Se um potencial empresário tivesse condições de escolher um país para construir uma fábrica, seria mais razoável que ele optasse por alocar seus recursos e seu trabalho na Bósnia-Herzegoniva (que há poucos anos foi devastada pela guerra), em Bangladesh (com seu baixíssimo IDH), na Colômbia (com seus problemas de violência), no Butão (com seu discreto papel no cenário econômico mundial), na Etiópia (com sua população ainda pagando o preço de uma década de fome), no Líbano (ou no que dele restou), no Nepal (que enfrenta uma guerra civil, além de não ser exatamente uma nação voltada à economia de mercado) ou em nosso continental, pacífico e naturalmente rico Brasil?
De acordo com o Doing Business, criterioso estudo produzido pelo Banco Mundial, dentre os países acima citados o Brasil é o que apresenta as piores condições estruturais e jurídicas para o desenvolvimento de atividade empresarial. Entre os 178 países analisados em 2007, estamos na nada honrosa 122.ª posição.
O estudo (que pode ser acessado no sítio www.doingbusiness.org) revela que a obtenção de alvarás consome em média 411 dias; que o registro de propriedade de bens leva 45 dias; que são gastas 2.600 horas de trabalho com a burocracia tributária por ano; que o cumprimento judicial de um contrato consome em média 616 dias… Vários outros indicadores são igualmente vexatórios.
De quem seria a responsabilidade por tal situação? Dos empresários ou do Estado? Quando consideramos que a abertura de uma empresa é um fato que gera benefícios não só ao empreendedor, como também à sociedade como um todo, chegamos à conclusão simples de que cabe ao Estado criar um ambiente de estímulo ao empreendedorismo.
Pelo que se pode constatar de uma rápida análise do estudo do Banco Mundial, estamos muito distantes desta realidade. A uma burocracia sem sentido somam-se elevados custos e riscos insuportáveis, fazendo com que a atividade empresarial no Brasil seja uma aventura arriscada. E o principal prejudicado neste processo é o cidadão, cada vez mais excluído de um diminuído mercado de trabalho.
Em grande parte, esta situação é conseqüência de um ordenamento jurídico confuso e ineficiente. A realização de negócios depende de um ambiente seguro, em que obrigações sejam facilmente constituídas e cumpridas, em que a burocracia registraria se limite ao necessário, em que existam condições de oferta de crédito a custos razoáveis, em que a geração de empregos seja estimulada, em que os riscos sejam suportáveis, e em que a carga tributária não inviabilize a geração de lucros.
Mas estamos de olhos fechados para os efeitos econômicos dos eventos jurídicos, principalmente em razão do isolamento em que se colocou a ciência do direito. Isolamento que talvez tenha perdido seu significado original de preservação de poder, podendo ser compreendido como um subproduto da ineficiência de nossas faculdades de direito. Se nem bem compreendemos os institutos jurídicos, como vamos analisar suas conseqüências e vinculações com outros ramos do conhecimento?
Ademais, muitas vezes aplicamos o direito guiados pela crença de que os empreendedores são inimigos do interesse social, agentes que egoisticamente buscam encher seus bolsos à custa da exploração do trabalho alheio. Com base nesta premissa, e na má compreensão quanto ao real sentido da expressão ?função social do direito?, armamo-nos contra os agentes do capitalismo, e contra eles aplicamos o direito, sempre que possível (mesmo que tanto subvertamos o direito).
Como exemplo de conseqüência negativa desta forma de aplicação do direito, vemos que o cumprimento de uma obrigação contratual ajustada em favor de um empresário é uma tarefa que demanda um grande, e nem sempre suficiente, esforço. Obrigações, pactuadas ou presumidas, impõem-se severamente contra a classe empresarial. Mas uma cláusula ajustada em favor de um empresário é usualmente tomada como uma mera declaração de intenções, passível de plena revisão, na qual muitas vezes se parte da premissa da abusividade de uma estipulação contratual que beneficie um empresário, mesmo nas suas relações com outros empresários. O resultado é que os contratos, no mundo empresarial, têm valor relativo, tornando os negócios jurídicos operações muito mais arriscadas do que deveriam ser, criando uma insegurança incompatível com o estímulo ao empreendedorismo.
Ainda em relação ao cumprimento das obrigações, devemos considerar que a existência de um aparato jurídico que facilite a cobrança de créditos é condição essencial para o desenvolvimento de uma economia. Afinal, não se pode desenvolver plenamente a atividade empresarial sem acesso a crédito, seja na forma de prazo para pagamento de insumos e mercadorias, seja na forma de acesso a fontes de financiamento para instalação ou ampliação da capacidade produtiva. Sem um aparato de razoável proteção ao credor, a oferta de crédito diminui e encarece, dificultando, ou mesmo inviabilizando, o empreendedorismo. E esta proteção é frágil no Brasil, seja pela lentidão processual, seja pela premissa de que o credor é um explorador, enquanto o devedor é uma vítima das circunstâncias.
E os mesmos efeitos negativos são verificados quando analisamos criteriosamente diversos outros institutos do direito empresarial, tributário, trabalhista, e previdenciário.
Mas o que realmente surpreende nesta análise é a percepção de que as soluções não são impossíveis. Algumas delas, de fato, já estão sendo implementadas. No campo do registro empresarial, o Sistema Fácil reúne diversos órgãos de registro e apoio ao empreendedor, viabilizando a constituição formal de uma empresa em pouquíssimos dias. A dispensa de CNDs para a extinção de microempresas e empresas de pequeno porte, prevista pela LC 123/06, resolveu a situação de pessoas que, mesmo sem envolvimento em qualquer espécie de fraude, não conseguiam promover o baixa no registro empresarial. Outro avanço é a abertura do mercado financeiro aos pequenos investidores, que passaram a dispor de fontes seguras de informação e de meios efetivos de proteção a seus interesses.
Se estas soluções foram possíveis, outras mudanças podem ser esperadas; ou melhor, conquistadas.
Fábio Tokars é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Decano Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da PUCPR. Professor do Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba. Professor da Escola da Magistratura do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná. Autor dos livros Estabelecimento Empresarial, Sociedades Limitadas e Primeiros Estudos de Direito Empresarial, todos publicados pela LTr Editora.