Na União e nos estados haverá troca de governo no dia 1.º de janeiro. E já se ouvem as queixas de que os novos governantes herdarão dívidas imensas, às vezes impagáveis e, de qualquer forma, grandes o suficiente para justificar iniciais desacertos e fracassos. Em muitos casos, se não em todos, trata-se de meras desculpas para aplacar os ânimos quando as promessas de campanha começarem a tardar ou mesmo a não se concretizar. “Não fiz ainda porque o meu antecessor deixou dívidas demais” ou “não farei porque o governo passado deixou um buraco impossível de tapar”.
Verdade que as dívidas herdadas são demasiadas e também verdade que não há nem poderia haver dinheiro para pagar tantas e tão grandes promessas de campanha. Interessante notar e fixar na memória, para lembrar em futuras eleições, que as queixas de heranças fabulosas em dívidas existem hoje, existiram ontem e sempre. E continuarão existindo no futuro, embora doravante a Lei de Responsabilidade Fiscal, que FHC arrancou do Congresso Nacional, contenha os gastadores dos dinheiros públicos porque passaram a ser responsabilizados.
A imprensa publicou, há poucos dias, que FHC deixa para Lula dívida de US$ 242 bilhões. Seria dívida pública. Sem adentrarmos os meandros da questão, é bom que se diga, desde logo, que todos os analistas, inclusive os do atual governo, consideram o endividamento do Brasil excessivo e que é preciso conseguir um superávit primário crescente, para ir reduzindo essa dívida e sobrem recursos para investimentos de infra-estrutura e mesmo sociais.
É bom, também, que se explique que os números astronômicos da dívida brasileira somam as dívidas do governo federal aqui no Brasil e no exterior, as dívidas dos estados que a União assumiu, num acordo que dá às unidades da Federação trinta anos para pagar e juros de apenas 6% ao ano (e os estados forçam, ainda, uma renegociação ao estilo “de pai para filho”), dívidas dos municípios também assumidas pela União para receber a longo prazo e juros ínfimos, dívidas de empresas estatais e dívidas do setor privado em moeda estrangeira. Assim, não é o governo de FHC e nem será o de Lula o grande devedor e, sim, o Brasil.
Tem-se ainda que atentar para o perfil dessas dívidas. Existem as que estão vencendo já, daqui a semanas, meses, anos e décadas. Os juros ora são elevadíssimos, ora baixíssimos, como os dos empréstimos de instituições multilaterais, como FMI, Bird, BID. Outro equívoco comum é imaginar que a dívida herdada, e que tantos lamentos e revolta causam nos governantes que estão assumindo, não precisam ser pagas e, sim, roladas. O Brasil e todos os países rolam suas dívidas por décadas e até séculos. O importante é manter seu perfil de forma adequada e fazer sua administração de modo que se torne pagável. E pagável sem prejuízo dos investimentos indispensáveis ao crescimento econômico, à manutenção de um ambiente de amplo, se não pleno emprego, atendimento dos serviços públicos e manutenção dos serviços sociais. Enfim, pegar dinheiro emprestado para crescer e governar e não apenas para pagar juros e substituir dívidas que estão vencendo por dívidas novas.
Dever, todos os países devem, inclusive os mais ricos e, alguns deles, proporcionalmente muito mais do que nós. A diferença pode estar em sua capacidade de, mesmo devendo, continuar atendendo às demandas de seus povos e crescer.