Dissídio jurisprudencial entre acórdãos do Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada após a Emenda Constitucional n.º 45/2004

Com a extinção dos Tribunais de Alçada pelo art. 4.º da Emenda Constitucional n.º 45/2004 surgiu a seguinte questão de ordem prática: é possível usar os acórdãos dos extintos Tribunais de Alçada como paradigma nos recursos especiais interpostos com base no dissídio jurisprudencial? A análise do problema demonstra que tais acórdãos podem ser utilizados para este fim, desde que não sejam cotejados com decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça que os incorporaram.

Explica-se. De acordo com o que dispõe o art. 105, III, ?c? da Constituição, será cabível o recurso especial quando a decisão recorrida ?der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal?. Como o próprio texto constitucional revela, cabe à parte demonstrar a divergência na interpretação da lei federal entre julgados de Tribunais diversos.

Quando Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada existiam independentemente no mesmo Estado, a demonstração do dissenso entre estas Cortes era plenamente possível. No entanto, tendo sido os membros do TA integrados ao TJ, considera-se que os julgados proferidos por aquela Corte correspondem, hoje, a julgados do Tribunal de Justiça.

Na época da extinção do Tribunal Federal de Recursos e criação dos Tribunais Regionais Federais essa questão foi bastante debatida no Superior Tribunal de Justiça. No REsp 20.435-9/PE o Ministro Relator explicou que ?esta Primeira Turma já decidiu, em várias oportunidades, que acórdão do Tribunal Federal de Recursos não se presta a confronto, para efeitos de recursos especial, com acórdão do Tribunal Regional Federal. É que os Tribunais Regionais Federais não são simples sucessores do Tribunal Federal de Recursos, o qual, substancialmente, não desapareceu; simplesmente foi subdividido em vários tribunais. Decisão do Tribunal Federal de Recursos é decisão também dos Tribunais Regionais Federais (…).? (1)

O mesmo raciocínio se aplica em relação aos Tribunais de Alçada incorporados pelos Tribunais de Justiça, conforme a decisão recentemente proferida pelo STJ no AG 555.157/RS: ?Ademais, os paradigmas originários do Tribunal de Alçada deste Estado, que foi incorporado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, prolator da decisão recorrida, não servem para caracterizar o dissídio. Se quando as duas Cortes funcionavam independentemente no Estado cabia ser examinada a alegação de divergência entre seus julgados, tal, agora, não mais pode ocorrer, pois o cotejo se daria no âmbito do mesmo tribunal, o que contraria o espírito do permissivo constitucional que possibilita o presente recurso (Súmula 13/STJ: ?A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial?).()

Assim, o cotejo entre acórdãos do TJ e TA do mesmo Estado hoje não mais é possível, pois o dissenso se daria no âmbito do mesmo Tribunal. Ainda que a decisão tenha sido proferida quando os Tribunais eram separados, hoje são considerados um só. Não haveria mais interpretações de Tribunais distintos a ser uniformizada. Se assim não fosse, seria possível o fazer o dissenso entre um acórdão da antiga 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná e da atual 10.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, as quais substancialmente constituem o mesmo órgão colegiado.(2)

No entanto, nada impede que haja o cotejo entre os acórdãos dos Tribunais de Alçada de outros Estados e aqueles proferidos pelos Tribunais de Justiça. Tais julgados não perdem sua força e são considerados aptos a caracterizar o dissídio jurisprudencial. O Supremo Tribunal Federal já salientou no que ?a extinção de um Tribunal, ou a transferência de sua competência a outra Corte, não invalidam a força de jurisprudência de suas anteriores decisões, que permanecem, por si só, capazes de caracterizar a ocorrência de dissenso de interpretação de lei federal, para efeito de cabimento de recurso especial.? (3)

forma, os Recursos Especiais interpostos após a Emenda n.º 45, com base na alínea ?c? do permissivo constitucional, não poderão trazer como paradigma acórdãos proferidos pelo extinto Tribunal de Alçada incorporado ao Tribunal de Justiça do mesmo Estado, ante os termos da Súmula 13 do STJ(5). No entanto, tais julgados conservam a sua força jurisprudencial e continuam servindo para comprovação do dissenso em relação aos acórdãos prolatados por outros Tribunais da Federação.

Notas:

(1) Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Primeira Turma, julgado em 24.06.1992, DJ 31.08.1992 p. 13634.

(2) Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 22/03/2004, DJ 31/03/2004.

(3) Conforme art. 2.º, º 2.º , da Resolução 02/2005 do Tribunal de Justiça do Paraná.

(4) AI 142522 Agr 1.ª Turma Relator Ministro Octávio Gallotti DJ 22/05/92

(5) ?A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial.?

Vanessa Scheremeta é advogada em Curitiba, especialista em Direito Empresarial, pós-graduanda em Direito Processual Civil e membro do Escritório Professor René Dotti. vanessa@dottieadvogados.com.br

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