Em matéria de legislação, é comum no Brasil o provisório transformar-se em definitivo. Todas as vezes em que o governo pôs a mão no bolso dos contribuintes, dizendo que um dia devolveria o dinheiro com juros e correção monetária, de prorrogação em prorrogação foi transformando a dívida em definitiva e muito maior. Essas contribuições e empréstimos transformaram-se em definitivos e, nos casos em que houve devolução, fez-se chantagem com os confiscados. O governo admitiu devolver, mas exigiu que os credores, povo e empresas, abrissem mão do direito sagrado nas democracias de buscar justiça nos tribunais. Quem desistir de ações na Justiça, recebe antes, e quem não desistir, muito mais tarde. Mesmo os que se dobram a essa imposição absurda de desistir da Justiça, ainda são pagos a longo prazo. E tudo é apresentado como um favor dos governantes que se fazem de assaltantes bonzinhos.
Pior que esses confiscos são as medidas provisórias. Elas, dando ao presidente da República o direito de legislar e suas leis entrarem em vigor de imediato, antes de apreciadas pelo Congresso, transformam-se em um instrumento ditatorial. Hoje, um presidente do Brasil pode dispensar tanto o Poder Judiciário quanto o Legislativo e governar como ditador, na base da edição de medidas provisórias.
No governo passado, de Fernando Henrique Cardoso, as tais medidas provisórias foram muitas, sob críticas severas da oposição. Neste governo, que era a oposição de então, seu número ainda aumentou. Como o Congresso tem 45 dias para apreciá-las, aprovando ou não, embora já estejam em vigor desde o dia de sua publicação, ficam com prioridade na tramitação legislativa. E trancam a pauta do Congresso.
Se Câmara Federal e Senado não as apreciam no prazo azado, são prorrogadas e a maioria vem sendo prorrogada, funcionando na prática como atos ditatoriais, sem apreciação legislativa. Pára o Congresso de legislar e legisla o Executivo, como se faz nas ditaduras. E, se o governante for de formação autoritária, é ditadura mesmo, embora camuflada.
O deputado José Roberto Arruda quer acabar com esse absurdo das medidas provisórias, via emenda constitucional que está apresentando no Congresso. Diríamos que é uma solução “meia boca”, pois não acaba com as MPs. Mas, pelo menos, obriga o Legislativo a examiná-las através de uma comissão, antes de entrarem em vigor. Sem seu exame, elas não passarão de propostas do Executivo. E o prazo para que sejam votadas pelo plenário do Congresso, aprovadas, rejeitadas ou ignoradas, quando serão prorrogadas, só começará a ser contado a partir da decisão ou omissão dessa comissão.
O proposta é boa, sem ser ótima. Merece ser aprovada, pois como hoje se usam as MPs, estamos numa verdadeira ditadura e o Congresso transformou-se numa inutilidade. O ideal, entretanto, seria que não mais existissem medidas provisórias ou que só fossem admissíveis em condições extraordinárias. Quando, por exemplo, uma proposta de lei do Executivo enviada ao Legislativo com recomendação de que seja apreciada em determinado e adequado prazo, com as devidas justificativas, dorme nas gavetas. Se o Congresso, com isto, sentir-se espoliado, basta que trabalhe, votando as leis que nele tramitam. Lembremo-nos que, trabalhando ou não, o parlamento custa o olho dos contribuintes. A folga é regiamente remunerada.