Tudo como dantes no quartel de Abrantes. O governo tem dificuldades para estabelecer um mínimo de sintonia em relação a questões fundamentais de sua agenda, e alguns ministros passam a discutir em público, através dos jornais, as profundas diferenças de interpretação sobre temas que exigem coesão e uniformidade. No setor energético, a impressão é estarmos revivendo o perene conflito entre defensores do desenvolvimento e ambientalistas, tão-somente com a substituição dos litigantes postados em campos opostos.
A cena apresenta agora os ministros Carlos Minc (Meio Ambiente) e Edison Lobão (Minas e Energia), da mesma forma que há poucos meses apresentava nas mesmas posições os ex-ministros Silas Rondeau e Marina Silva. O fulcro da discussão, contudo, permanece. Os ministros atuais, assim como os exonerados, não conseguem falar a mesma linguagem sobre a construção da usina nuclear Angra 3. Para o Ministério do Meio Ambiente que é contrário à construção de usinas nucleares, mas foi superado pela opinião majoritária do governo a favor das mesmas, a saída é batalhar para que o licenciamento ambiental para a construção de Angra 3, sob sua responsabilidade, contenha uma gama de compensações e o monitoramento independente dos níveis de radiação.
Por sua vez, o ministro Edison Lobão deixou claro que a usina começará a ser construída no dia 1.º de setembro, dado que entra em choque direto com a insistência manifestada pelo colega do Meio Ambiente quanto ao estabelecimento de um prazo mais extenso para a resolução de questões delicadas como a destinação dos rejeitos e do lixo nuclear, por exemplo. Minc também não abre mão de exigir a implantação de um sistema de monitoramento dos níveis radiativos da nova usina, citando inclusive a sofisticada colocação de sensores em terra, mar e ar, cuja operação deverá ser feita de forma externa e independente por universidade ou instituição científica como ocorre na Espanha, segundo o modelo proposto pelo loquaz ministro.
Lobão não quer nem ouvir falar do risco de atraso no início das obras de Angra 3 em função de novas exigências ambientais, assim como aconteceu com as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, programadas para o Rio Madeira, em Rondônia. Para não aprofundar o conflito com o Ministério do Meio Ambiente, Lobão se esforça para encontrar uma solução diplomática ao afirmar que as exigências são razoáveis, mas não devem contribuir para atrasar o cronograma das obras previstas para Angra 3, na verdade, uma usina que terá a construção reiniciada.
Os ambientalistas, no entanto, ainda podem sonhar com o surgimento de dificuldades adicionais ao programa de geração de energia mediante usinas nucleares, tendo em vista as barreiras constitucionais apontadas por alguns advogados quanto à necessidade da aprovação da matéria pelo Congresso Nacional. Além disso, a localização das unidades geradoras de energia nuclear deve ser obrigatoriamente definida por lei federal, de acordo com a própria Constituição. Angra 3 foi aprovada simplesmente por decisão interna do Conselho Nacional de Política Energética.
Outro empecilho que poderá embaralhar as cartas, segundo especialistas na questão energética, é a intenção revelada pelo ministro Edison Lobão de convocar a iniciativa privada para participar dos projetos nucleares, mesmo em condição minoritária. A Constituição veda a possibilidade, pois estipula que a atividade nuclear é considerada monopólio da União.
?Angra 3 é uma sinfonia inacabada?, lembrou com conhecimento de causa o físico José Goldemberg, renomada autoridade do setor energético. A sociedade está cansada dessa lengalenga.