O Direito do Trabalho, independente das correntes que sustentam, de um lado, seu caráter emancipatório enquanto conquista das lutas dos trabalhadores face o capital ou, de outro, os que defendem ser o ramo do Direito que sedimentou uma adaptação do Capitalismo que cede os anéis, mas não os dedos, na sua implantação entre o final do séc. XIX e início do XX (considerando seu prelúdio europeu e o surgimento na América Latina já no século passado) foi um problema para o Direito como um todo.
Sendo o Direito Moderno, a consolidação do projeto da Modernidade, em especial o Direito Codificado, as questões pertinentes às relações de trabalho estiveram a margem deste projeto porque surgem em meio à tomada de poder da Burguesia e suas revoluções, que acabaram por interromper as revoluções sociais, já que a tomada de Poder era o limite e não a sua repartição com a classe proletária.
No Brasil, nasce enquanto ramo do Direito, entre o conflito mediado pelas lutas das organizações dos trabalhadores – que culminam na formação de um Direito Coletivo – e o contingenciamento das relações laborais individuais, a princípio debatidas no próprio Poder Executivo junto à Delegacia do Trabalho e posteriormente no Poder Judiciário Especializado, com o surgimento da Justiça do Trabalho.
Ocorre que, desde suas fontes, heterônomas (decorrentes do próprio Estado tais como a Lei, Constituição e Jurisprudência) e autônomas (derivadas da relação privada das entidades sindicais de trabalhadores e empregadores Convenção e Acordo Coletivo de Trabalho), a natureza ambígua cria uma luta interna em relação à própria natureza do Direito do Trabalho, ora Público (tutelado Estado – através do Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho, Procuradoria do Trabalho), ora Privado nas relações sindicais e especiais de cada categoria profissional e econômica.
Tais características atingem da mesma forma, a formação dos Princípios do Direito do Trabalho, as denominadas normas estruturantes de qualquer ramo que se pretenda autônomo dentre da grande categoria que é o Direito.
Tarso Genro analisa a classificação de Américo Plá Rodrigues dispondo seis princípios fundamentais assim sendo: princípio protetor, subdividido em três aspectos (in dúbio pro misero, condição mais benéfica e norma mais favorável), irrenunciabilidade de direitos, continuidade na relação de emprego, primazia da realidade, razoabilidade e boa fé(1).
Já Sergio Pinto Martins também classifica os princípios a partir sedimentação do eminente professor latino, todavia, destacando que os princípios da razoabilidade e boa fé não são exclusivos do Direito do Trabalho, mas da Teoria Geral do Direito, encontrados em qualquer ramo autônomo(2).
O Princípio Protetor traduz a própria essência tutelar do Direito do Trabalho buscando a mínima nivelação, no plano jurídico, que é concretamente negada pela realidade social, pela predominância de uma situação histórica que é fundamentalmente adversa ao trabalhador. Suas regras são: in dúbio pro operário, norma mais favorável e condição mais benéfica.
A regra In dúbio pro operário caracteriza-se pela aplicação, em questões que se tem dúvida, do melhor direito em benefício do trabalhador, o que faz com que o empregador não possa nunca deixar dúvidas em relação às condições de trabalho que divergem daquela que apresentada pelo denominado hipossuficiente, sendo daquele a prova da certeza.
A regra de norma mais favorável acaba por inverter a hierarquia tradicional das fontes formais. Quando uma norma é mais benéfica para o trabalhador do que outra, em suas condições materiais, aplica-se a mais favorável. Quando a Convenção Coletiva de Trabalho prevê vantagem ao trabalhador em relação à Lei, ou mesmo ao mínimo previsto na Constituição Federal, vale a condição mais favorável.
A regra da condição mais benéfica destaca que as condições mais benéficas que o trabalhador adquire ao longo do contrato de trabalho, se aderem ao mesmo, de forma que devem sempre permanecer em vigor. O trabalhador, por exemplo, não pode ter redução salarial.
Para Sergio Pinto Martins, a norma mais favorável advém do art. 7.º da Constituição Federal de 1988 que dispõem ?além de outros que visem a melhoria de sua condição social?(3).
O Princípio da irrenunciabilidade adverte que os direitos alcançados pelos trabalhadores, nas melhorias das condições de trabalho, não podem ser renunciados nem mesmo por eles. Esta prerrogativa entende que a vontade do trabalhador está sujeita ao vício de consentimento devido a sua situação inferior em relação ao empregador(4). Portanto ocorre a presunção de vício. Sendo assim, o direito obtido é irrenunciável.
