Diretrizes de Política Criminal e Penitenciária ­- V

A concretização de uma eficiente política criminal necessita que haja um fortalecimento das Corregedorias e dos órgãos de controle externo da polícia; desenvolvimento de estratégias de gestão que prevejam a elaboração de diagnósticos, fixação de metas e avaliação constante de resultados; integração das forças policiais por meio da compatibilização das áreas de atuação e do intercâmbio de informações; promoção de ações permanentes com vistas à redução da violência e da letalidade; aprimoramento das técnicas científicas de investigação.

O que se observa, infelizmente, em muitas unidades é mera improvisação, daí porque, quando do encaminhamento das Diretrizes acentuou o CNPCP que… urge estabelecer uma sólida base conceitual capaz de, ao tempo em que revela a complexidade dos diversos aspectos envolvidos, mostrar que seu tratamento sistêmico é não só viável, como indeclinável.

Assim, as Diretrizes destinam-se aos responsáveis pela concepção e execução de ações relacionadas à prevenção da violência e da criminalidade, à administração da justiça criminal e à execução das penas e das medidas de segurança.

Acentuou-se que os últimos anos assistiram ao recrudescimento dos problemas relacionados à segurança pública, à violência, à questão penitenciária, à administração da justiça, à eficácia e credibilidade das instituições responsáveis pela criação e aplicação das leis. Reais ou superdimensionados pela mídia, o fato é que tais problemas conduzem a um sentimento de insegurança capaz de afetar negativamente a qualidade de vida do povo brasileiro. No particular aspecto da segurança propriamente dita enfatizou-se que a demanda por segurança, em que pesem a complexidade dos fatores envolvidos e as raízes multicausais dos problemas mencionados, recebe, muitas vezes, uma resposta simplista amparada exclusivamente no discurso penal, reativo e repressivo. Mas são muitas as lições aprendidas e as experiências acumuladas no passado recente. Não há mais lugar para a superficialidade, para a reação açodada, para a crença em soluções rápidas e mágicas. Em que pesem as paixões despertadas, firmeza e serenidade são os atributos necessários ao correto e responsável enfrentamento dos desafios postos. Por isso, as novas diretrizes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária traduzem uma visão abrangente.

Não se pretendendo exaurir todas as questões, é evidente que, conforme também acentuou o Conselho, cabe à política criminal, no quadro das ciências penais, sintetizar os conhecimentos advindos de várias áreas e disciplinas e traçar, a partir deles, a ponte pragmática que os capacite a uma interferência concreta nas ações do Governo e da sociedade civil. Hoje, ao contrário, exige-se comprometimento do conhecimento com a eficácia de sua aplicação, com seus resultados. E exige-se, sobretudo, coerência nas ações.

No particular aspecto da Política Penitenciária o que se tem observado, ao longo dos anos, são ações paliativas, minimizadoras de crises, mas, na seqüência esquecidas, até que novos episódios ocorram (tristes e lamentáveis, com derramamento de sangue), daí porque prevê-se a construção preferencial de unidades, com no máximo 500 vagas, buscandose evitar a permanência de presos condenados e provisórios em delegacias de polícia.

Mal que aflige muitos Estados, a permanência dos privados de liberdade em Delegacias é prática que necessita ser abolida. Para tanto, disciplinou a Lei de Execução Penal os estabelecimentos penais, provendo-os dos requisitos mínimos e necessários acordes com a prática de nações mais desenvolvidas.

Dá-se ênfase ao cumprimento de pena privativa de liberdade em estabelecimentos prisionais próximos à residência da família do condenado, isto porque, em que pese a resistência às teorias “RE” tendentes à reinserção social do delinqüente, o Estado, ao menos, necessita dar dignidade às prisões, respeitando os direitos fundamentais dos privados de liberdade, e não os tratando em condições publicamente condenadas pela recente CPI do sistema carcerário.

Urge, conforme já se acentuou a promoção permanente de assistência jurídica aos presos provisórios, internados e egressos, prioritariamente pelas Defensorias Públicas, e, secundariamente, pelos Cursos e pelas Faculdades de Direito, pelos Serviços de Assistência Judiciária da OAB e por instituições congêneres. A carência de profissionais na área é manifesta. Notícias divulgadas dão conta de que “milhares” de preso já poderiam estar em liberdade, ou ao menos em regimes mais brandos, daí a revolta que sistematicamente ecoa nos cárceres.

De igual sorte, no campo da saúde há um longo caminho a percorrer. Não se discute a necessidade de atendimento à população como um todo, mas o Estado se obriga à assistência aos privados de liberdade e não os vem atendendo conforme as necessidades que no cotidiano aprecem. Prova desta assertiva encontra-se no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. No início deste ano (2008) apenas 14 Estados haviam se habilitado; outros vieram a aderir, mas várias unidades da federação ainda não se conscientizaram da importância do assunto.

É necessário e urgente a realização de Programas e Projetos Especiais de Prevenção e Tratamento de DST/AIDS, Tuberculose e Dependência Química nas unidades penais e hospitalares, além de outras doenças que, mais tarde, irão atingir a sociedade, posto que o preso tem um limite temporal de permanência e retornará, queiramos ou não.

Mister também o desenvolvimento de ações médico-psico-odontológicas e sociais em todos os ambulatórios das unidades penais, a fim de que se efetive o que para muitos é utopia: individualização da execução da pena. Para tanto, estranhável a omissão dos Estados no que concerne a classificação inicial dos condenados para orientar a execução da pena e sua submissão a exame admissional de saúde. A persistir este quadro, com o crescimento vertiginoso da massa carcerária (hoje superior a 440.000), a sociedade pagará, e caro.

(Continuaremos)

Maurício Kuehne é professor de Direito Penal e Execução Penal da Faculdade de Direito de Curitiba (Unicuritiba). Ex-diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional Ministério da Justiça. Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná.

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