Dinheiro sagrado

O controlador-geral da União, Waldir Pires, de fala mansa, afirma querer acabar de vez com a cultura brasileira de que uma autoridade que rouba mas faz merece respeito. Em seu lugar, o controlador quer fazer brotar a cultura segundo a qual o dinheiro público é sagrado. Estamos com Pires e não abrimos. Fazer roubando é muito pior que não fazer. É tirar proveito duas vezes – o eleitoral, para continuar roubando, e o financeiro, para mais fazer e, assim, mais roubar. Mas não é só fazendo que se rouba ou malversa o dinheiro público na Terra de Santa Cruz. Existem outras formas. Algumas muito sutis.

Está o presidente Lula às voltas com a reforma ministerial. Pelo jeito, a mais difícil de todas as reformas, já que vem se arrastando desde meados do ano passado (ou mesmo antes), desde que um partido aliado sonhou ter direito, em troca do apoio, de fazer parte do governo que, em parte, ajudou a eleger. Para a realização dessa reforma, já se pensou de tudo – desde a substituição de ministros de pouca produtividade até a criação de novos ministérios.

Dias atrás, Lula rebateu argumentos contrários à manutenção de diversas pastas que não vêm apresentando resultados, sob a afirmação de que, para um Brasil continental, o tamanho do seu ministério é, ainda, muito pequeno. Como se fosse o número, e não a qualidade, o que, de fato, importa. Isso tudo tem a ver, não exatamente com a qualidade dos serviços prestados, mas, antes, com o tamanho do Estado que suga os impostos pagos pelos brasileiros. Os Estados Unidos – a maior potência da atualidade sobre o planeta – têm um governo apoiado em apenas 15 ministérios. O último deles, por sugestão do Congresso Nacional, foi criado diante da excepcionalidade decorrente do 11 de setembro, com o nome de Departamento da Segurança Interna. No Brasil, os ministros de fato e sem pasta chegam perto de 30.

Entre nós, cada governo que entra muda o ministério conforme o gosto pessoal, ou em atenção às negociatas para abrigar aliados. Desde o governo Sarney, por exemplo, o Ministério da Educação e Cultura foi fundido, dividido e transformado em secretaria, para depois voltar ao status de ministério, assim como ocorreram transformações no Ministério do Trabalho, da Fazenda, do Interior, da Integração Regional e Nacional, do Esporte e do Turismo e assim por diante. Lula, assim que assumiu, separou o Esporte do Turismo, criou o Ministério das Cidades, deu status de ministério às secretarias especiais de Políticas para as Mulheres, dos Direitos Humanos e da Assistência Social, criou o da Aqüicultura e da Pesca, mais o de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o do Desenvolvimento Econômico e Social. Nem aí para a duplicidade de funções que os nomes sugerem, Lula arrematou com a criação de duas pastas extraordinárias, também com status de ministério, para a Segurança Alimentar e para o Combate à Fome. Zero.

O provérbio ?muito cacique para pouco índio? denota uma situação em que há muita gente que manda para poucos que trabalham. É a impressão que fica quando se olha para as coisas que acontecem no Planalto. Lula deveria estar atento a isso na costura da reforma ministerial, adiada para o começo deste ano. Até porque, como trabalhador, ele sabe que onde muitos mandam, poucos obedecem. Como na fábrica, o presidente deveria estar mais preocupado com a produtividade do quem com a quantidade – uma forma de malversação, para não dizer roubo, dos recursos públicos, muito comum na pública administração de qualquer nível.

Daí porque o esforço de Waldir Pires é louvável. Seu conselho deveria ser entendido de forma ampla, abrangendo também esse conceito perdulário de fazer política distribuindo tetas do erário público a um número cada vez maior de ?realizadores? – um jeito de tirar vantagem sem o rótulo do roubo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo