Direito Internacional dos Direitos Humanos – Crimes da ditadura: invalidade da lei brasileira de anistia

Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso “Julia Gomes Lund e outros” (caso “Guerrilha do Araguaia”), em absoluto respeito aos direitos das vítimas e seus familiares, decidiu (sentença de 24.11.10, publicada em 14.12.10) que os crimes contra a humanidade (mortes, torturas, desaparecimentos), cometidos pelos agentes do Estado, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), devem ser devidamente investigados, processados e, se o caso, punidos.[1]

A Corte seguiu sua jurisprudência já fixada em relação à Argentina, Chile etc, (casos Barrios Altos, Almonacid Arellano e Goiburú, dentre outros). O processo foi provocado por três ONGs brasileiras (Centro Pela Justiça e o Direito Internacional, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo).

Sobre a lei de anistia brasileira pode-se de plano concluir: ela (Lei 6.683/1979) não possui nenhum valor jurídico para impedir doravante a apuração dos referidos crimes cometidos pelos agentes do Estado (ditadores ou por quem agiu em nome da ditadura).

A lei de anistia brasileira é inconvencional?

Sim. A Lei de Anistia brasileira, embora recebida pela Constituição de 1988 (de acordo com a visão do STF), é inconvencional (por violar as convenções de direitos humanos ratificadas pelo Brasil) e inválida (por contrariar frontalmente o jus cogens internacional). Nem tudo que o STF diz ter sido recebido pela Constituição de 1988 é compatível com os tratados em vigor no Brasil e detém validade.

A prisão civil do depositário infiel, por exemplo, foi declarada inválida pelo STF justamente tendo em conta os tratados de direitos humanos por nós ratificados, que segundo o próprio STF guardam na ordem jurídica brasileira nível superior às leis (RE 466.343-SP).

As leis brasileiras estão sujeitas a dois tipos de controle vertical: (a) de constitucionalidade e (b) de convencionalidade. Nem tudo que é recebido pela Constituição é convencional e válido, porque agora as leis devem também ter compatibilidade com as Convenções internacionais. Uma lei pode ser constitucional, mas inconvencional. Tanto no caso de inconstitucionalidade como na hipótese de inconvencionalidade, a lei não vale. É preciso que os operadores jurídicos brasileiros se familiarizem com os controles de constitucionalidade e de convencionalidade.

A decisão da CIDH afeta a soberania brasileira?

Não. Todos os países, ao firmarem um tratado internacional, perdem parte da sua soberania externa (consoante lição do jurista italiano Luigi Ferrajoli). O conceito de soberania está reduzindo o seu valor. Foi útil, no princípio do século XX, para que os Estados adotassem suas políticas autoritárias (guerras, fascismo, nazismo, Estado Novo etc.). Hoje o mundo (de um modo geral) está se voltando para os interesses internacionais.

É válida a lei quando ela contraria as ordens jurídicas superiores?

Não. Toda iniciativa legislativa hoje, precisamente porque se acha no plano ordinário, só tem valor jurídico quando compatível com as ordens jurídicas superiores: constitucional, internacional e universal. Foi decretado o fim do dogmatismo do legislador. O tempo do legalismo puro (tudo se resolvia com o texto puro da lei) está ultrapassado.

A Justiça brasileira é obrigada a acatar as decisões da CIDH?

As decisões da Corte Interamericana vinculam sim o país, vinculam obviamente o Brasil. Se a Justiça brasileira faz parte do Estado, ela também está obrigada a respeitar tais decisões. Também ela está vinculada, sob pena de novas violações à Convenção Americana. Todos estamos convidados a refletir sobre a nova cultura jurídica que está se formando.

A Lei de Anistia resultou de um pacto “imposto” pelo Governo militar da época.

Isso significa, na visão da Corte, uma autoanistia. Toda autoanistia é inválida (isso já ocorreu com Argentina, Chile, Peru etc.), consoante a decisão da CIDH. As leis de autoanistia não contribuem para a construção de uma sólida democracia, ao contrário, denegam sua existência.

A lei de anistia continua valendo?

Não. A lei de anistia brasileira, em relação aos agentes do Estado que praticaram torturas, mortes e desaparecimentos, passou a ser um “nada jurídico”.

O cumprimento da decisão da CIDH aprofunda a nossa noção de democracia?

Sim. Bem sublinhou Felipe González (O Estado de S. Paulo de 19.12.10., p. A8), presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington): “O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse [prontamente] as determinações [da CIDH]. Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos”.

O Brasil tem que cumprir a decisão da Corte, sob pena de desprestígio internacional. Justamente agora que o Brasil vem tendo certo reconhecimento mundial em termos econômicos, seria estarrecedor ostentar atraso na cultura jurídica internacional.

Como devem ser tratadas as leis de anistia (autoanistia) dos crimes contra a humanidade?

É dentro de todo esse quadro teórico (desenhado até aqui) que deve ser discutida a validade das já citadas “leis de anistia” (ou autoanistia), notadamente no contexto brasileiro. Para nós, está correta a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (sustentada na sentença de 24.11.10, caso Araguaia) de que as leis de anistia (no Brasil, trata-se da Lei n.º 6.683/79) são inválidas (não obstante vigente s) em relação aos atos desumanos, generalizados ou sistemáticos, praticados contra a população civil, durante a ditadura militar, pelos agentes públicos ou pessoas que promoveram a arbitrária política do Estado ditatorial, com conhecimento desses agentes.[2]

A lei de anistia brasileira foi fruto de uma “conciliação nacional”?

Em relação à lei de anistia brasileira, que abrange os crimes cometidos no país de 1961 a 1979, assim leciona FLÁVIA PIOVESAN:

“(…) há que se afastar a insustentável interpretação de que, em nome da conciliação nacional, a lei de anistia seria uma lei de ‘duas mãos’, a beneficiar torturadores e vítimas. Esse entendimento advém da equivocada leitura da expressão ‘crimes conexos’ constante da lei. Crimes conexos são os praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, que se encadeiam em suas causas. Não se pode falar em conexidade entre fatos praticados pelo delinquente e pelas ações de sua vítima. A anistia perdoou a estas e não àqueles; perdoou às vítimas e não aos que delinquem em nome do Estado. Ademais, é inadmissível que o crime de tortura seja concebido como crime político, passível de anistia e prescrição”.[3]

Por que não valem as leis de anistia (autoanistia)?

Como já referido, os crimes contra a humanidade (como é, v.g., o crime de tortura durante o período ditatorial), assim como os crimes de genocídio e contra a paz não podem ser considerados como crimes comuns (ou políticos), sendo por isso insuscetíveis de anistia ou prescrição, tal como já decidido pelas instâncias internacionais de direitos humanos. As leis de anistia (ou autoanistia) são, portanto, leis que por perpetuarem a impunidade e impedirem as vítimas de conhecer a verdade e receber a devida reparação, são leis que não contam com qualquer validade jurídica.[4]

Para além de violarem os instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no país, as leis de anistia violam também as normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens), que contam com valor supraconstitucional.

A condenação da CIDH

A Corte Interamericana condenou o Brasil pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 62 pessoas, incluindo-se dentre elas membros do PCdoB e camponeses da região. As operações arbitrárias do Exército brasileiro foram empreendidas entre 1972 e 1975, com o objetivo de erradicar a chamada “Guerrilha do Araguaia”. Ressalte-se que dos 62 desaparecidos no Araguaia (há quem fale num número maior), só foram encontrados quatro corpos, todos graças à ação de parentes.

