Não faz muito tempo(1), o Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, provocou a apresentação ao Congresso Nacional de projetos de lei e de emendas constitucionais, visando adaptar o Código Civil às novas condições sociais, por entender que não mais se pode impor a uma sociedade toda, regras que não contemplam seus costumes e suas necessidades atuais. Dessa forma, o direito em geral e o de família em particular carecem de regras dinâmicas, para conservar sua autoridade moral.
Essas propostas abrangem oito pontos específicos do Livro de Família, do Código Civil de 2002: 1) o fim da separação judicial e a concentração no divórcio; 2) a definição de tutela para todas as entidades familiares; 3) a instituição da guarda compartilhada e revisão do poder familiar; 4) a utilização da mediação nos conflitos familiares; 5) a valorização da filiação socioafetiva; 6) a desconsideração da culpa como critério para exercício ou restrição de direitos nas relações de família; 7) a melhoria nas disposições aplicáveis aos alimentos; e, 8) a igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável. Interessa a estes comentários a proposta de Emenda Constitucional, que unifica no divórcio todas as hipóteses de cessação da vida conjugal; eis seu texto:
Art. 1.º – O § 6.º do artigo 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
?Artigo 226…….
(…..)
§ 6.º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei.?
( )
Art. 2.º – Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.(2)
Diz o autor da proposta, que não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite, por conta de uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Unificadas no divórcio todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam consensuais ou litigiosas, resulta em diminuição de tempo à ruptura definitiva, minimizando os prejuízos psicológicos e emocionais, que as partes experimentam com a duplicidade de procedimentos judiciais, o de separação e seu revival no de divórcio, para extinguir um casamento já desgastado, e, também, a diminuição de custos processuais. Por conta disso, contemporaneamente os cônjuges preferem o divórcio direto, com causa objetiva da separação de fato.
A revisão dos procedimentos para a obtenção do divórcio, como pretende a proposta do IBDFAM, já encontra alguns exemplos no âmbito do direito comparado.
É justamente o que foi recentemente aprovado em Espanha, com a lei que modifica o Código Civil em matéria de casamento e sua dissolução(3), permitindo que os casais possam se divorciar diretamente, sem ter de passar pelo período de separação, tornando mais ágil, rápido e menos traumático o processo; um serviço express. Pela legislação precedente, o divórcio era concebido como o último recurso a que podiam acorrer os cônjuges e só quando era evidente que, depois de um dilatado período de separação, a reconciliação já não era possível. Em caso algum, porém, o casamento podia ser dissolvido por mútuo acordo dos cônjuges. A nova lei, além de eliminar a exigência obrigatória de se alegar uma causa legal e a conseqüente declaração de um culpado pelo fim da união, também diminui de um ano para três meses o período mínimo que se deve respeitar, desde a celebração do matrimônio, para pedir o divórcio, evitando a perpetuação do conflito entre partes que não mais desejam seguir vinculadas. Com isso pretende a lei evitar, como ainda não acontece entre nós, um duplo procedimento à dissolução do casamento sem necessidade da prévia separação de fato ou judicial.
Não obstante, subsiste a separação judicial como instituto autônomo, para aqueles casos nos quais os cônjuges não pretendem, pelas razões que lhes assistem, a dissolução de seu casamento. Vale dizer, coexistem a separação e o divórcio como duas opções às partes para solucionar as vicissitudes de sua vida em comum.
Em Colômbia, a lei n.º 962, de 8 de julho de 2005, que contém disposições diversas sobre a racionalização de procedimentos em geral (ley antitrámite), dispõe em seu artigo 34, que:
Podrá convenirse ante notario, por mutuo acuerdo de los cónyuges, por intermedio de abogado, mediante escritura publica, la cesación de los efectos civiles de todo matrimonio religioso y el divorcio del matrimonio civil, sin perjuicio de la competencia asignada a los juices por la ley.
O regulamento da lei(4) estabelece os requisitos e documentos necessários da petição de divórcio a ser apresentada ao notário público, a quem incumbe verificar os elementos essenciais e formais exigidos por lei e autorizar à escritura pública de divórcio do casamento civil ou a cessação dos efeitos civis do casamento religioso. Tudo muito rápido e econômico. Esse sistema é similar ao previsto no Código Civil do Japão. Para divorciar-se, estando os cônjuges de comum acordo, basta acorrer ao mesmo registro da celebração de seu casamento e ali solicitar a inscrição de seu divórcio, sem condicionar-se a tempo mínimo de casamento ou qualquer outra condição especial.
Em Portugal, o divórcio pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, ao conservador do registro civil (notário público), se o casal não tiver filhos menores ou, havendo-os, o exercício do poder paternal se mostrar já judicialmente regulado (artigo 1773.º). A lei atribui ao conservador do registro civil competência paralela aos tribunais para decretar o divórcio e a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento.
Somente os casados há mais de três anos podem instaurar um processo de divórcio por mútuo consentimento perante a Conservatória do Registro Civil, seja assinando pessoalmente ou por seus procuradores o requerimento ou formulando um pedido verbal, que será reduzido a termo. Como nos demais sistemas, os cônjuges não precisam revelar as causas do dissenso, mas devem acordar sobre guarda de filhos menores, regime de visitas, alimentos, exercício do poder paternal e destino da casa de moradia. Iguais aos das sentenças judiciais sobre a matéria são os efeitos das sentenças de divórcio decretadas pelo conservador do registro civil.
A proposta do IBDFAM nessa matéria recolhe um fenômeno mundial: a dissolução do casamento liberta de obstáculos, impedimentos e atividades burocráticas (audiências, interrogatórios, exposições, perícias, prazos), de tudo que invada a intimidade do casal, submetida unicamente à liberdade das partes, como valor assegurado pelo ordenamento jurídico, evitando uma excessiva intervenção do Estado na vida privada das pessoas.
Essa rápida visita à legislação comparada anima sugerir um acréscimo à proposta original, para permitir o divórcio por mútuo consentimento perante o Oficial do Registro Civil de Casamento em forma similar à sua constituição, pelo menos em circunstâncias especiais (ausência de filhos menores, prévio acordo patrimonial, por exemplo) a cargo de lei regulamentadora, tudo muito dinâmico, expresso, direto e simples, sem tensões nem traumas.
Notas
(1) Durante o IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte, em setembro de 2003, foi deliberado pelos participantes, que o IBDFAM levasse ao Congresso Nacional um conjunto de propostas, visando a alteração de certos pontos do novo Código Civil. As propostas do IBDFAM foram subscritas pelo Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ).
(2) PEC 413/2005. Foi relator da proposta o deputado Nelson Trad (PMDB-MS), que ofereceu Parecer favorável à matéria, aprovado em 24.11.2005 pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara Federal. A Proposta, agora, segue para análise do mérito pela Comissão de Seguridade e Família.
(3) Lei 15/2005, de 8 de julho, publicada no Boletim Oficial, n.º 163, de 09 de julho de 2005, p. 24.458.
(4) Decreto 4436, de 28 de novembro de 2005, publicado no Diário Oficial n.º 46.108, de 30 de novembro de 2005.
Waldyr Grisard Filho é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Professor da Faculdade de Direito de Curitiba. Advogado.
