Pode-se dizer que existe uma certa tensão entre o Direito e a mídia. Em certos casos, trata-se de uma relação conturbada(1). Considere-se também que pode haver alguma preocupação por parte dos juízes sobre o fato de decisões e leis serem divulgadas e comentadas pela mídia ao grande público, via de regra leigo em Direito. O que importa é o modo como é feita essa divulgação, evidentemente.
A mídia leva ao público informações e entretenimento. Nesse contexto, cabe analisar o papel da transmissão de julgamentos ao vivo, por exemplo, pela televisão.
Deve-se considerar o impacto que a mídia exerce sobre a sociedade. Várias vezes deparamo-nos com sensacionalismo, a notícia-espetáculo, donde se pergunta qual a repercussão desses fatos para a compreensão do Direito por parte da população.
A questão é saber até que ponto as representações da mídia sobre o Direito influenciam a vida diária das pessoas e o quanto altera seus comportamentos. Tradicionalmente, tais estudos são realizados pela ótica da psicologia social e da etnografia.
Todavia, a autora Lieve Gies propõe um novo tipo de pesquisa, de ordem interdisciplinar, que visa analisar o impacto da mídia sobre o Direito no dia-a-dia da população em geral(2). Assim é introduzido o conceito de “consciência legal”, que diz respeito à identidade do povo. Essa é a proposta de Lieve Gies.
Entretanto, as situações da mídia nem sempre são espontâneas, mas obedecem a uma programação prévia, salvo raras exceções, como por exemplo, os “reality-shows”.
Ora, essa falta de espontaneidade influencia de algum modo o desenvolvimento da percepção social da mídia sobre o Direito e, em consequencia, influencia também a chamada “consciência legal” por parte da população.
Porém, a espontaneidade tende a ser maior nas relações futuras entre a mídia e o Direito. Por exemplo, nos países da Europa, a internet é cada vez mais utilizada, de modo interativo, por pessoas que buscam informações sobre leis e direitos e sobre advogados que oferecem serviços na rede. Cabe observar, contudo, a diferença entre a busca por auto-ajuda no âmbito legal e a prestação de serviços profissionais. Ambas têm sido providas pela internet.
Fato é que a mídia fortemente influencia o comportamento humano e, no caso do Direito, pré-determina comportamentos, expõe sanções, autoridade e autoritarismo, entre outros termos.
Evidentemente, além de induzir comportamentos, isto pode geral algum tipo de ansiedade. Por essa razão, é importante levar em consideração a complexidade social na qual a mídia opera e as expectativas que gera.
Eu observei(3) que o tema desenvolvido no livro de Lieve Gies poderia ensejar futuros estudos sobre retórica. Penso que não se pode falar de distorções da comunicação pela mídia sem levar em consideração a disposição dos argumentos, analisando-se o seu poder de persuasão e o seu conseqüente impacto sobre a sociedade. Nesse ponto, a retórica pode contribuir para maior elucidação do assunto.
Como acadêmica e estudiosa do Direito no Brasil, menciono que a temática do direito e da mídia torna-se cada vez mais importante em nosso país, na medida em que se sucedem os escândalos, especialmente relacionados à corrupção, sendo que a maioria deles são denunciados pela mídia.
No Brasil, a maior parte dos autores sobre o assunto fundamenta-se em bibliografia estrangeira, de modo que muito pouco ou quase nada tem surgido de original, em termos teóricos, enquanto que na prática a sociedade se vê assaltada por uma avalanche de fatos preocupantes.
Assim, não tenho dúvida que o trabalho de Lieve Gies será de grande utilidade e interesse para além das fronteiras onde foi publicado, inclusive no Brasil.
O mais importante, contudo, é preservar o papel monitorador do Direito exercido pela mídia, o que a eleva ao patamar do chamado “Quarto Poder”.
Notas:
(1) GIES, Lieve. Law and the media the future of an uneasy relationship. New York: GlassHouse book, 2008.
(2) Idem, ibidem, p.19.
(3) CARNEIRO, Maria Francisca. Review on law and the media. Curitiba: [inédito], 2009.
Maria Francisca Carneiro é doutora em Direito, bacharel em Filosofia e advogada, mestre em Educação, pós-doutora em Filosofia. mfrancis@netpar.com.br