Entendeu a Corte que o Brasil não empreendeu as ações necessárias para investigar, julgar e condenar os responsáveis pelo desaparecimento forçado das 62 vítimas e pela execução extrajudicial da Sra. Maria Lucia Petit da Silva, cujos restos mortais foram encontrados em 14 de maio de 1996.

Entendeu ainda a Corte que os recursos judiciais dos familiares das vítimas, com o objetivo a obter informação sobre os fatos, não foram efetivos para garantir-lhes o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia, além do que as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo governo brasileiro (v.g., a promulgação da lei de anistia) restringiram indevidamente o direito de acesso à informação desses familiares.[5]

As disposições da lei de anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos “são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e não podem “continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.[6]

Obrigações do Brasil decorrentes da condenação internacional

Doravante o Brasil terá que eliminar todos os obstáculos jurídicos (como a lei de anistia) que durante anos impediram as vítimas do acesso à informação, à verdade e à Justiça. Não se pode subtrair de nenhum povo o direito à memória e à justiça.

Essa é a principal lição da decisão da Corte Interamericana que deve ser vista como legado humanista para as futuras gerações.

Deve o Estado brasileiro “conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha”,[7] além de “um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso, referindo-se às violações estabelecidas na presente Sentença”.[8]

Outra determinação (contra o Brasil) é a necessidade de implementar em prazo razoável “um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”.[9]

O Brasil sequer pode cogitar da possibilidade de não cumprir as decisões da CIDH. Poderia sofrer sanções internacionais e ser excluído da OEA. O não cumprimento pelo Estado brasileiro da sentença da Corte Interamericana acarreta nova responsabilidade internacional ao país, a ensejar nova ação internacional na mesma Corte e nova condenação, e assim por diante. A posição do Ministro Nelson Jobim no sentido de que o Brasil poderia deixar de cumprir as decisões da CIDH é totalmente equivocada. O STF nada mais pode fazer. As decisões da Corte devem ser cumpridas pelo Brasil necessariamente.

O STF já não tem a última palavra em matéria de direitos humanos

O STF, mantendo a tradição do Judiciário brasileiro no sentido de ser tendencialmente autoritário, em abril de 2010, validou a citada lei de anistia (7 votos contra 2), impedindo dessa maneira o reconhecimento dos direitos dos familiares dos mortos, torturados e desaparecidos, ou seja, a apuração e o processamento desses crimes contra a humanidade.

Ocorre que na era do direito globalizado e universalizado (direito pós-moderno) as decisões do STF, em matéria de direitos humanos, já não significam a última palavra. Acima do Judiciário brasileiro está o Sistema Interamericano de Direitos

Humanos, que é composto de dois órgãos: Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos. A primeira está sediada em Washington, enquanto a segunda está na Costa Rica.

Quando nossos direitos, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, não são amparados pela Justiça brasileira, temos possibilidade de recorrer à Comissão Interamericana, que passa a ser uma espécie de “5.ª instância”. Todas as violações de direitos humanos não amparadas pelo Judiciário brasileiro podem (e devem) ser levadas ao conhecimento da citada Comissão, que resolve o assunto (tal como fez no caso Maria da Penha) ou o encaminha para a Corte (assim foi feito no Caso Araguaia).

Sob o aspecto jurídico a decisão da Corte Interamericana demonstra que as decisões do STF já não são definitivas, quando em jogo está um direito previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, ratificado pelo Brasil em 1992 sem qualquer reserva).

Louvor aos votos vencidos de Lewandowski e Ayres Britto

Quando o STF validou a lei de anistia brasileira, dois foram os votos vencidos:

Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Foram os dois únicos a compreender (na ocasião) a atual dimensão da proteção dos direitos humanos, que não é mais só doméstica. Em matéria de direitos humanos a última palavra é da Comissão ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os dois Ministros citados foram os únicos que admitiram que a clássica jurisprudência da Corte não iria secundar a lei de anistia brasileira.

Do “domestic affair” ao “international concern”

Do sistema do “domestic affair” (a tutela dos nossos direitos compete exclusivamente aos juízes nacionais) passamos para o sistema do “international concern” (se os juízes nacionais não tutelam um determinado direito, isso pode ser feito pelos juízes internacionais). Os juízes internos fiscalizam o produto legislativo do Congresso Nacional. Se eles não amparam os direitos das pessoas, compete aos juízes internacionais cumprir esse papel.

Finalmente, o “acerto de contas”

O “acerto de contas” relacionado com os crimes cometidos durante o período da ditadura militar finalmente tornou-se possível. O STF, majoritária e autoritariamente, tinha fechado as portas para a Justiça de Transição (Justiça do “acerto de contas”, Justiça transicional). Mas suas decisões já não são absolutas (quando há flagrante violação dos direitos humanos das vítimas).

Respeito aos direitos humanos das vítimas

Falar de violação de direitos humanos das vítimas (ou de seus familiares) num país tradicionalmente autoritário e antidemocrático parece assunto fora de moda. Mas não nos resta outra alternativa, se queremos denunciar uma vez mais essa tradicional simbiose entre o autoritarismo (militar ou não militar) e amplos setores do Poder Judiciário.

Não se pode esquecer que o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1937, durante o Estado Novo, que aceitava a presunção de culpabilidade do agente, salvo prova em sentido contrário, constituía expressão exuberante dessa conivência institucional.

O nazismo e o fascismo, na Alemanha e na Itália, tanto quanto os regimes autoritários no Brasil, nunca prescindiram da conivência de alguns setores do Poder Judiciário. Nisso reside a chamada “judicialização do autoritarismo” (ou da repressão), que voltou a se manifestar não na edição da lei de anistia (lei de autoanistia, na verdade), senão na decisão do STF que ignorou completamente a jurisprudência da CIDH.

Fim da “legalidade autoritária”

A “legalidade autoritária” tradicional no Brasil (consoante lição de Anthony Pereira), que é fruto de uma ancestral conivência (explícita ou implícita) entre o Poder Político (Legislativo e Executivo) e alguns setores do Poder Judiciário, acaba de se desmoronar (em relação aos crimes da ditadura). O Poder Político brasileiro, para acobertar tais crimes, aprovou em 1979 uma lei que foi considerada (pela Corte) como uma verdadeira auto-anistia.

O legislador também se equivoca. Sua palavra é somente a primeira, sobre a construção do direito. Nem tudo que ele aprova vale. Lei vigente não se confunde com lei válida. A vontade última do direito não é do legislador, sim, dos juízes. O século XXI é o século dos juízes (assim como o XIX foi do legislador e o XX foi do Executivo).

SENTENÇA DA CIDH (PARÁGRAFOS 147 a 182):

Da Incompatibilidade das anistias relativas a

graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional

147. As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculos alegados por alguns Estados para investigar e, quando fosse o caso, punir os responsáveis por violações graves aos direitos humanos [197].

Este Tribunal, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos pronunciaram-se sobre a incompatibilidade das leis de anistia, relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados.

148. Conforme já fora antecipado, este Tribunal pronunciou-se sobre a incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos relativos ao Peru (Barrios Altos e La Cantuta) e Chile (Almonacid Arellano e outros).

149. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados, quando se trata de graves violações dos direitos humanos. Além das mencionadas decisões deste Tribunal, a Comissão Interamericana concluiu, no presente caso e em outros relativos à Argentina [198], Chile [199], El Salvador [200], Haiti [201], Peru [202] e Uruguai [203], sua contrariedade com o Direito Internacional. A Comissão também recordou que: se pronunciou em um número de casos-chave, nos quais teve a oportunidade de expressar seu ponto de vista e cristalizar sua doutrina em matéria de aplicação de leis de anistia, estabelecendo que essas leis violam diversas disposições, tanto da Declaração Americana como da Convenção. Essas decisões, coincidentes com o critério de outros órgãos internacionais de direitos humanos a respeito das anistias, declararam, de maneira uniforme, que tanto as leis de anistia como as medidas legislativas comparáveis, que impedem ou dão por concluída a investigação e o julgamento de agentes de [um] Estado, que possam ser responsáveis por sérias violações da Convenção ou da Declaração Americana, violam múltiplas disposições desses instrumentos [204].

150. No âmbito universal, em seu Relatório ao Conselho de Segurança, intitulado “O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos”, o Secretário-Geral das Nações Unidas salientou que:

[…] os acordos de paz aprovados pelas Nações Unidas nunca pod[e]m prometer anistias por crimes de

genocídio, de guerra, ou de lesa-humanidade, ou por infrações graves dos direitos humanos […] [205].

151. Nesse mesmo sentido, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos concluiu que as anistias e outras medidas análogas contribuem para a impunidade e constituem um obstáculo para o direito à verdade, ao opor-se a uma investigação aprofundada dos fatos [206], e são, portanto,incompatíveis com as obrigações que cabem aos Estados, em virtude de diversas fontes de Direito Internacional [207]. Mais ainda, quanto ao falso dilema entre paz ou reconciliação, por um lado, e justiça, por outro, declarou que: as anistias que eximem de sanção penal os responsáveis por crimes atrozes, na esperança de garantir a paz, costumam fracassar na consecução de seu objetivo, e, em vez disso, incentivaram seus beneficiários a cometer novos crimes. Ao contrário, celebraram-se acordos de paz sem disposições relativas à anistia, em algumas situações em que se havia dito que a anistia era uma condição necessária para a paz, e em que muitos temiam que os julgamentos prolongassem o conflito [208].

152. Em consonância com o anteriormente exposto, o Relator Especial das Nações Unidas sobre a Questão da Impunidade destacou que: os autores de violações não poderão beneficiar-se da anistia, enquanto as vítimas não tenham obtido justiça, mediante um recurso efetivo. Juridicamente, carecerá de efeito com respeito às ações das vítimas vinculadas ao direito a reparação [209].

153. Do mesmo modo, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, enfatizou, na sua Declaração e Programa de Ação, que os Estados “devem revogar a legislação que favoreça a impunidade dos responsáveis por violações graves de direitos humanos, […] e castigar as violações”, destacando que em casos de desaparecimentos forçados os Estados estão obrigados, em primeiro lugar, a impedi-las e, uma vez que tenham ocorrido, a julgar os autores dos fatos [210].

154. Por sua vez, o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários das Nações Unidas, analisou, em diferentes ocasiões, o tema das anistias em casos de desaparecimentos forçados. Em sua Observação Geral sobre o artigo 18 da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, salientou que se considera que uma lei de anistia é contrária às disposições da Declaração, inclusive quando tenha sido aprovada em referendo ou procedimento de consulta similar, se, direta ou indiretamente, em razão de sua aplicação ou implementação cesse a obrigação de um Estado de investigar, processar e punir os responsáveis pelos desaparecimentos, ou quando oculte o nome daqueles que perpetraram tais violações ou se exonere seus autores de responsabilidade [211].

155. Adicionalmente, o mesmo Grupo de Trabalho manifestou sua preocupação quanto a que, em situações pós-conflito, se promulguem leis de anistia ou se adotem outras medidas que tenham como efeito a impunidade [212], e lembrou aos Estados que: é fundamental adotar medidas efetivas de prevenção, para que não haja desaparecimentos. Entre elas, destacam-se […] a instauração de processo contra todas as pessoas acusadas de cometer atos de desaparecimento forçado, a garantia de que sejam processadas em tribunais civis competentes e que não se dê acolhida a nenhuma lei especial de anistia ou a medidas análogas, que possam eximi-las de ações ou sanções penais, e da concessão de reparação e indenização adequada às vítimas e seus familiares [213].

156. Também no âmbito universal, os órgãos de proteção de direitos humanos criados por tratados mantiveram o mesmo critério sobre a proibição das anistias que impeçam a investigação e a punição dos que cometam graves violações dos direitos humanos. O Comitê de Direitos Humanos, em sua Observação General 31, manifestou que os Estados devem assegurar-se de que os culpados de infrações reconhecidas como crimes no Direito Internacional ou na legislação nacional, entre eles a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, as privações de vida sumárias e arbitrárias e os desaparecimentos forçados, compareçam perante a justiça e não tentem eximir os autores da responsabilidade jurídica, como ocorreu com certas anistias [214].

157. O Comitê de Direitos Humanos também se pronunciou a respeito no procedimento de petições individuais e nos relatórios sobre os países. No Caso Hugo Rodríguez versus Uruguai, salientou que não pode aceitar a postura de um Estado de não estar obrigado a investigar violações de direitos humanos cometidas durante um regime anterior, em virtude de uma lei de anistia, e reafirmou que as anistias para violações graves de direitos humanos são incompatíveis com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, indicando que elas contribuem a criar uma atmosfera de impunidade que pode socavar a ordem democrática e dar lugar a outras graves violações de direitos humanos [215]: sua postura ao formular observações finais sobre os relatórios apresentados pelos Estados Partes no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em que salientou que as anistias contribuem para criar “uma atmosfera de impunidade” e afetam o Estado de Direito. Igualmente cf. C.D.H. Observações finais a respeito do exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes, em virtude do artigo 40 do Pacto, sobre os seguintes Estados: Peru, U.N. Doc. CCPR/C/79/Add.67, de 25 de julho de 1996, par. 9, e, em similar sentido, Iêmen, U.N. Doc. CCPR/C/79/Add.51, de 3 de outubro de 1995, inciso 4, par. 3; Paraguai, U.N. Doc. CCPR/C/79/Add.48, de 3 de outubro de 1995, inciso 3, par. 5, e Haiti, U.N. Doc. CCPR/C/79/Add.49, de 3 de outubro de 1995, inciso 4, par. 2 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

158. Por sua vez, o Comitê contra a Tortura também afirmou que as anistias que impeçam a investigação de atos de tortura, bem como o julgamento e a eventual sanção dos responsáveis, violam a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes [216].

159. Igualmente no âmbito universal, ainda que em outro ramo do Direito Internacional, como é o direito penal internacional, as anistias ou normas análogas também foram consideradas inadmissíveis. O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, em uma caso relativo a tortura, considerou que careceria de sentido, por um lado, manter a proscrição das violações graves dos direitos humanos e, por outro, aprovar medidas estatais que as autorizem ou perdoem, ou leis de anistia que absolvam seus perpetradores.[217] No mesmo sentido, o Tribunal Especial para Serra Leoa considerou que as leis de anistia desse país não são aplicáveis a graves crimes internacionais[218]. Essa tendência universal se viu consolidada mediante a incorporação do parâmetro mencionado na elaboração dos estatutos dos tribunais especiais de mais recente criação no âmbito das Nações Unidas. Nesse sentido, tanto os Acordos das Nações Unidas com a República do Líbano e com o Reino de Camboja, como os Estatutos que criam o Tribunal Especial para o Líbano, o Tribunal Especial para Serra Leoa e as Salas Extraordinárias das Cortes de Camboja, incluíram em seus textos cláusulas que ressaltam que as anistias que sejam concedidas não constituirão um impedimento para o processamento das pessoas responsáveis pelos delitos que se encontrem dentro da competência desses tribunais [219].

