Em plena temporada de caça a ministros e a outros integrantes do primeiro escalão da União com baixo rendimento neste governo da redenção, o principal assessor pessoal do presidente Lula, que todos conhecemos por Frei Beto, desespera-se porque o programa Fome Zero – o primeiro e mais importante de todos, conforme o discurso de posse – ainda não deslanchou. Dele discorda o coordenador executivo da tarefa distributiva, o próprio ministro José Graziano. “A estrutura começa a sair do papel e avança além dos limites do semi-árido nordestino, seu foco inicial”, comemorou Graziano, no mesmo dia em que o religioso assessor invocava os “direitos animais” em contraposição aos “direitos humanos”. Estes, para um Brasil de 44 milhões de famintos, seriam simplesmente um luxo.

A tese de Frei Beto guarda certa semelhança com a utilizada uma vez pelo falecido jurista Sobral Pinto. Na época da ditadura, ele defendia presos políticos invocando hipotéticos direitos dos animais. Afinal, antes de homens, somos todos seres animais que pouco rezam. Baseado nos fundamentos de seu pensamento, Beto entende que a reforma agrária é inadiável, qualifica como criminosa a propriedade que não cumpre sua função social e todos os dias agradece a Deus pela existência do MST – Movimento dos Sem Terra. “O MST evita que quatro milhões de famílias se favelizem nas periferias das grandes cidades”, justifica o assessor de Lula, concordando plenamente com a tática das invasões que notabiliza o movimento de norte a sul.

Lá no exterior, onde freqüentemente fala, sem contestação, sobre a situação social no Brasil, Frei Beto justifica o quanto pensa com certa originalidade: “Nunca se viu uma vaca pedindo esmola na Avenida Paulista, nem um bezerro abandonado na Avenida Rio Branco”. Nem em Roma, nem em Paris ou em Nova York, seria de completar, globalizando, como convém. “Entretanto, 44 milhões de brasileiros não têm acesso a água e a comida.” Exageros à parte (ninguém contou até hoje quantos, são, de fato, os famintos), seria de perguntar ao religioso por que então, até agora, nove meses depois do governo Lula ter-se instalado, o Fome Zero ainda não conseguiu decolar, apesar de toda boa-vontade demonstrada pela indústria, comércio e pessoas de bom orçamento ou do próprio Orçamento Geral da União.

Ironias à parte, os direitos animais invocados por Frei Beto podem ir além do direito a água e a comida. Incluem, com certeza, os relativos a segurança, já que vaca alguma, em lugar algum do mundo, empunha metralhadora, pistola ou revólver para traficar, atacar ou invadir propriedades. Pensando-se mais fundo, encontraremos entre eles também – além de muitos outros, é claro – o direito a habitação, aqui não fazendo referência aos diversos tipos de toca ou de abrigo que se encontram na natureza.

Mas os animais não pagam tributos. O assessor de Lula precisa, pois, agradecer a Deus por outros motivos que ele não relaciona em sua diária oração. Por exemplo, seria de bom tamanho que rezasse pelos brasileiros que trabalham de sol a sol para garantir comida e bebida a si e aos seus; pelos que abrem estradas, escolas e constroem habitações. Pelos que produzem o pão que comemos, canalizam e cuidam da água que bebemos. Precisa rezar ainda pelos que transportam, pelos que plantam na terra o que o sol e a chuva fazem germinar apesar das tempestades. Além de rezar apenas pelos que invadem, filhos de Deus também, seria o caso de uma pequena e justa lembrança de fé e encomendação aos que pacificamente se deixam invadir, já que também contribuem para evitar a favelização desse Brasil injusto. De nossa parte, rezaríamos pelo assessor do presidente, um rezador justo e sem preconceitos.

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