RECURSO DE APELAÇÃO N.º 2007.0025-7/0 2.º Juizado Especial Criminal de Londrina.

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Rel.: Roberto Portugal Bacellar

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. NOVA LEI SOBRE DROGAS USO PESSOAL. CONDENAÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. NOVA LEI SOBRE DROGAS NÃO DESCRIMINALIZOU O USO. O CONCEITO DE INFRAÇÃO PENAL (CRIME OU CONTRAVENÇÃO) NÃO SE EXTRAI SÓ DA SANÇÃO PREVISTA. SANÇÃO É CONSEQÜÊNCIA DA INOBSERVÂNCIA DA NORMA. DESPENALIZAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DECISÃO MANTIDA LEI NOVA QUE BENEFICIA O CONDENADO NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA APLICADA POR UMA DAS PENAS OU MEDIDAS PREVISTAS NO ART. 28 DA NOVA LEI SOBRE DROGAS (LEI 11.343/2006). RETROATIVIDADE DA LEI PENAL NOVA MAIS BENÉFICA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Capítulo III da Lei 11.343/2006 trata dos crimes e das penas. Manteve-se o crime, eliminaram-se as penas tradicionais. 2. Despenalização do consumo pessoal com aplicação de medidas consistentes em advertência, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 3. A não previsão de pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples), longe de mostrar despreocupação com a conduta ou dizê-la insignificante, atende à Política Nacional sobre Drogas com estímulo à abordagem técnica com solução da questão de fundo. 4. O consumo pessoal e a dependência causam mal à sociedade na medida em que para conseguir a droga o usuário tem praticado condutas anti-sociais. Princípio da insignificância não adequada à hipótese.

I Relatório

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença proferida pelo Juiz Supervisor do 2.º Juizado Especial Criminal da Comarca de Londrina que condenou o apelante nas sanções do art. 16 da Lei n.º 6.368/1976 à pena de 9 (nove) meses de detenção e 30 (trinta) dias multa no valor unitário correspondente a 2(dois) reais.

Celso Jair Mainardi, representante do Ministério Público em atuação nesta Turma Recursal, pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 112/119). Ementou o seu parecer da seguinte forma:

?RECURSO DE APELAÇÃO PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO PEQUENA QUANTIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CARACTERIZAÇÃO DO CRIME. LEI 11.343/2006. NOVATIO LEGIS IN MELIUS. INOCORRÊNCIA DE DESCRIMINALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1. ?Enunciado 14: o princípio da insignificância não tem incidência no crime previsto no art. 16, da Lei 6.368/76?. 2. A Lei 11.343/2006 caracteriza novatio legis in melius, havendo necessidade de substituição da pena privativa de liberdade por uma das previstas no art. 28 da nova lei? (fl. 112).

II Fundamentação

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A alegação de descriminalização da conduta não pode prevalecer. O uso de drogas para consumo pessoal está previsto no Capítulo III da Lei 11.343/2006 que trata ?dos crimes e das penas?. Nosso Código Penal é de 1940 e por evidente não acompanhou várias inovações operacionalizadas no sistema penal e processual penal brasileiros. Só o fato de o art. 28 da nova lei não fazer previsão de pena nos moldes tradicionais, não afasta a tipicidade da conduta. Sanção pena é apenas a conseqüência do descumprimento da norma. A norma penal prevista no art. 28 prevê de maneira adequada à espécie a aplicação das penas e medidas consistentes em advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Operacionalizou-se a despenalização e não a descriminalização. O princípio da insignificância igualmente não pode ser acolhido. Esta Turma Recursal Única já editou o Enunciado n.º 14 nos seguintes moldes ?O princípio da insignificância não tem incidência no crime previsto no artigo 16 da Lei 6368/76?. O usuário de drogas não causa mal apenas para ele. Na situação de dependente é um risco à sociedade na exata medida em que, para conseguir a droga, não encontra limites e faz qualquer coisa para obtê-la. Os exemplos, não só no Brasil, mas no mundo são demonstrações claras de que é preciso, longe de descriminalizar ou dizer insignificante a conduta, tratar de maneira adequada o usuário.

Um recente estudo diz que 86% dos adolescentes por cometer algum tipo de delito são usuários de drogas: ?É exatamente isso o que pode ocorrer com quem é dependente químico. Se tornou cada vez mais comum a ligação das drogas com diversos tipos de crime, além do tráfico de entorpecentes. Assaltos, roubos, homicídios, ataques contra o patrimônio, entre outros, podem ter as drogas como pano de fundo. Uma pesquisa da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), do governo federal, mostra exatamente isso. O levantamento, divulgado recentemente, aponta que 86% dos adolescentes brasileiros internados por terem cometido algum tipo de crime são usuários de drogas.

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O delegado-chefe da Divisão de Narcóticos do Paraná (Dinarc), Osmar Antônio Dechiche, explica que as drogas são ?ingredientes? de uma percentagem expressiva dos crimes contra o patrimônio e contra a vida. O caminho do usuário de entorpecentes quase sempre é o mesmo. Começa com a subtração de pertences dentro da própria casa para pagar a droga ou transformá-los em dinheiro para esse mesmo objetivo. Quando a fonte esgota, o usuário parte para os pequenos furtos. Pode ser levado para os assaltos ou para o tráfico. Depois disso, aparecem os crimes contra a vida. ?Esse tipo de crime não acontece necessariamente por causa das alterações que as substâncias provocam nas pessoas. É a conseqüência da cadeia do tráfico de drogas. Existe um lema: se não pagar, morre?, afirma Dechiche. Segundo o delegado, o usuário que precisa do dinheiro pode ser até obrigado a cometer um crime como forma de pagamento pela droga?. (jornal O Estado do Paraná, dia 6 de março de 2007, página 08).

A nova lei ao prever, para o agente que utiliza drogas para consumo pessoal, as medidas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, visa exatamente uma atuação mais técnica. Uma abordagem que possa solucionar a questão de fundo, o verdadeiro problema dos usuários e dependentes. A existência de outras incidências, prisões e outros processos com altos índices de reincidência são indicativos de que o usuário precisa de tratamento, mas não tem o condão de afastar a culpabilidade muito menos a antijuridicidade.

Haverá plena possibilidade de que o apelante possa se submeter à medidas sócio-educativas, tratamento psicoterapêutico e até, se necessário, internamento. É que no caso, deve-se aplicar de ofício, a nova lei sobre drogas. O magistrado deverá, de acordo com o conhecimento que tem dos autos, verificar dentre as novas penas e medidas previstas para o art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 qual a que melhor se aplica às condições do condenado. A lei penal posterior, sendo mais benéfica, deve retroagir sempre.

Portanto, voto pela manutenção da decisão condenatória por seus próprios fundamentos (art. 46 da Lei 9.099/1995), cabendo ao juiz operacionalizar a retroatividade da nova lei que é mais benéfica ao condenado.

III Dispositivo

ACORDAM os Senhores Juízes integrantes da Turma Recursal Única dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso.

O julgamento foi presidido pelo Juiz Luiz Fernando Tomasi Keppen, sem voto, e dele participaram os Juízes Moacir Antonio Dala Costa e Telmo Zaions Zainko.

Curitiba, 16 de março de 2007.

Roberto Portugal Bacellar Juiz Relator.