Diversão sem regras

Mais uma fatalidade. Uma adolescente morre atingida por um carrinho – que tinha capacidade para quatro pessoas e funcionava com seis – que se soltou de um brinquedo em um parque de diversões no Rio de Janeiro. Já vimos esse filme antes. Um acidente de consumo que atingiu fatalmente uma pessoa e

dois outros adolescentes feridos com traumatismo craniano em local onde circulavam cerca de dois mil visitantes.

O quadro é de terror, mas pior do que isso é o estado de espera em que se encontram algumas autoridades com relação a esse tema, que é um velho conhecido. Um mês depois de falecer uma garota de apenas 14 anos após cair de uma altura de cinco metros, arremessada por brinquedo em um parque de diversões em Hortolândia, interior de São Paulo, apoiamos a iniciativa da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da Associação de Parques de Diversões (Adibra), de criar em abril normas técnicas para projeto,

fabricação, instalação, montagem e operação, além de manual de funcionamento de brinquedos em parques de diversões e bufês infantis.

No mesmo período, no entanto, alertamos que tais regras, apesar de boas por serem baseadas em padrões de qualidade europeus e americanos, deveriam sair do status de voluntárias para se tornarem obrigatórias em todo o País, podendo então ser exigidas de empresas de todos os portes. Enviamos, então, ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) um ofício sugerindo que, em exercício à sua função normativa, torne compulsórias as regras criadas pelas duas entidades.

Não obtivemos resposta. Em julho, mais uma vez uma tragédia. Mais uma família perde um ente querido, desta vez uma advogada que caiu de uma montanha-russa instalada em um bufê infantil em São Paulo. Em entrevistas à imprensa, apresentamos uma proposta para viabilizar o que achamos fundamental para prevenir e reduzir tantos acidentes que geram feridos e mortos, em locais instalados para o lazer. Seria uma parceria do Inmetro com os órgãos fiscalizadores estaduais com os quais mantém convênio. Essas instituições, dentre eles o Ipem-SP, podem ser utilizadas para capacitar e certificar profissionais para realização de auditorias. Desta forma, as prefeituras teriam a regulamentação compulsória como referência e técnicos habilitados para fiscalizar instalação de brinquedos e autorizar ou não o funcionamento de parques infantis e bufês.

As normas estão prontas, no entanto, o Inmetro declara não ser o responsável por implantá-las de forma obrigatória ou fiscalizar esse setor de entretenimento e lazer. A tese equivocada contraria o artigo 2º da Lei 9.933 de 20 de dezembro de 1999, que estabelece poder normativo ao órgão para regulamentar atividades no campo da avaliação da conformidade de produtos, processos e serviços, nas quais estão inseridas instalação e

manutenção de brinquedos em parques de diversões e bufês.

Mais do que isso, temos a Medida Provisória nº 541 de 2 de agosto de 2011, editada pelo Governo Federal, que amplia essas competências em seu artigo 12º, no qual garante responsabilidade dos dois órgãos: “Exercer poder de polícia administrativa expedindo regulamentos técnicos nas áreas de

avaliação de conformidade de produtos, insumos e serviços, abrangendo aspectos tais como: segurança e proteção da vida e da saúde humana…”.

Portanto, a regra é clara. Não há motivos para adiar mais ou deixar longos prazos para o mercado se adequar. Pelo contrário. Estamos falando em evitar mortos e feridos e com base em tragédias, infelizmente há muito tempo

anunciadas. Esperar o que? Como se espera de uma sociedade democrática, todos devem cumprir seu papel.

Normas obrigatórias regulamentadas pelo Inmetro devem servir de referência para as prefeituras, responsáveis hoje pelos alvarás de parques de diversões e bufês infantis, que terão técnicos capacitados pelos Ipem brasileiros para fazer a tão necessária fiscalização. O consumidor visitante desses locais pode, por fim, denunciar os possíveis riscos aos quais são submetidos no momento da diversão.

Se ainda há qualquer dúvida sobre isso, vamos lembrar que há 20 anos o Código de Defesa do Consumidor resguarda o cidadão contra riscos à saúde e à segurança ao adquirir e utilizar produtos e serviços, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê proteção integral ao principal público desses parques, a criança.

Fabiano Marques de Paula é advogado, superintendente do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP), autarquia vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

 

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