160. A contrariedade das anistias relativas a violações graves de direitos humanos com o Direito Internacional foi afirmada também pelos tribunais e órgãos de todos os sistemas regionais de proteção de direitos humanos.

161. No Sistema Europeu, a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que é da maior importância, para efeitos de um recurso efetivo, que os processos penais referentes a crimes, como a tortura, que impliquem violações graves de direitos humanos não sejam prescritíveis, nem passíveis de concessão de anistias ou perdões a respeito [220].

162. No Sistema Africano, a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos considerou que as leis de anistia não podem isentar o Estado que as adota do cumprimento das obrigações internacionais[221], e salientou, ademais, que, ao proibir o julgamento de autores de violações graves de direitos humanos, mediante a concessão de anistia, os Estados não só promoviam a impunidade, mas também eliminavam a possibilidade de que esses abusos fossem investigados e que as vítimas desses crimes dispusessem de um recurso efetivo para obter reparação [222].

163. Do mesmo modo, diversos Estados membros da Organização dos Estados Americanos, por meio de seus mais altos tribunais de justiça, incorporaram os parâmetros mencionados, observando de boa-fé suas obrigações internacionais. A Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina resolveu, no Caso Simón, declarar sem efeitos as leis de anistia que constituíam neste país um obstáculo normativo para a investigação, julgamento e eventual condenação de fatos que implicavam violações dos direitos humanos [223]:

Na medida em que [as anistias] se orientam ao “esquecimento” de graves violações dos direitos humanos, elas se opõem às disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e são, portanto, constitucionalmente intoleráveis [224].

A transposição das conclusões da Corte Interamericana em “Barrios Altos” para o caso argentino é imperativa, se é que as decisões do Tribunal internacional mencionado hão de ser interpretadas de boa-fé como diretrizes jurisprudenciais. Por certo, seria possível encontrar diversos argumentos para distinguir [o caso argentino do Caso Barrios Altos], mas essas distinções seriam puramente anedóticas [225].

Na medida em que [as leis de anistia] obstaculizam o esclarecimento e a efetiva punição de atos contrários aos direitos reconhecidos nos tratados mencionados, impedem o cumprimento do dever de garantia com que se comprometeu o Estado argentino, e são inadmissíveis [226].

Do mesmo modo, toda a regulamentação de direito interno que, invocando razões de “pacificação”, disponha a concessão de qualquer forma de anistia que deixe impunes violações graves dos direitos humanos, cometidas pelo regime que a disposição beneficia, é contrária a claras e obrigatórias disposições do Direito Internacional, e deve ser efetivamente suprimida [227].

A fim de dar cumprimento aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, a supressão das leis de [anistia] é impostergável, e deverá ocorrer de maneira que não possa delas decorrer obstáculo normativo algum para o julgamento de fatos, como os que constituem o objeto da presente causa. Isto significa que os beneficiários dessas leis não podem invocar nem a proibição de retroatividade da lei penal mais grave, nem a coisa julgada. A sujeição do Estado argentino à jurisdição interamericana impede que o princípio de “irretroatividade” da lei penal seja invocado para descumprir os deveres assumidos, em matéria de persecução de violações graves dos direitos humanos [228].

164. No Chile, a Corte Suprema de Justiça concluiu que as anistias a respeito de desaparecimentos forçados, abrangeriam somente um determinado tempo e não todo o lapso de duração do desaparecimento forçado ou seus efeitos [229]:

Embora o decreto-lei em comento tenha mencionado expressamente que se encontram anistiados os fatos cometidos entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1978, o delito constante dos autos começou a ser praticado em 7 de janeiro de 1975 […], existindo certeza de que, em 10 de março de 1978, data da expiração do prazo disposto no artigo 1.º, do D.L. 2191, Sandoval Rodríguez não havia aparecido e não se tinham notícias dele, nem do lugar onde se encontrariam seus restos, no caso de ter ocorrido sua morte, […] o que torna inaplicável a anistia alegada, já que o sequestro continuava em curso, uma vez que expirou o período de tempo compreendido por esta causa excludente de responsabilidade criminal [230].

O Estado do Chile se impôs, ao subscrever e ratificar [tratados internacionais], a obrigação de garantir a segurança das pessoas […], ficando vedadas as medidas tendentes a amparar as ofensas cometidas contra pessoas determinadas ou conseguir a impunidade de seus autores, tendo especialmente presente que os acordos internacionais devem ser cumpridos de boa-fé. Esta Corte Suprema, em reiteradas sentenças, reconheceu que a soberania interna do Estado […] reconhece seu limite nos direitos que emanam da natureza humana; valores que são superiores a toda norma que possam dispor as autoridades do Estado, inclusive o próprio Poder Constituinte, o que impede que sejam desconhecidos [231].

165. Recentemente, a mesma Corte Suprema de Justiça do Chile, no caso Lecaros Carrasco, anulou a sentença absolutória anterior e invalidou a aplicação da anistia chilena prevista no Decreto-Lei N.° 2.191, de 1978, por meio de uma sentença de substituição, nos seguintes termos [232]:

O delito de sequestro […] tem o caráter de crime contra a humanidade e, consequentemente, não procede invocar a anistia como causa extintiva da responsabilidade penal [233].

A lei de anistia proferida pela autoridade de facto que assumiu o “Comando Supremo da Nação”, […] há de ser interpretad[a] num sentido conforme às convenções protetoras dos direitos fundamentais do indivíduo e punitivas dos graves atentados contra ele cometidos, durante a vigência desse corpo legal [234].

A referida proibição de autoexoneração não alude unicamente a situações óbvias, nas quais os detentores do poder valeram-se da situação vantajosa em que se encontravam para consagrar extinções de responsabilidade, como ocorre com as anistias autoconcedidas, mas implica também uma suspensão da vigência de instituições preexistentes, como […] a prescrição da ação penal, concebidas para funcionar numa situação de paz social a que estavam chamadas a servir, mas não em situações de violação de todas as instituições sobre as quais o Estado se erigia, e em benefício precisamente dos que provocaram essa ruptura [235].

166. Por outro lado, o Tribunal Constitucional do Peru, no Caso de Santiago Martín Rivas, ao resolver um recurso extraordinário e um recurso de agravo constitucional, precisou o alcance das obrigações do Estado nesta matéria [236]:

O Tribunal Constitucional considera que a obrigação do Estado de investigar os fatos e sancionar os responsáveis pela violação dos direitos humanos declarados na Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos não somente compreende a nulidade daqueles processos a que houvessem sido aplicadas as leis de anistia […], após ter-se declarado que essas leis não têm efeitos jurídicos, mas também toda prática destinada a impedir a investigação e punição pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal [237].

As obrigações assumidas pelo Estado peruano com a ratificação dos tratados sobre direitos humanos compreendem o dever de garantir aqueles direitos que, em conformidade com o Direito Internacional, são inderrogáveis, tendo o Estado se obrigado internacionalmente a sancionar sua afetação. Em atenção ao mandato contido no […] Código Processual Constitucional, recorre-se aos tratados que cristalizaram a proibição absoluta daqueles ilícitos que, em conformidade com o Direito Internacional, não podem ser anistiados, na medida em que infringem os parâmetros mínimos de proteção à dignidade da pessoa humana [238].

