O contribuinte brasileiro, que financia tudo, estará sendo convocado a financiar também as candidaturas a partir das eleições de 2006. Valerá para os postulantes da situação, da oposição e dos que decidem sempre depois o que fazer com a representação obtida nas urnas. A novidade, dada como praticamente certa, virá no bojo da reforma política em discussão no Congresso. “Ninguém agüenta mais procurar empresário para pedir dinheiro para campanha”, desabafam deputados escondidos no biombo do anonimato. “É uma revolução cultural”, exclama o conhecido deputado Roberto Freire. Outros, como o presidente do PT, José Genoino, apostam no barateamento de campanhas mais limpas e com menos riscos.
Risco de que, não se sabe. A verdade é que a possibilidade do financiamento público das campanhas políticas está unindo todas as correntes do espectro ideológico brasileiro. Entre deputados, senadores e até vereadores, representa, como já se admite, a única unanimidade nacional desses 500 anos de descobrimento. O relator do projeto, deputado Ronaldo Caiado, acredita que a reforma em apreço é simplesmente revolucionária, porque o fator determinante para a eleição dos políticos deixará de ser a sua condição econômica. “O Congresso tem um nível de renovação que não leva em conta o fato de o deputado ter sido bom ou mau parlamentar, mas sim a sua condição econômica.”
A brincadeira custaria, segundo a estimativa atualmente aceita, a bagatela que se aproxima de um bilhão de reais (exatos R$ 806,2 milhões). A contabilidade política é tão exata que chegou a estimar o custo de cada eleitor brasileiro, ainda constrangido pela obrigatoriedade do voto: sete reais. Isso seria menos que o custo calculado pelo modelo atual, onde, apesar do rigor da lei, apenas parte do financiamento é visível. A eleição de um deputado federal – dizem os próprios deputados – não saiu por menos de um milhão de reais nas últimas eleições. Em estados do Nordeste, entretanto, onde (apenas para efeito de argumento em favor do financiamento público admite-se a fraude) há compra de votos, esse custo é bem maior…
Em termos de venda da idéia ao eleitor, o argumento mais forte usado é aquele que esposa a tese segundo a qual qualquer cidadão pode ser um bom candidato e, também, um bom representante ungido com o voto popular. “A sociedade está percebendo o risco de eleger parlamentares com vínculos diretos com o poder econômico e daí a pressão para a aprovação da reforma política”, sofisma o mesmo Roberto Freire, para quem o recurso de origem ilícita ou até mesmo do crime organizado pode financiar campanhas e, portanto, “é preciso evitar a contaminação de interesses privados”.
Bobagem. A pressão referida por Freire só existe na cabeça dele. Ou deles. Nesse caso específico, a sociedade não está pressionando por nada. Nem quando pressiona, como no caso da reforma tributária em curso, é ouvida. Em todos os casos, admite-se que o atual sistema político precisa ser melhorado, a possibilidade de cada político pular de galho em galho deve ser contida, é preciso valorizar os partidos e seus programas para que os eleitores não sejam tão descaradamente traídos como ocorre, e por aí afora. Mas o tema do financiamento público continua polêmico. Quem, por exemplo, seria capaz de garantir que o poder econômico (ou qualquer outro poder) não continuará a exercer influência decisiva nas eleições? Tão ou mais decisiva que agora, já que, a partir da garantia do recurso básico pelos cofres públicos, qualquer ajuda fará a diferença. Ou que o recurso público também não seja usado para a compra de votos no Nordeste e alhures?
Nem discutiríamos aqui o fato de que todos os dias se repete em Brasília que não existe dinheiro para a saúde, estradas, segurança pública, escolas, habitação, para a velhice descartada e para a infância desprotegida. Isso, afinal, poderia ser resolvido com o estabelecimento de uma contribuição específica, tipo Cofins e CPMF (já um dia imaginadas para salvar a saúde pública) – uma CFCP, ou Contribuição para o Financiamento de Campanhas Políticas. Que tal?
