Em que momento se pode atestar a morte de uma pessoa? Quando alguém desaparece por muito tempo, pode-se decretar a sua morte? A esposa de um homem desaparecido pode casar-se novamente? O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves, provocou a discussão sobre esses questionamentos na última quarta-feira, dia 25, na conferência inaugural da IV Jornada de Direito Civil, que teve por tema ?Os efeitos jurídicos da morte?.
?O tema é um tanto ou quanto macabro?, brincou o ministro, que em sua conferência lançou luzes sobre o conceito de morte abrigado pelo Código Civil de 2002. O Código trata de três hipóteses distintas: a morte real, a morte presumida com a decretação da ausência, e a morte presumida sem a decretação da ausência.
Em relação à morte real, o ministro ressalta que é preciso examinar quando ela ocorre, qual é a sua prova e os seus efeitos jurídicos. A sua ocorrência, segundo Moreira Alves, é uma questão delicada nos dias atuais. Antes a morte acontecia com a ausência de batimentos cardíacos e de outros sinais vitais. Hoje existe também a morte cerebral encefálica, que passou a ser considerada com a finalidade de possibilitar a doação de órgãos para transplante.
O progresso da medicina, para o ministro, tem seus aspectos negativos, como no caso de indivíduos que sobrevivem graças a aparelhos, muitas vezes com a atividade cerebral inativa. ?Se a morte cerebral é realmente o momento em que ocorre a morte, deveria ser possível desligar os aparelhos. Mas isso é considerado uma forma de eutanásia?, afirma. Uma questão controvertida, para ele, é a possibilidade de, ainda em vida, as pessoas poderem abrir mão de se submeter a essa situação.
?A morte real tem como conseqüência imediata a extinção da personalidade jurídica?, afirma o ministro, apontando que esta é uma das diferenças substanciais entre a morte real e a presumida, que não destrói a capacidade. ?O ausente não é incapaz. Se ele estiver vivo no lugar onde se encontra, é plenamente capaz?, ensina.
O instituto da ausência, que no Código Civil anterior, de 1916, constava da parte relativa ao Direito de Família, segundo Moreira Alves, se deslocou para a Parte Geral no novo Código. Isso porque a ausência passou a se relacionar aos direitos de caráter patrimonial.
O ministro ressalta que uma das conseqüências jurídicas mais controvertidas da ausência é a dissolução do vínculo conjugal, que pode ser considerada um efeito de ordem pessoal da abertura da sucessão definitiva do ausente. A lei pode autorizar a abertura da sucessão definitiva no momento em que ocorre a presunção da morte do ausente – dez anos após o trânsito em julgado da sentença que decretou a sucessão provisória ou quando o ausente completar 80 anos.
De acordo com ele, três anos após a sentença o cônjuge do ausente pode casar-se novamente. No entanto, existe uma controvérsia em torno das conseqüências do casamento no caso de retorno do cônjuge presumidamente morto. Uma corrente entende que o primeiro casamento, nessa hipótese, deve ser restabelecido e o segundo anulado. Outra corrente tem entendimento contrário: o primeiro casamento deve ser dissolvido mesmo com o retorno do ausente.
A morte presumida sem decretação de ausência pode ocorrer se for considerada extremamente provável, como em casos de acidentes aéreos nos quais não se encontra o cadáver, ou na hipótese de desaparecimento da pessoa em situação de guerra, após dois anos de seu término.
?O Código Civil ficou incompleto por não estabelecer os efeitos econômicos ou pessoais da morte presumida sem a decretação da ausência?, critica Moreira Alves. Na sua opinião, deve-se aplicar analogicamente os efeitos patrimoniais da morte presumida com a decretação de ausência.
A IV Jornada de Direito Civil foi promovida pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal e realizada no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília-DF.