A aprovação de leis de anistia constitui uma competência jurídico-constitucional do Congresso da República, de modo que as resoluções judiciais expedidas, em aplicação de leis de anistia constitucionalmente legítimas, dão lugar à configuração da coisa julgada constitucional. O controle das leis de anistia, no entanto, parte da presunção de que o legislador penal quis agir dentro do marco da Constituição e do respeito aos direitos fundamentais [239].

Não opera [essa presunção] quando se comprova que, mediante o exercício da competência de promulgar leis de anistia, o legislador penal pretendeu encobrir a prática de crimes contra a humanidade. Tampouco quando o exercício dessa competência foi utilizada para “garantir” a impunidade por graves violações de direitos humanos [240].

No mérito, o Tribunal considera que as leis de anistia [em questão] são nulas e carecem, ab initio, de efeitos jurídicos. Portanto, também são nulas as resoluções judiciais expedidas com o propósito de garantir a impunidade da violação de direitos humanos cometida por [agentes estatais] [241].

167. No mesmo sentido, pronunciou-se recentemente a Suprema Corte de Justiça do Uruguai, a respeito da Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado nesse país, considerando que: [ninguém] nega que, mediante uma lei promulgada com uma maioria especial e para casos extraordinários, o Estado pode renunciar a penalizar atos delitivos. […] No entanto, a lei é inconstitucional porque, no caso, o Poder Legislativo excedeu o marco constitucional para acordar anistias [242] [porque] declarar a caducidade das ações penais, em qualquer hipótese, excede as faculdades dos legisladores e invade o âmbito de uma função constitucionalmente atribuída aos juízes, pelo que, independentemente dos motivos, o legislador não podia atribuir-se a faculdade de resolver que havia operado a caducidade das ações penais em relação a certos delitos [243].

A regulamentação atual dos direitos humanos não se baseia na posição soberana dos Estados, mas na pessoa enquanto titular, por sua tal condição, dos direitos essenciais que não podem ser desconhecidos, com base no exercício do poder constituinte, nem originário, nem derivado [244].

Em tal marco, [a lei de anistia] em exame afetou os direitos de numerosas pessoas (concretamente, as vítimas, familiares ou prejudicados pelas violações de direitos humanos mencionadas), que viram frustrado seu direito a um recurso, a uma investigação judicial imparcial e exaustiva, que esclareça os fatos, determine seus responsáveis e imponha as sanções penais correspondentes; a tal ponto que as consequências jurídicas da lei a respeito do direito às garantias judiciais são incompatíveis com a Convenção [A]mericana [sobre] Direitos Humanos [245].

Em síntese, a ilegitimidade de uma lei de anistia promulgada em benefício de funcionários militares e policiais, que cometeram [graves violações de direitos humanos], gozando de impunidade durante regimes de facto, foi declarada por órgãos jurisdicionais, tanto da comunidade internacional como dos Estados que passaram por processos similares ao vivido pelo Uruguai na mesma época. Tais pronunciamentos, pela semelhança com a questão analisada e pela relevância que tiveram, não poderiam ser deixados de lado no exame de constitucionalidade da Lei N.° 15.848 e foram levados em conta pela Corporação para proferir a presente sentença [246].

168. Finalmente, a Corte Constitucional da Colômbia, em diversos casos, levou em conta as obrigações internacionais em casos de graves violações de direitos humanos e o dever de evitar a aplicação de disposições internas de anistia:

Figuras como as leis de ponto final, que impedem o acesso à justiça, as anistias em branco para qualquer delito, as autoanistias (ou seja, os benefícios penais que os detentores legítimos ou ilegítimos do poder concedem a si mesmos e aos que foram cúmplices dos delitos cometidos), ou qualquer outra modalidade que tenha como propósito impedir às vítimas um recurso judicial efetivo para fazer valer seus direitos, foram consideradas violadoras do dever internacional dos Estados de prover recursos judiciais para a proteção dos direitos humanos [247].

169. Igualmente, a Corte Suprema de Justiça da Colômbia salientou que “as normas relativas aos direitos humanos fazem parte do grande grupo de disposições de Direito Internacional Geral, reconhecidas como normas de jus cogens, razão pela qual aquelas são inderrogáveis, imperativas […] e indisponíveis” [248]. A Corte Suprema da Colômbia lembrou que a jurisprudência e as recomendações dos organismos internacionais sobre direitos humanos devem servir de critério preferencial de interpretação, tanto na justiça constitucional como na ordinária e citou a jurisprudência deste Tribunal a respeito da não aceitabilidade das disposições de anistia para casos de violações graves de direitos humanos [249].

170. Como se desprende do conteúdo dos parágrafos precedentes, todos os órgãos internacionais de proteção de direitos humanos, e diversas altas cortes nacionais da região, que tiveram a oportunidade de pronunciar-se a respeito do alcance das leis de anistia sobre graves violações de direitos humanos e sua incompatibilidade com as obrigações internacionais dos Estados que as emitem, concluíram que essas leis violam o dever internacional do Estado de investigar e sancionar tais violações.

171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre o tema e não encontra fundamentos jurídicos para afastar-se de sua jurisprudência constante, a qual, ademais, concorda com o estabelecido unanimemente pelo Direito Internacional e pelos precedentes dos órgãos dos sistemas universais e regionais de proteção dos direitos humanos. De tal maneira, para efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos” [250].

172. A Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil (supra pars. 87, 135 e 136) afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o artigo 1.1 da Convenção. Adicionalmente, ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e permanentes, como os desaparecimentos forçados, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no artigo 2 da Convenção Americana.

173. A Corte considera necessário enfatizar que, à luz das obrigações gerais consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana, os Estados Parte têm o dever de adotar as providências de toda índole, para que ninguém seja privado da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e eficaz, nos termos dos artigos 8 e 25 da Convenção. Em um caso como o presente, uma vez ratificada a Convenção Americana, corresponde ao Estado, em conformidade com o artigo 2 desse instrumento, adotar todas as medidas para deixar sem efeito as disposições legais que poderiam contrariá-lo, como são as que impedem a investigação de graves violações de direitos humanos, uma vez que conduzem à falta de proteção das vítimas e à perpetuação da impunidade, além de impedir que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade dos fatos.

174. Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana, as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos. Em consequência, não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil [251].

175. Quanto à alegação das partes a respeito de que se tratou de uma anistia, uma auto-anistia ou um “acordo político”, a Corte observa, como se depreende do critério reiterado no presente caso (supra par. 171), que a incompatibilidade em relação à Convenção inclui as anistias de graves violações de direitos humanos e não se restringe somente às denominadas “autoanistias”. Além disso, como foi destacado anteriormente, o Tribunal, mais que ao processo de adoção e à autoridade que emitiu a Lei de Anistia, se atém à sua ratio legis: deixar impunes graves violações ao direito internacional cometidas pelo regime militar [252]. A incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana nos casos de graves violações de direitos humanos não deriva de uma questão formal, como sua origem, mas sim do aspecto material na medida em que violam direitos consagrados nos artigos 8 e 25, em relação com os artigos 1.1. e 2 da Convenção.

176. Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é consciente de que as autoridades internas estão sujeitas ao império da lei e, por esse motivo, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. No entanto, quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regulamentações processuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana [253].

177. No presente caso, o Tribunal observa que não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado e que, pelo contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais do Brasil derivadas do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações convencionais dos Estados Parte vinculam todos sus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito interno [254].

