incorporações, fusões e dissolução de sociedade. O pior é que o mesmo quorum aplica-se até mesmo a decisões menos complexas como alterações ao contrato social da empresa para mudança dos nomes e endereços dos quotistas, da denominação social, da sede, os objetivos, do capital social e da participação dos quotistas.
Portanto, mesmo que os integrantes da parceria, constituída sob a forma de uma Ltda, possam celebrar um acordo particular de quotistas, este não poderá prevalecer sobre a nova legislação.
Deve-se tomar cuidado também com a administração da Ltda. Até o ano de 2003 era prerrogativa do quotista a gerência da Ltda, contudo, o novo Código autoriza a gerência da empresa por não quotista, ficando, entretanto, a designação de tal pessoa condicionada à aprovação unânime dos quotistas se o capital não tiver sido integralizado e de dois terços, no mínimo, após a integralização.
Em virtude das alterações, necessário se faz ainda maior cautela e conhecimento da legislação nacional para que os objetivos propostos, entre os parceiros, sejam alcançados. Para tal, a nova legislação estabeleceu prazo para alterações contratuais de um ano, tendo, portanto, os operadores empresariais até 11 de janeiro de 2004 para se salvaguardarem.
Após estes esclarecimentos quanto ao novo Código Civil, volta-se a atenção para o complexo jurídico estabelecido nas negociações.
A parceria que busca a internacionalização de sua atuação acaba se deparando com realidades diferentes entre os parceiros e com questões jurídicas da maior importância: a concorrência externa, as barreiras alfandegárias, o problema das marcas e sua proteção, os meios de transportes, os canais de distribuição, a utilização de moedas e os conflitos culturais.
No que diz respeito aos assuntos dos acordos pontuais tem-se como mais importantes os seguintes temas: o estatuto social, o acordo de acionistas, o contrato de licença de marcas, o contrato de fornecimento de maquinário e Know how, o contrato de transferência de tecnologia e assistência técnica, as disposições quanto ao acordo de segredo, entre outros aspectos, os quais variam conforme o caso prático.
Reitera-se uma vez mais que o grau de complexidade varia e depende de cada caso, por isso a quantidade de contratos pode ser maior ou menor em determinadas joint ventures, da mesma forma que os temas tratados poderão ser diferentes de uma para outra situação. Contudo, maior cautela deve ser direcionada para a parceria que constitui nova empresa, diante do quadro jurídico que se forma. E, mais, porque em alguns países ou setores as joint ventures chegam a ocorrer em número tão grande que acabam surgindo coalizões de empresas.
Poucas situações envolvendo joint ventures chegaram ao Poder Judiciário, principalmente brasileiro. Recomenda-se, para evitar falta de entendimento por parte dos demais operadores jurídicos, que não se utilize terminologias estrangeiras, que possam levar a idéia de proibição/não admissão pelo Direito nacional ou complexidade. Deve ser tratado como um contrato qualquer, respeitadas as suas peculiaridades, as quais nada mais são do que as vontades dos pactuantes.
Portanto, os objetivos que levam as partes a optarem por uma parceria devem ser respaldados inclusive pelo princípio da valorização da ordem social/pública, sob pena de nulidade.
Do exposto, percebe-se que a contextualização econômica é menos complexa que a jurídica. Isto porque no aspecto jurídico deve-se atentar para as diferenças entre os contratos firmados, ou seja, acordos pontuais e o acordo quadro. Caso não sejam devidamente elaborados, corre-se o risco de se desnaturar a constituição de uma joint venture. Daí a importância do acompanhamento de profissionais qualificados na elaboração deste lance jurídico.
Patrícia Carvalho é autora do livro Joint Venture – Uma Visão Econômico-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial, advogada em Curitiba, especialista em Direito Tributário e MBA em Administração de Empresas e Negócios pela Fundação Getúlio Vargas.