O Princípio da continuidade caracteriza que, por ser o contrato de trabalho, de interesse público, já que o próprio emprego é de interesse público no país, este princípio visa manutenção do contrato de trabalho em vigência. Por isso, a norma prevê o pagamento de multa quando da quebra do mesmo, por parte do empregador.
O Princípio da primazia da realidade traduz que, no Direito do Trabalho, são válidas as relações que se travam entre as partes e não as formalidades documentais. O Juiz perquirirá a verdade obtida de outros documentos, inclusive oitiva de testemunhas ou depoimento pessoal das partes para atingir a realidade dos acontecimentos, sob a forma.
José Afonso Dallegrave Neto ainda destaca, na classificação de Américo Plá Rodrigues, a existência do princípio da boa fé caracterizado pela colaboração das partes e o dever máximo de esforço para que a relação capital X trabalho se dê de forma harmônica.
Tarso Genro prevê a existência de cinco outros princípios: razoabilidade, igualdade de tratamento, adequação social, autonomia do Direito do Trabalho e autodeterminação coletiva(5).
O Princípio da razoabilidade apresenta-se na limitação do princípio protetor para que as partes não cometam nenhum ato desarrazoados bem como o Princípio da Igualdade de Tratamento ou da não discriminação busca conferir ao empregado, igualdade de tratamento em situações idênticas, ou seja, o empregador não pode discriminar, no seu micropoder legiferante, alguém em situação igual dentro do gênero.
O Princípio da adequação social significa a economia adequada às condições sociais existentes e o Princípio da autonomia do Direito do Trabalho não permite a entrada de princípios de outras normas de outra natureza no direito do trabalho.
Por fim, o Princípio da autodeterminação Coletiva extingue a autonomia individual oriunda do Direito Civil, vinculando o indivíduo trabalhador a sua classe, quando ela está representada no conflito, pela associação profissional.
A submissão dos interesses do indivíduo-operário à classe traduz-se, por exemplo, na convenção de uma escala diferenciada de aumentos salariais em favor dos que recebem menos, tolhendo a aplicação mecânica do princípio da igualdade de tratamento, em benefício dos mais favorecidos. Alguns destes princípios estão expressamente contidos no rol de direitos sociais constantes do artigo 7.º da Constituição Federal de 1988.
A natureza controvertida do Direito do Trabalho, ainda que represente um atrelamento ao Estado ao mesmo tempo em que busca a autonomia, o transforma em célula individual que carrega possibilidade de diálogo entre o Monismo e o Pluralismo Jurídicos resgatando deste sistema, características que rediscutem as bases do próprio Direito Moderno.
Recentemente a Lei 11.232/2005, denominada nova lei de execução, trouxe para o Processo Civil peculiaridades do Processo do Trabalho que nasceram em meio ao seu modo particular de se constituir, com espaços para constituição dos novos direitos.
Portanto, parece vulgar a alegação de que ultrapassadas estão as bases de discussão do pensamento juslaboral, bem como das estruturas fundantes da formação histórica que madrugaram sua originalidade.
A potencialidade de elementos como a oralidade, conciliações e negociações coletivas, bem como da participação ativa do Estado na condição de fiscal do trabalho ou institucional do Ministério Público na condição de parte – especialmente no ajuizamento de ações coletivas – ainda podem ser exploradas e refletivas nas pesquisas em busca de um repensar humanista da própria condição do Direito a partir das relações sócio-econômicas que se travam no cotidiano, ainda que para os discursos da globalelização – não existam alternativas – There is no alternative ou ainda There is no way out.
Notas:
(1) GENRO, Tarso. Direito Individual do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1985, p.17.
(2) MARTINS, Sergio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2005, p. 96.
(3) MARTINS, Sergio Pinto. Idem 3.
(4) GENRO, Tarso. Op. Cit. 2.
(5) GENRO, Tarso. Op. Cit. 5.
Paulo Ricardo Opuszka é advogado trabalhista e professor do Curso de Direito do Centro Universitário Positivo e Unidade de Ensino Superior do Vale do Iguaçu – União da Vitória. Professor de Direito do Trabalho no Curso Professor Luiz Carlos. Mestre e Doutorando pela Universidade Federal do Paraná.