178. Com relação à aplicação do princípio de ponderação aduzido pelo Estado, entre as diversas medidas adotadas como garantia de não repetição, para efeitos de cumprir o artigo 1.1 da Convenção Americana, e do princípio de legalidade, previsto no artigo 9 do mesmo tratado (supra par. 132), o Tribunal valora positivamente as numerosas medidas de reparação e não repetição adotadas pelo Brasil, as quais serão abordadas no capítulo correspondente às reparações da presente Sentença. Embora essas medidas sejam importantes, não são suficientes, porquanto omitiram o acesso à justiça por parte dos familiares das vítimas. Nesse sentido, o Tribunal observa que, em sua aplicação do princípio de ponderação, o Estado omitiu toda menção aos direitos das vítimas, derivados dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana. Com efeito, essa ponderação se faz entre as obrigações estatais de respeitar e garantir e o princípio de legalidade, mas não se incluem na análise os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial das vítimas e seus familiares, os quais foram sacrificados da maneira mais intensa no presente caso.

179. Adicionalmente, com respeito à suposta afetação ao princípio de legalidade e irretroatividade, a Corte já ressaltou (supra pars. 110 e 121) que o desaparecimento forçado constitui um delito de caráter contínuo ou permanente, cujos efeitos não cessam enquanto não se estabeleça a sorte ou o paradeiro das vítimas e sua identidade seja determinada, motivo pelos quais os efeitos do ilícito internacional em questão continuam a atualizar-se. Portanto, o Tribunal observa que, em todo caso, não haveria uma aplicação retroativa do delito de desaparecimento forçado porque os fatos do presente caso, que a aplicação da Lei de Anistia deixa na impunidade, transcendem o âmbito temporal dessa norma em função do caráter contínuo ou permanente do desaparecimento forçado.

180. Com base nas considerações acima, a Corte Interamericana conclui que, devido à interpretação e à aplicação conferidas à Lei de Anistia, a qual carece de efeitos jurídicos a respeito de graves violações de direitos humanos, nos termos antes indicados (particularmente, supra par. 171 a 175), o Brasil descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno à Convenção, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo tratado. Adicionalmente, o Tribunal conclui que, pela falta de investigação dos fatos, bem como da falta de julgamento e punição dos responsáveis, o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado, em detrimento dos seguintes familiares das vítimas: Zélia Eustáquio Fonseca, Alzira Costa Reis, Victória Lavínia Grabois Olímpio, Criméia Alice Schmidt de Almeida, João Carlos Schmidt de Almeida, Luiza Monteiro Teixeira, João Lino da Costa, Benedita Pinto Castro, Odila Mendes Pereira, José Pereira, Luiza Gurjão Farias, Junília Soares Santana, Antonio Pereira de Santana, Elza da Conceição Oliveira (ou Elza Conceição Bastos), Viriato Augusto Oliveira, Maria Gomes dos Santos, Rosa Cabello Maria (ou Rosa Olímpio Cabello), Igor Grabois Olímpio, Julia Gomes Lund, Carmem Navarro, Gerson Menezes Magalhães, Aminthas Aranha (ou Aminthas Rodrigues Pereira), Julieta Petit da Silva, Ilma Hass, Osoria Calatrone, Clotildio Calatrone, Isaura de Souza Patricio, Joaquim Patricio, Elena Gibertini Castiglia, Jardilina Santos Moura, Joaquim Moura Paulino, José Vieira de Almeida, Acary V. de S. Garlippe, Dora Grabois, Agostim Grabois, Rosana Moura Momente, Maria Leonor Pereira Marques, Otilia Mendes Rodrigues, Francisco Alves Rodrigues, Celeste Durval Cordeiro, Luiz Durval Cordeiro, Aidinalva Dantas Batista, Elza Pereira Coqueiro, Odete Afonso Costa, Angela Harkavy, José Dalmo Ribeiro Ribas, Maria Eliana de Castro Pinheiro, Roberto Valadão, Diva Soares Santana, Getúlio Soares Santana, Dilma Santana Miranda, Dinorá Santana Rodrigues, Dirceneide Soares Santana, Terezinha Souza Amorim, Aldo Creder Corrêa, Helenalda Resende de Souza Nazareth, Helenice Resende de Souza Nazareth, Helenilda Resende de Souza Nazareth, Helenoira Resende de Souza Nazareth, Wladmir Neves da Rocha Castiglia, Laura Petit da Silva, Clovis Petit de Oliveira, Lorena Moroni Barroso, Ciro Moroni Girão, Breno Moroni Girão, Sônia Maria Haas, Elizabeth Silveira e Silva, Luiz Carlos Silveira e Silva, Luiz Paulo Silveira e Silva, Maristella Nurchis e Valeria Costa Couto.

181. Por outro lado, a Corte Interamericana conta com informação de que 24 familiares indicados como supostas vítimas faleceram antes de 10 de dezembro de 1998. A respeito destas pessoas, o Tribunal não fará nenhuma declaração de responsabilidade estatal devido à regra de competência temporal [255].

Adicionalmente, a Corte conta com informação que indica que outros  familiares faleceram, apesar de que do acervo probatório não se depreende de maneira conclusiva suas respectivas datas de falecimento [256]. Em relação a estas pessoas, o Tribunal estabelece que seus familiares ou seus representantes legais devem apresentar à Corte, em um prazo de seis meses, contado a partir da notificação da presente Sentença, a documentação que comprove que a data de falecimento é posterior a 10 de dezembro de 1998, para efeitos de confirmar sua condição de vítimas do presente caso, em conformidade com os critérios anteriormente expostos.

Corte conta com informação que indica que outros 38 familiares faleceram, apesar de que do acervo probatório não se depreende de maneira conclusiva suas respectivas datas de falecimento256. Em relação a estas pessoas, o Tribunal estabelece que seus familiares ou seus representantes legais devem apresentar à Corte, em um prazo de seis meses, contado a partir da notificação da presente Sentença, a documentação que comprove que a data de falecimento é posterior a 10 de dezembro de 1998, para efeitos de confirmar sua condição de vítimas do presente caso, em conformidade com os critérios anteriormente expostos.

182. Finalmente, a Corte se referirá, como tem feito de maneira reiterada, às diretrizes que devem seguir as investigações que realize o Estado, na seção correspondente à obrigação de investigar, no capítulo de reparações da presente Sentença. Em relação aos alegados descumprimentos dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura sustentados pelos representantes, o Tribunal estima que não resulta necessário pronunciar-se sobre tais alegações que se referem aos mesmos fatos que já foram analisados à luz de outras obrigações convencionais.

Notas:

[1] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, n.º 219, disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>.

[2] No sentido de que essas leis de anistia (ou autoanistia) não possuem valor em relação aos agentes dos crimes contra a humanidade, veja-se: a) Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa (art. 10); b) Comitê de Direitos Humanos da ONU (relatório de 2007); c) Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Barrios Altos. Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú etc. V., por tudo, Parecer técnico do Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade…, cit., p. 400 e ss.

[3] PIOVESAN, Flávia. Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da FMP, n.º 4, Porto Alegre: FMP, 2009, p. 117.

[4] Cf. PIOVESAN, Flávia. Idem, p. 118-119.

[5] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 2.

[6] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, n.º 219, parágrafo 174.

[7] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, n.º 219, parágrafo 256.

[8] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, n.º 219, parágrafo 277.

[9] V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, n.º 219, parágrafo 283.

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[198] Cf. CIDH. Relatório No. 28/92, Casos 10.147; 10.181; 10.240; 10.262; 10.309, e 10.311. Argentina, de 2 de outubro de 1992, pars. 40 e 41.

