A nossa legislação, a nossa codificação, basicamente o nosso Código de 1916 não fazia nenhuma inserção particular ou específica a direitos da personalidade, não obstante houvesse regras genéricas, como por exemplo o Artigo 159 que proclamava que aquele que por ação ou opção voluntária em negligência e imprudência viole direito de outrem e cause dano fica obrigado a reparar o prejuízo é uma ordem genérica e quando se fala em dano o nosso Código, na sua interpretação extensiva nos conduzia a uma postura de que se refere a qualquer tipo de dano, sejam danos patrimoniais ou danos extrapatrimoniais e não foi sem justa razão e com bastante acerto que a nossa Constituição Federal de 1988 proclamou no seu Artigo 5.º os direitos e garantias da pessoa e no seu Artigo 5.º, inciso 10 ainda assegurava a indenização por danos morais quando se tratava de ofensa à dignidade, ao decoro, à privacidade e à honra das pessoas. Na verdade o Artigo 5.º, inciso 10 proclamou claramente uma defesa intransigente dos direitos da personalidade. Mas, com toda certeza foi o Artigo 11 a 21 do Código Civil de 2002 que inaugura uma nova ordem jurídica de uma ampla e irrestrita tutela da personalidade, quer seja no seu aspecto físico, quer seja no seu aspecto psíquico, o homem é detentor de um nome. Toda pessoa humana, aliás estou até usando uma expressão inadequada, prevista no Artigo 4.º do nosso Código Civil, que “Todo homem é capaz de direito”.
Na verdade o Código eliminou esse resquício machista para dizer que não é o homem, é o ser humano, porque a mulher não é homem, é um ser humano que tem os mesmíssimos direitos proclamados pela ordem constitucional de 1988 e nós vamos perceber, inaugura-se uma nova ordem como estava afirmando, a partir do Artigo 11 do Código Civil de 2002 se percebe que os direitos da personalidade são intransmissíveis, são irrenunciáveis, podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Ora, isso quer dizer que esses direitos são intransigíveis, irrenunciáveis e inalienáveis, impostergáveis, pertencem exclusivamente ao seu titular, que poderá, voluntariamente estabelecer algum preceito normativo proclamado pela própria pessoa, não haverá dano, como nós vamos perceber, no curso de nossa exposição desses artigos, se voluntariamente a pessoa titular do nome permitir que seu nome seja veiculado em propagandas comerciais, não há ofensa, danos morais ou perdas e danos. Todavia, é ele o titular, o senhor absoluto do seu corpo e do seu nome e esse direito pertence a ele, é um direito de caráter eminentemente personalíssimo.
Já no Artigo 12 nós vamos observar que o titular desse direito inalienável, irrenunciável, pode exigir que cesse ameaça ou lesão ao direito de personalidade. Ora, aqui nós estamos diante de uma nova inserção e eu devo dizer que se atualmente nós deparamos, ainda a Veja desta semana, abrindo um pequeno parênteses, trazia estatísticas estarrecedoras de que o Supremo Tribunal Federal julgou até outubro desse ano aproximadamente 120 mil processos e que o Superior Tribunal de Justiça julgou quase que 170 mil processos, o que vale dizer que isso não é um fenômeno que só ocorre nas Cortes superiores, mas em todos os tribunais. O volume de serviço certamente irá aumentar porque os direitos da personalidade que se inauguram a partir de janeiro de 2002 abre um espaço imenso para ações indenizatórias no plano patrimonial e no plano extrapatrimonial, porque nós estamos vivendo uma época não só invasora, como já foi dito, mas sobretudo de expansão do direito da pessoa, seja ela pessoa física, seja ela pessoa jurídica, no sentido de proteção integral do seu nome e dos reflexos que uma exposição indevida possa resultar.
Retornando, o Artigo 13 do Código Civil de 2002 amplia essa tutela, inclusive é extensiva aos parentes do morto, quando assegura que essa medida também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, pelos colaterais até o 4.º grau. Houve uma omissão legislativa quando se excluiu a possibilidade do companheiro ou da companheira promover a tutela dos direitos da personalidade do seu ex-companheiro ou da sua companheira. Mas, é claro que essa sensação invasora prejudicial ao direito da personalidade, depende de uma ordem judicial, todavia, alguns atentados são legítimos, são de ordem institucional, como por exemplo, em face do novo código brasileiro em trâmite, a submissão ao motorista, ao exame de dosagem alcoólica, através do bafômetro, para verificar se a pessoa está alcoolizada na condução do seu veículo. É uma disposição de ordem legal institucional, que não representa uma ofensa aos direitos da personalidade, estando a pessoa obrigada a situações dessa natureza.
O que não dizer, também, do exame pré-nupcial, no caso de casamento de pessoas que têm um certo grau de afinidade até o terceiro grau, em que é previsto no decreto-lei 3.200/41, o que não dizer, também ao exame do DNA nas situações de investigação de paternidade, só que aqui, evidentemente nós esbarramos com uma outra disposição que o Artigo 12 remete o Artigo 232 do Novo Código Civil, que prescreve que exames dessa natureza não pode ser o examinado submetido a esse tipo de exame se ele se recusar. Todavia sua recusa será interpretada como uma prova favorável ao processo de investigação da paternidade. E também numa situação em que o Estado promova vacinação em massa, quando o Ministério da Saúde promove campanhas de vacinação obrigando as pessoas a se submeterem ao processo de vacinação para erradicação de certas doenças disseminadas no seio da coletividade, isso não implica numa ofensa aos direitos da personalidade porque muitas vezes até uma picada de injeção pode ser considerada lesão corporal porque dependendo da situação jurídica em que se apresente possa até interferir na integridade física e que afeta, sobretudo, a personalidade, porque o que nós estamos observando é que o direito da personalidade é integral, como eu disse, no seu aspecto espiritual e no seu aspecto físico.
