Muitos dos professores de História do ensino fundamental e médio têm dificuldade de trabalhar os conteúdos a partir da realidade do educando, o que é lamentável. Agindo assim contribuem para a permanência do status quo ou da realidade de submissão, de exploração e de discriminação em que vivem diversos sujeitos sociais da História.
Sabiamente, a colega Phd Maria Auxiliadora Schmidt explicita, no livro Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho (2000, p. 210), que “ensinar História pressupõe um trabalho constante e sistemático com a história do aluno, no sentido de resgatar a sua experiência individual e coletiva”. Subentende-se que o diálogo (presente e passado) ocorra entre professores e alunos, e neste se possa identificar as possibilidades de intervenção e participação na realidade em que vivem.
A teoria vai para a prática – Entre os dias 24 de novembro e 10 de dezembro de 2003, alunos do segundo ano do ensino médio na disciplina de História do CEEBJA-Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos Ayrton Senna, na cidade de Almirante Tamandaré-PR, apontaram caminhos alternativos para a resolução de problemas cotidianos em cinco momentos resultantes da reflexão e debate em sala de aula.
No primeiro momento apontaram a saúde que não vem recebendo o devido cuidado. Silvana de Freitas narra não ter um hospital para a população e nem um posto de saúde 24 horas. Se uma criança adoece de noite tem que sair de Almirante Tamandaré e pedir apoio no 24 horas (Boa Vista) em Curitiba-Pr. Para Ana C. de Cristo, o atendimento no posto de saúde é horrível, pois para conseguir uma consulta tem que estar na fila às 2h da madrugada. Vanilde N. da Cruz explica que seu pai estava sofrendo de úlcera nervosa, e o médico tratava de outra doença. “Meu pai foi internado no Hospital de Clínicas na emergência; se demorasse uma hora a mais teria falecido”. Já Eloita C. Rosa intima: “Cadê o nosso hospital? Vai sair quando da capa do carnê do IPTU para a realidade?” No dizer de Andréia A. de Souza “os governos cumprem suas promessas apenas quando são obrigados a isso ou quando obtêm alguma vantagem”.
No segundo momento discutiram a falta de segurança. Magno A. de Souza relata que, na região após o Parque Paraíso, vem ocorrendo grande percentual de perseguições e estupros. “Minha esposa Fernanda já foi perseguida mais de três vezes, sendo uma delas quase concretizada. Já foi feito abaixo-assinado pedindo para que circulem mais policiais, principalmente à noite, já que a iluminação no local é deficitária”. Ana C. de Cristo comenta: “se precisar da polícia para qualquer ocasião e ligar para o módulo, ninguém atende. Dizem que estão atendendo uma ocorrência. Depois de algumas horas é que chegam ao local. Porém, é só sair na rua que se vê as viaturas com os policiais passeando”. A preocupação de Patrícia L. dos Santos é com as drogas. “Em locais públicos nos finais de semana, alguns jovens costumam se encontrar. Estes não têm o que fazer e usam drogas, chutam e batem nos adolescentes que querem se divertir. Ninguém é detido”.
No terceiro momento citaram o transporte e suas contradições. Beatriz R. F. da Silva diz que na linha de ônibus Tamandaré-Lamenha e Jardim Paraíso não existem ônibus adequados para portadores de deficiência. Quando precisa fazer fisioterapia é necessário pagar um carro ou ter um carro para fazer o tratamento. Existem somente duas linhas de ônibus adaptadas aos deficientes. Izabel C. Miranda fala que o ônibus Terminal Cachoeira é considerado uma vergonha, pois para alcançar o ônibus é difícil por ser alto, ou seja, uma gestante de seis meses não irá subir.
No quarto momento indicaram as ruas asfaltadas inacabadas e inseguras. Jhonatan H. S. Fontoura menciona o asfalto no bairro São Francisco no qual faltam lombadas e calçamento. Silvana de Freitas se diz preocupada com os alunos que moram no Monte Santo 1 e 2 e estudam no Colégio Rosilda Kovalski. Eles não têm segurança. Lá não têm lombadas e calçamentos. As crianças correm risco de ser atropeladas como já aconteceu várias vezes.
No quinto momento propuseram que o dinheiro arrecadado seja utilizado nos serviços públicos, como escolas, hospitais, iluminação, coleta de lixo, segurança. Nos bairros só existem as farmácias, os armazéns, as padarias. Segundo Rosângela A. Ribeiro, deveriam ser construídos shopping centers, hipermercados, bancos e outros estabelecimentos que são encontrados no centro da cidade. Os bairros afastados deveriam ter mais assistência, pois geralmente vivem em condições precárias, em moradias simples, muitas sem iluminação e sem fossa para depósito de esgoto.
Para Marlei de F. Paula, a baixa instrução dos habitantes requer a importação de profissionais de Curitiba e a exportação de trabalhadores (que tenham o ensino fundamental ou médio), ficando o município de Almirante Tamandaré com o rótulo de cidade dormitório. As medidas seriam: conscientização e educação da população. “No entanto, esclarecer a população sobre como viver bem e melhor é perigoso aos políticos de má vontade que seriam cobrados posteriormente”, disse Marlei.
A abertura de um dos caminhos da democracia se dá no interior da sala de aula por intermédio da educação partilhada. Porém, não pode ser limitada a este momento. Estudantes e professores de História devem discutir suas experiências e juntos procurar alternativas que auxiliem na melhoria da vida social. O processo é contínuo.
Jorge Antonio de Queiroz e Silva
é historiador, professor emembro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail: queirozhistoria@terra.com.br