A proteção dos seres humanos ultrapassa os limites das fronteiras dos Estados porque tem por objetivo a busca do respeito da dignidade das pessoas, não como nacionais de determinado país, mas como fator mais importante de qualquer organização social e como razão de ser de qualquer regulamentação pelo Direito. Nesse sentido, com aspecto complementar à atuação interna dos Estados, criou-se uma sistemática supranacional de proteção dos direitos humanos, que envolve não apenas os mecanismos universais, organizados pela ONU, mas também os mecanismos regionais, sobretudo no âmbito da Europa e das Américas.
A Carta da ONU já em 1945 falava da necessidade de proteção dos direitos humanos. A Declaração Universal, expedida pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, tratou a temática de forma mais aprofundada e abrangente, com o mérito de aglutinar os direitos civis e políticos e também os direitos econômicos e sociais, numa concepção universalista e indivisível. Para suprir a falta de juridicidade da Declaração, foram celebrados dois Tratados Internacionais de direitos humanos: O Pacto de Direitos Civis e Políticos, direcionados aos indivíduos, detentores dos direitos no texto previstos, e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, direcionados aos Estados-partes, que se comprometem a fazer prestações positivas a fim de implementá-los. Além dessa normativa geral, também a ONU organizou e estimulou a celebração de diversas convenções internacionais temáticas, como a Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial, a Convenção para eliminação de todas as formas de tortura, tratamentos cruéis ou degradantes, Convenção sobre os Direitos da Mulher, Convenção sobre os Direitos das Crianças, dentre outroa. Tais conven-ções criaram Comitês, responsáveis pelo monitoramento e acompanhamento do cumprimento de suas disposições pelos Estados signatários.
Paralelamente a esses mecanismos convencionais, por resolução de órgãos da ONU, foram criados outros instrumentos de controle da atuação dos Estados, quanto à promoção e proteção dos direitos humanos. Assim, surgiram os Grupos de Trabalho e,principalmente, o instituto dos Relatores Especiais, dentre os quais estão o relator especial sobre dejetos tóxicos; o relator especial sobre o direito à liberdade de opinião e expressão, sobre a questão da violência contra a mulher; sobre a questão da tortura; sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias. A partir de informações que recebem, esses agentes da ONU fazem investigações sobre a situação dos Estados, podendo, inclusive atuar in loco, como fizeram os relatores sobre a tortura e sobre execuções sumárias, que estiveram no Brasil em 2001 e 2003, respectivamente.
No que tange os mecanismos regionais de proteção dos direitos humanos, a Europa apresenta o sistema mais avançado, no qual os indivíduos, depois de esgotarem os recursos internos, têm acesso direto à Corte Européia de Direitos Humanos.
O sistema interamericano de direitos humanos faz parte da Organização dos Estados Americanos – OEA e tem como marcos jurídicos a Declaração Americana de Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, além de uma série de tratados sobre temas específicos, como direitos da mulher, tortura, discriminações, etc.. Ele é composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que analisa denúncias de violações de direitos por parte dos Estados membros, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que julga casos trazidos pela Comissão, contra Estados que reconheceram expressamente sua jurisdição. Apesar das críticas da doutrina especializada, o indivíduo ainda não tem o direito de petição perante a Corte, cujos casos passam antes pelo crivo da Comissão.
A África, a Ásia e os países islâmicos ainda possuem mecanismos muito incipientes de proteção de direitos humanos. De qualquer forma, todas as iniciativas aqui relatadas demonstram ser instrumentos para a necessária conscientização mundial de que “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. (Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.)
Tatyana Scheila Friedrich é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.