[199] Cf. CIDH. Relatório No. 34/96, Casos 11.228; 11.229; 11.231, e 11.282. Chile, 15 de outubro de 1996, par. 70, e CIDH. Relatório No. 36/96. Chile, 15 de outubro de 1996, par. 71.

[200] Cf. CIDH. Relatório No. 1/99, Caso 10.480. El Salvador, de 27 de janeiro de 1999, pars. 107 e 121.

[201] Cf. CIDH. Relatório No. 8/00, Caso 11.378. Haiti, de 24 de fevereiro de 2000, pars. 35 e 36.

[202] Cf. CIDH. Relatório No. 20/99, Caso 11.317. Peru, de 23 de fevereiro de 1999, pars. 159 e 160; CIDH. Relatório No. 55/99, Casos 10.815; 10.905; 10.981; 10.995; 11.042 e 11.136. Peru, 13 de abril de 1999, par. 140; CIDH. Relatório No. 44/00, Caso 10.820. Peru, 13 de abril de 2000, par. 68, e CIDH. Relatório No. 47/00, Caso 10.908. Peru, 13 de abril de 2000, par. 76.

[203] Cf. CIDH. Relatório No. 29/92. Casos 10.029, 10.036 e 10.145. Uruguai. 2 de outubro de 1992, pars. 50 e 51.

[204] CIDH. Relatório No. 44/00, Caso 10.820. Peru, 13 de abril de 2000, par. 68, e CIDH. Relatório No. 47/00, Caso 10.908. Peru, 13 de abril de 2000, par. 76. No mesmo sentido, cf. CIDH. Relatório No. 55/99, Casos 10.815; 10.905; 10.981; 10.995; 11.042, e 11.136. Peru, 13 de abril de 1999, par. 140 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[205] Relatório do Secretário-Geral ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. O Estado de direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos. U.N. Doc. S/2004/616, 3 de agosto de 2004, par. 10 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[206] Cf. Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, O direito à verdade. UN Doc. A/HRC/5/7, de 7 de junho de 2007, par. 20.

[207] Cf. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Instrumentos do Estado de Direito para sociedades que saíram de um conflito. Anistias. HR/PUB/09/1, Publicação das Nações Unidas, Nova York e Genebra, 2009, p. V.

[208] Cf. Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Instrumentos do Estado de Direito para sociedades que saíram de um conflito, supra nota 207, p. V (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[209] Relatório final revisado acerca da questão da impunidade dos autores de violações dos direitos humanos (direitos civis e políticos) elaborado por M. Louis Joinet, em conformidade com a decisão 1996/119 da Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção das Minorias, U.N.Doc. E/CN.4/Sub.2/1997/20/Rev1, de 2 de outubro de 1997, par. 32 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[210] Conferência Mundial de Direitos Humanos, Declaração e Programa de Ação de Viena. U.N. Doc. A/CONF.157/23, de 12 de julho de 1993, Programa de Ação, pars. 60 e 62.

[211] Cf. Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários das Nações Unidas. Observação Geral sobre o artigo 18 da Declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados. Relatório apresentado no 62° período de sessões da Comissão de Direitos Humanos. U.N. Doc. E/CN.4/2006/56, de 27 de dezembro de 2005, par. 2, alíneas a, c e d.

[212] Cf. Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários das Nações Unidas, supra nota 211, par. 23.

[213] Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, das Nações Unidas. Relatório, supra nota 211, par. 599. No mesmo sentido, cf. Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários das Nações Unidas. Relatório ao Conselho de Direitos Humanos, 4.° período de sessões. U.N. Doc. A/HRC/4/41, de 25 de janeiro de 2007, par. 500 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[214] Cf. C.D.H., Observação Geral 31: Natureza da obrigação jurídica geral imposta aos Estados Partes no Pacto. U.N. Doc. CCPR/C/21/Rev.1/Add.13, 26 de maio de 2004, par. 18. Essa Observação Geral aplicou o conteúdo da observação número 20, referente somente a atos de tortura, a outras graves violações dos direitos humanos. A esse respeito, também cf. C.D.H., Observação Geral 20: Substitui a observação geral 7, proibição da tortura e dos tratamentos ou penas cruéis (art. 7). U.N. Doc. A/47/40(SUPP) Anexo VI, A, de 10 de março de 1992, par. 15.

[215] Cf. C.D.H., Caso Hugo Rodríguez versus Uruguai, Comunicação No. 322/1988, UN Doc. CCPR/C/51/D/322/1988, Decisão de 9 de agosto de 1994, pars. 12.3 e 12.4. A Comissão também reiterou

[216] Cf. C.A.T., Observação Geral 2: Aplicação do artigo 2 por os Estados Partes, U.N. Doc. CAT/C/GC/2, 24 de janeiro de 2008, par. 15, e C.A.T., Observações finais a respeito do exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes, em virtude do artigo 19 da Convenção, sobre os seguintes Estados: Benin, U.N. Doc. CAT/C/BEN/CO/2, 19 de fevereiro de 2008, par. 9, e ex-República Iugoslava da Macedônia, U.N. Doc. CAT/C/MKD/CO/2, 21 de maio de 2008, par. 5.

[217] Cf. I.C.T.Y., Case of Prosecutor v. Furundžija. Judgment of 10 December 1998. Case No. IT-95-17/1-T, para. 155.

[218] Cf. S.C.S.L., Case of Prosecutor v. Gbao, Decision No. SCSL-04-15-PT-141, Appeals Chamber, Decision on Preliminary Motion on the Invalidity of the Agreement Between the United Nations and the Government of Sierra Leone on the Establishment of the Special Court, 25 May 2004, para. 10; S.C.S.L., Case of Prosecutor v. Sesay, Callon and Gbao, Case No. SCSL-04-15-T, Judgment of the Trial Chamber, 2 March 2009, para. 54, e S.C.S.L, Case of Prosecutor v. Sesay, Callon and Gbao, Case No. SCSL-04-15-T, Trial Chamber, Sentencing Judgment, 8 April 2009, para. 253.

[219] Cf. Acordo entre as Nações Unidas e a República Libanesa relativo ao estabelecimento de um Tribunal Especial para o Líbano, artigo 16 e Estatuto do Tribunal Especial para o Líbano, artigo 6, Resolução 1757 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. U.N. Doc. S/RES/1757, de 30 de maio de 2007; Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa, de 16 de janeiro de 2002, artigo 10; Acordo entre as Nações Unidas e o Governo Real do Camboja para o Processamento sob a Lei Cambojana dos Crimes cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático, de 6 de março de 2003, artigo 11, e Lei sobre o estabelecimento das Salas Extraordinárias nos Tribunais do Camboja para o Processamento de Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático, com emendas aprovadas em 27 de outubro de 2004 (NS/RKM,1004/006), novo artigo 40 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[220] Cf. E.C.H.R., Case of Abdülsamet Yaman v. Turkey, Judgment of 2 November 2004, Application No. 32446/96, para. 55.

[221] Cf. A.C.H.P.R., Case of Malawi African Association and Others v. Mauritania, Communication Nos. 54/91, 61/91, 98/93, 164/97 to 196/97 and 210/98, Decision of 11 May 2000, para. 83.

[222] Cf. A.C.H.P.R., Case of Zimbabwe Human Rights NGO Forum v. Zimbabwe, Communication No. 245/2002, Decision of 21 May 2006, paras. 211 and 215.

[223] Cf. Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., Causa 17.768, Resolução de 14 de junho de 2005, Considerando 31 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[224] Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 223, Considerando 26.

