A medida cautelar pessoal da prisão temporária, apresentada ao Brasil pela Lei 7.960/89, encontra equivalentes no Direito italiano, no qual tem enfrentado sérias dificuldades para se consolidar e no Direito francês, podendo ser classificada como medida subcautelar (FRANCO CORDERO) ou pré-cautelar (ANDREA DALIA) no sentido de que antecipa uma medida cautelar típica (a prisão preventiva).
A primeira expressão é mais correta para classificar a medida detentiva em função de que ela pode ou não ser transformada em medida cautelar típica e, ainda, em razão de ostentar finalidade cautelar temporânea. No que tange ao prévio controle judicial se aproxima da detenção fora de flagrante delito prevista no Código de Processo Penal de Portugal.
A prisão temporária, medida de comprovada eficácia na investigação preliminar, tem finalidade escancaradamente clara: colocar o suspeito da prática infracional à mercê da autoridade investigante.
Nesse sentido tem vigoroso suporte funcional: oportunizar, na fase pré-processual, que se produza prova tendo como fonte o próprio investigado. Assim, a partir da restrição da liberdade pessoal do suspeito ou indiciado, o investigador, no regime processual penal brasileiro, pode submetê-lo a interrogatório (não há dúvida de que este é essencialmente meio de prova), acareação, reconhecimento pessoal e, mesmo, à reconstituição do crime.
É curioso verificar, contudo, que a tais formas de aquisição da prova o acusado pode opor o direito de não produzir prova contra si. Aí se encontra grave e insuperável problema: podendo haver oposição do acusado, que exercita o direito ao silêncio, a medida instrumental investigatória tende a se revelar inócua.
A prisão temporária somente cumpre rigorosamente seus verdadeiros objetivos quando inobservados direitos e garantias constitucionais mínimos previstos em favor do investigado. Essa inobservância, aliás, é corrente na praxis investigativa brasileira, não recebendo oposição das cortes superiores.
Demonstra-a, exemplificativamente, a confirmação pelos Tribunais brasileiros da desnecessidade de que o interrogatório pré-judicial seja acompanhado por advogado.
Tendendo a reforçar a posição do suspeito como mero objeto na fase pré-processual, a prisão temporária é antidemocrática e, sem dúvida, inconstitucional. Atenta claramente contra o princípio da dignidade da pessoa humana quando objetiza o investigado, dele retirando a condição de sujeito de direitos (GÜNTHER DÜRIG).
A praxis demonstrou ao longo de quase vinte anos que tal espécie de prisão provisória se revelou compensatória do não exercício de direitos e garantias fundamentais, no sentido de possibilitar à autoridade investigante que a maneje para fins de ampliação do prazo de sua duração.
Assim, não raro, insatisfeito o titular investigante com a recusa do indiciado em confessar ou delatar, ameaça-o com a ampliação do prazo, com a classificação provisória da conduta como crime hediondo (o que propicia a absurda duração de 60 dias para uma medida subcautelar), etc.
Em síntese e de maneira muito pragmática, a utilização da prisão temporária serve como óbice à impostação do direito ao silêncio, especificado na Constituição Federal.
A inexistência de um efetivo controle judicial em relação à execução desta espécie prisional provisória e suas finalidades merece críticas severas: o controle judicial prévio não oferece nenhuma vantagem aparente, perdendo todo o vigor quando não se fiscaliza o cumprimento do requerido pela autoridade investigante.
Obtida licença judicial para prender o suspeito e sobre ele fazer investigação direta, o controle da execução da medida é integralmente entregue ao investigante.
Observe-se que a exigência do insatisfatório controle prévio somente ocorre para contornar o impeditivo constitucional de que, fora dos casos de prisão em flagrante, somente decisão escrita e fundamentada da autoridade judicial impõe prisão.
Tal medida cautelar atenta, como dito antes, contra o princípio da dignidade da pessoa humana: a sua execução encontra não um sujeito de direitos e, sim, mero objeto de investigação.
Ainda no âmbito constitucional a prisão temporária confronta o princípio do devido processo legal, pois é decretada sem possibilidade de defesa – imediata ou diferida – ao suspeito (que em muitos casos não chega sequer a ser indiciado).
Nela o investigado vive seu momento de agrura máxima: despido do status de sujeito processual (cujos direitos são constitucionalmente garantidos) é verdadeiro objeto utilizado para fins exclusivos de investigação.
Tomados os objetivos a serem atingidos com tal prisão entende-se que atenta claramente contra direitos constitucionais assegurados ao imputado: assim, o devido processo legal (secundado pelo contraditório e a ampla defesa); o direito ao silêncio (que compreende, segundo alguns autores, o direito de recusar-se a comparecer perante a autoridade policial e, mesmo, perante o juiz para prestar depoimento); e, em alguns casos, o princípio da presunção de inocência.
A ofensa a este princípio se dá nos casos em que se prevê a imposição da prisão temporária em clara desobediência ao princípio da proporcionalidade e, também, quando é decretada sem finalidades cautelares.
Em relação a este último ponto a própria lei possibilita a decretação da medida independentemente de necessidade cautelar. A imprescindibilidade para as investigações reclamava atenção mais detida do legislador, mostrando-se essencial especificação de situações típicas autorizativas da restrição à liberdade.
Como referencial positivo tome-se, por exemplo, o Código peninsular de 1988, quando permite a adoção da medida subcautelar somente quando há comprovado perigo de fuga.
No Brasil, podendo ser decretada sem pressupostos cautelares, atenta contra o princípio da presunção de inocência, havendo nítida equiparação do suspeito (que sequer adquiriu a condição prévia de indiciado e a seguinte de acusado) ao condenado.
Em relação ao princípio da proporcionalidade, decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência, vê-se ofensa a ele quando se impõe medida cautelar (ou mesmo subcautelar), existindo apenas vaga possibilidade de condenação a uma pena privativa da liberdade.
Tal vulneração ao princípio se contempla quando utilizada a cautela para cercear a liberdade de imputados por crimes contra o sistema financeiro nacional. Às infrações capituladas na Lei 7.492/86 se impõem penas que no mínimo in abstracto não ultrapassam dois anos.
Portanto, a pena projetada – verificável in concreto pela prova interina oferecida ao julgador – comumente demonstra a provável concessão futura de sursis. Mesmo que o apenamento seja rigoroso (o que infelizmente tem sido uma constante na praxis judicial de primeira instância), é improvável que atinja o máximo legal que, exceto no crime de gestão fraudulenta, não ultrapassa 08 (oito) anos. Ainda que se chegue a tão alto apenamento o desconto da pena privativa de liberdade se dará em regime semi-aberto.
Não encontrando o sursis, as penas alternativas, o regime aberto e, mesmo, o regime semi-aberto, equivalentes na fase da execução da prisão temporária (que tem lugar em regime idêntico ao fechado), há, em regra, proibição de adoção da medida no caso de imputação por crimes previstos na Lei 7.492/86.
Luiz Antonio Câmara é mestre e doutor em Direito pela UFPR. Professor de Processo Penal na Faculdade de Direito do Unicuritiba nos cursos de graduação, Especialização e Mestrado. Professor no Curso de Especialização em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR). Advogado criminal. lcamara@camaraeassociados.com.br