Há situações, uma a que me refiro, por exemplo, a questão dos Testemunhas de Jeová, que se recusam à transfusão de sangue e poderia um médico fazê-lo sem o consentimento do autor do seu corpo e sem o consentimento dos seus familiares. Não pode fazer! E se o fizer está sujeito a sanções da lei. Todavia há uma exceção no caso do estado de necessidade, quando então se verificar que está em jogo a vida do paciente e o médico tem o dever, naquele momento, não só pelo seu juramento, tanto quanto ao código de ética previsto e regulamentado pelo Conselho Regional de Medicina de defender a vida do seu paciente. Então numa situação de estado de necessidade, sim, o profissional poderá exercer esse direito na defesa do bem maior, que é a vida do cidadão. Nesta seqüência de idéias vamos observar que o Artigo 13, e eu estou aqui tomando a liberdade, me perdoem mas vou fazer um brevíssimo comentário sobre os dez artigos, são artigos resumidos, e não poderia como não puderam fazer ontem, o professor Fachin falou sobre Direitos Reais, vejam os senhores que no Artigo 13, “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, não somos proprietários do nosso corpo”, na verdade nós somos depositários do nosso corpo. Não temos a livre disponibilidade do nosso corpo. Qualquer pessoa que queira vender algum dos seus órgãos para fins comerciais, não poderá fazê-lo, o ato é absolutamente ilícito, fere visceralmente o Artigo 13 do Código Civil de 2002, que não permita qualquer diminuição permanente da integridade física. Todavia não é diminuição da integridade física do nosso corpo a cessão hematológica, a cessão de sangue, a cessão de óvulos, a cessão do gameta masculino e não representa também um ofensa à integridade física do titular do corpo o corte de unhas, de cabelo, da barba, porque não são órgãos permanentes, mas são órgãos renováveis, que não diminuem e afetam a integridade física do corpo. O texto legal é claríssimo quando importar diminuição permanente da integridade física, todavia o Código não fez menção e esse trabalho haverá de ser feito pela lúcida interpretação dos tribunais no que tange a questão da mudança de sexo, ao transexualismo, como fica situações de extirpação do órgão reprodutor masculino quando se quer mudar de sexo porque o sexo então existente não está adequado à personalidade do seu titular.
A princípio o Código, o caput do seu Artigo 13 sobrepõe-se terminantemente a essa situação porque implica efetivamente na diminuição permanente da integridade física. De qualquer maneira nós estamos diante de uma situação que vai ser discutida, como por exemplo, a vasectomia, a laqueadura, que são mutilações definitivas e por conseqüência ilícitas. O próprio controle de natalidade, não obstante o Artigo 226, parágrafo 7 da nossa Constituição Federal de 88 prescreve com clareza a possibilidade do governo instituir um controle de natalidade, como acontece, por exemplo, na China, na Índia e em outros países superpopulosos, de forma que todos esses fatores vão ser devidamente observados e verificados em face, inclusive, da integridade da personalidade. O que dizer dos contratos de locação de ventre, o que dizer dos contratos de amamentação, de maneira que todas essas situações, como nós estamos percebendo, colidem frontalmente com um novo dispositivo que objetiva, como já falamos e vou repetir, a integral ampla defesa da personalidade no seu ponto físico e espiritual. Por outro lado a teoria do consentimento informado que existe na responsabilidade civil da intervenção médica ao paciente passa a ter uma importância extraordinária, como nós iremos perceber mais adiante, onde o Artigo 15 estabelece um preceito nesse particular, mas o Artigo 14 ainda enumera um ponto determinante no novo Código Civil quando proclama “é válida o objetivo científico e altruístico a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte para depois da morte”, então é o titular do seu corpo o depositário do seu corpo na verdade, que permite ele declarar que após a sua morte os seus órgãos sejam retirados para fins de transplante em outros corpos que necessitam daquele determinado órgão. Todavia, somente após a morte, ainda com o consentimento da família, porque todos nós sabemos que a morte é a cessação da personalidade, mas se cessou a morte física, mas não cessou o nome, a personalidade da pessoa que morreu, tanto é verdade que o nosso Código Penal veda a utilização de cadáveres para estudos onde haja indícios de morte criminosa. A lei 8501/92 disciplina a utilização do cadáver não reclamado para fins ou estudos científicos. A doação dependerá do consentimento do próprio titular do corpo antes da sua morte, senão haverá atentado ao cadáver, de maneira que a nossa legislação penal não permite e considera crime a subtração de qualquer parte do corpo sem autorização em vida do seu titular ou mesmo da família após a morte, de maneira que essa defesa ao direito de personalidade permanece mesmo após a morte do seu titular.
Clayton Reis
é professor da Faculdade de Direito de Curitiba e da Universidade Estadual de Maringá.