[225] Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 223, Considerando 24 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[226] Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 223, Considerando 25 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[227] Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 223, Considerando 26 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[228] Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 223, Considerando 31. Outrossim, com relação ao papel dos poderes legislativo e judiciário no que se refere à determinação de inconstitucionalidade de uma lei, a Corte Suprema salientou que “a lei 25.779 [que anulou as leis de anistia], de uma perspectiva formalista, poderia ser tachada de inconstitucional, na medida em que, ao declarar a nulidade insanável de uma lei, viola a divisão de poderes, ao usurpar as faculdades do Poder Judiciário, que é o único órgão constitucionalmente qualificado para declarar nulas as leis ou qualquer ato normativo com eficácia jurídica.[…] a solução que o Congresso considera que cabe dar ao caso, […] de modo algum priva os juízes da decisão final sobre a matéria”. Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Caso Simón, Julio Héctor e outros s/privação ilegítima da liberdade, etc., supra nota 227, Considerando 34 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[229] Cf. Corte Suprema de Justiça do Chile. Decisão do Plenário a respeito da instância que examinará a aplicação da Lei de Anistia no caso do sequestro do mirista Miguel Ángel Sandoval, Caso 2477, 17 de novembro de 2004, Considerando 33.

[230] Corte Suprema de Justiça do Chile. Caso do sequestro do mirista Miguel Ángel Sandoval, supra nota 229, Considerando 33 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[231] Corte Suprema de Justiça do Chile. Caso do sequestro do mirista Miguel Ángel Sandoval, supra nota 229, Considerando 35 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[232] Corte Suprema de Justiça do Chile, Caso de Claudio Abdon Lecaros Carrasco pelo delito de sequestro agravado, Rol No. 47.205, Recurso No. 3302/2009, Resolução 16698, Sentença de Apelação, e Resolução 16699, Sentença de Substituição, de 18 de maio de 2010.

[233] Corte Suprema de Justiça do Chile, Caso de Claudio Abdon Lecaros Carrasco, Sentença de Substituição, supra nota 232, Considerando 1 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[234] Corte Suprema de Justiça do Chile, Caso de Claudio Abdon Lecaros Carrasco, Sentença de Substituição, supra nota 232, Considerando 2 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[235] Corte Suprema de Justiça do Chile, Caso de Claudio Abdon Lecaros Carrasco, Sentença de Substituição, supra nota 232, Considerando 3 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[236] Cf. Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso extraordinário, Expediente 4587-2004-AA/TC, Sentença de 29] de novembro de 2005, par. 63.

[237] Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso extraordinário, supra nota 236, par. 63 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[238] Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso de agravo constitucional, Expediente 679-2005-PA/TC, Sentença de 2 de março de 2007, par. 30 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[239] Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso de agravo constitucional, supra nota 238, par. 52 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[240] Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso de agravo constitucional, supra nota 238, par. 53 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[241] Tribunal Constitucional do Peru, Caso Santiago Martín Rivas, Recurso de agravo constitucional, supra nota 238, par. 60 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[242] Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, Sentença N.° 365/09, resolução de 19 de outubro de 2009, Considerando III.2, pars. 8 e 9 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[243] Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, supra nota 242, Considerando III.2, par. 13 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[244] Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, supra nota 242, Considerando III.8, par. 6 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[245] Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, supra nota 242, Considerando III.8, par. 11 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[246] Suprema Corte de Justiça do Uruguai, Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet, supra nota 242, Considerando III.8, par. 15 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[247] Corte Constitucional da Colômbia, Revisão da Lei 742 de 5 de junho de 2002, Expediente No. LAT-223, Sentença C-578/02, de 30 de julho de 2002, seção 4.3.2.1.7 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[248] Corte Suprema de Justiça da Colômbia, Câmara de Cassação Penal. Caso do Massacre de Segovia. Ata número 156, de 13 de maio de 2010, p. 68 (tradução da Secretaria da Corte Interamericana).

[249] Cf. Corte Suprema de Justiça da Colômbia, Câmara de Cassação Penal. Caso do Massacre de Segovia, supra nota 248, p. 69 e 71.

[250] Cf. Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. Série C N.°. 75, par. 41; Caso La Cantuta, supra nota 160, par. 152, e Caso Do Massacre dos Dois Erres, supra nota 186, par. 129.

[251] Cf. Caso Barrios Altos. Mérito, supra nota 250, par. 44; Caso Almonacid Arellano e outros versus Chile. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C No. 154, par. 119, e Caso La Cantuta, supra nota 160, par. 175.

[252] Cf. Caso Almonacid Arellano e outros, supra nota 251, par. 120.

[253] Cf. Caso Almonacid Arellano e outros, supra nota 251, par. 124; Caso Rosendo Cantú e outra, supra nota 45, par. 219, e Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña, supra nota 24, par. 202.

[254] Cf. Responsabilidade internacional pela emissão e aplicação de leis que violem a Convenção (art. 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Opinião Consultiva OC- 14/94, de 9 de dezembro de 1994. Série A N.°. 14, par. 35; Caso do Penal Miguel Castro Castro versus Peru. Mérito, Reparações e Custos. Sentencia de 25 de novembro de 2006. Série C N.°. 160, par. 394, e Caso Zambrano Vélez e outros versus Equador. Mérito, Reparações e Custos. Sentencia de 4 de julho de 2007. Série C N.°. 166, par. 104. De igual maneira, cf. Caso Castillo Petruzzi e outros versus Peru. Cumprimento de Sentença. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 17 de novembro de 1999. Série C N.°. 59, Considerando 3; Caso de La Cruz Flores versus Peru. Supervisão de Cumprimento de Sentença, Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 1 de setembro de 2010, Considerando 3, e Caso Tristan Donoso versus Panamá. Supervisão de Cumprimento de Sentença, Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 1 de setembro de 2010, Considerando 5.

[255] Cfr. Caso das Irmãs Serrano Cruz versus El Salvador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1 de março de 2005. Serie C No. 120, par. 144. De acordo com informação aportada pela Comissão e pelos representantes, os familiares falecidos com anterioridade ao reconhecimento de competência do Tribunal por parte do Brasil são as senhoras e senhores Adriano Fonseca (pai, 1984), Maria Jardilina da Costa (mãe, 1993), Benedita de Araújo Ribas (mãe, 1995), Walter Sheiba Pinto Ribas (pai, 1996), José Ferreira de Souza (pai, nos anos 1980), Irene Guedes Corrêa (mãe, 1986), Edgar Corrêa (pai, 1993), Antonio Olímpio Maria (pai, 1980), Euthália Resende de Souza Nazareth (mãe, 1996), Adalberto de Assis Nazareth (pai, 1965), Idalisio Soares Aranha (pai, 1964), José Bernardino da Silva Júnior (pai, 1949), Cyrene Moroni Barroso (mãe, 1992), Benigno Girão Barroso (pai, 1995), Ildefonso Haas (pai, 1989), Adaíde Toledo de Oliveira (mãe, 1992), José Sebastião de Oliveira (pai, 1970), Jovina Ferreira (mãe, 1979), Lilita Silveira e Silva (mãe, 1993), René de Oliveira e Silva (pai, 1986), Silvio Marques Camilo (pai, 1964), Francisco de Assis Batista (pai, 1970), Edwin da Costa (pai, 1997) e Heleneide Resende de Souza Nazareth (irmã, anos 1980).

Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontreme no Facebook.

Valério Mazzuoli é Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito Internacional pela UNESP. Professor Adjunto de Direito Internacional Público e Direitos Humanos da UFMT. Coordenador do Programa de Mestrado em Direito da UFMT. Membro da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas – ABCD. Advogado e consultor jurídico.

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