No final de 2009, os editores desta coluna “Livre Iniciativa e Dignidade Humana”, enviaram ao Conselho Nacional de Justiça, CNJ, Pedido de Providências relativo à apontada inconstitucionalidade do artigo 12, da Resolução 35.
A citada Resolução 35 regulamenta a prática dos procedimentos consensuais de inventário, restabelecimento e rompimentos conjugais, operados diretamente nos Tabelionatos de Notas, por meio de Escrituras Públicas, em caráter regulamentar à Lei 11.441/2007.
Em coadunância com as exposições de motivos e justificativas de votos, que ensejaram a Lei 11.441/2007, o advogado é figura essencial nestes procedimentos e sem a sua participação, o ato não se aperfeiçoa.
Ao contrário da sede processual, o advogado atuará, exclusivamente, como assistente jurídico, não possuindo poderes de representação das partes, vez que estas comparecem, pessoalmente, ao ato notarial.
A inconstitucionalidade apontada se afigura nos casos em que as partes não podem, por alguma razão, comparecer pessoalmente ao ato, dependendo da constituição de um representante.
Esse instrumento de procuração há de ser público e confeccionado em cláusulas duras, ou seja, sem poderes negociais em geral, antes sendo descrita, expressamente, toda a vontade do herdeiro ou do cônjuge, no tocante a todas as implicações jurídicas do ato para o qual constitui o seu representante; quem, aliás, só atuará na estrita limitação dos poderes expressos a ele outorgados, não lhe cabendo, em nada, poder de decisão, sobre qualquer aspecto do inventário, restabelecimento ou do rompimento conjugal. Vale anotar que tal instrumento procuratório há de ser interpretado restritivamente.
Toda pessoa maior e capaz, que possua interesse ou não no ato, pode ser constituído representante do herdeiro ou cônjuge. Apenas uma restrição pessoal é contemplada pela Resolução 35: ADVOGADOS NÃO PODEM CUMULAR FUNÇÃO DE ASSISTENTE JURÍDICO E DE MANDATÁRIO. Leia-se o que diz o seu artigo 12: “Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais, vedada a acumulação de funções de mandatário e de assistente das partes (g.n.)”.
O artigo supra se revela inconstitucional e dissonante da melhor interpretação sistemática, bem como, opera a contrario sensu da própria exposição de motivos da Resolução 35, que visa, em suma, a regulamentar a Lei 11.441/2007, com base nos princípios da simplicidade e da economia dos atos procedimentais, tudo sem prejuízo da segurança jurídica.
Tal inconstitucionalidade reside em uma restrição indevida à liberdade de iniciativa da classe advocatícia, em razão do injustificado impedimento de exercício das práticas profissionais, que lhe é imposto.
Há que se destacar dois pontos:
Prima facie, que as atividades de mandatário, in casu, não requerem qualquer habilidade inata ou profissional do representante à exceção, por certo, da plena capacidade natural , vez que a outorga de poderes se dá igual e exclusivamente por instrumento público, confeccionado com cláusulas duras, procedimento capaz de assegurar, na integralidade, a vontade do outorgante.
É o que ocorre, a propósito, nos casamentos operados sob a modalidade “por procuração”, nos quais não se admite qualquer espaço para a manifestação volitiva do próprio representante a extrapolar os limites expressamente conferidos , fato que induz à nulidade de qualquer obrigação contraída à margem de tais poderes.
Dopo, que considerando a abertura da função de mandatário estendida a toda pessoa humana “maior e capaz”, fazer recair tal excepcionalidade exclusivamente sobre os advogados, os quais já exercem a função de assistente do ato, configura uma subrepitícea atribuição de má-fé a esses profissionais, pois a interpretação finalística da norma leva a uma única conclusão a de que se procuraria evitar uma atuação do advogado, motivada por conflito de interesse.
Inicialmente há que se ter em vista de que apenas a boa-fé pode ser presumida. Outrossim, presumível é que, se a parte confiou àquele advogado, o encargo principal, de cuidar de seus interesses sucessórios ou conjugais, os atos acessórios tais como a perfeita confecção do instrumento público de mandato, coadunante com os interesses da escritura pública principal também serão, inevitavelmente assistidos pelo mesmo profissional.
Ademais, não há o que se falar em excesso de poderes para o advogado, pois, justamente na via administrativa é que se possui maior controle da consecução da vontade das partes, por diversas razões, dentre elas: 1) as partes estão fisicamente presentes no ato, ainda que para a confecção do mandato; 2) é função do tabelião esclarecer diretamente às partes sobre as conseqüências dos seus atos volitivos, independente do fato de as mesmas já terem sido bem advertidas, ou não, por seus assistentes; 3) o tabelião, em razão de sua prerrogativa delegada, opera, efetivamente, como fiscal da lei, conferindo com precisão a veracidade dos documentos instrucionais, e tendo boas chances de pressentir vícios na vontade de alguma das partes; 4) as seguranças da esfera administrativa se revelam inversas à realidade prática da esfera judicial, primeiramente, porque a cláusula ad juditia confere ao advogado imensurável poder de falar pelas partes, à completa revelia das mesmas, alienando-as dos procedimentos judiciais; 5) referido comportamento possível na esfera judicial, terá como freio inibitório praticamente apenas a consciência ética do profissional forense, pois a excessiva demanda de trabalho nas serventias não comporta uma atuação mais próxima e fiscalizadora, tanto da parte dos juízes, quanto da parte dos promotores de justiça, que dificilmente identificarão casos menos sutis de coação da vontade das partes, ou mesmo de imperfeições documentais, hipóteses estas em que certamente o tabelião terá muito melhor chance de atuar em favor da sociedade.
A dignidade humana de toda a classe dos advogados se vê atingida pelo artigo 12 da Resolução 35, havendo inconstitucional restrição de sua liberdade profissional, sendo, portanto, de mister relevância a sua reforma.
Contudo, no começo do mês de fevereiro do corrente ano, o CNJ negou-se a revisar a flagrante irregularidade de seu ditame, em que pese possuir poderes para tanto.
Desta feita, os editores desta coluna encaminharão, durante o mês de março, pedido formal à Ordem dos Advogados do Paraná, para que encabece essa legítima luta, que não apenas beneficia, mas valoriza a toda a classe profissional.
Rumando à Ação Direta de Inconstitucionalidade, conclamam-se os leitores para que enviem suas mensagens de apoio para o e-mail abaixo, unindo-se a nós, na presente empreitada.
Coluna sob responsabilidade dos membros do grupo de pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Liberdade de Iniciativa, Dignidade da Pessoa Humana (Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com. Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.
Ana Cecília Parodi é mestra em Direito Econômico e Socioambiental, pela PUCPR. Especialista em Direito Civil e Empresarial, pela PUCPR e em Direito Geral Aplicado, pela Escola da Magistratura do Paraná. Advogada. Professora Universitária. Autora de variadas obras jurídicas. Editora Científica da Revista Diálogos pelo Desenvolvimento. Vencedora do IX Prêmio Ethos-Valor de Responsabilidade Social Universitária, 2009.
Carlyle Popp é mestre em Direito Público pela UFPR. Doutor em Direito Civil pela PUCSP. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná, da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e do Instituto de Direito Privado. Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação (mestrado) do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Advogado Sócio de Popp & Nalin Advogados Associados. Editor Científico da Revista Diálogos pelo Desenvolvimento.