Diagnosticando aparências

Deveria ser enaltecida qualquer iniciativa séria do Executivo em apresentar dados sobre o Poder Judiciário. Porém, a peça exibida com tal objetivo revela-se extremamente frágil, impedindo qualquer análise científica que se pretenda levar a efeito. Além de inconsistente em aspectos primordiais, o projeto de diagnóstico deixa de apontar a metodologia utilizada na coleta de várias informações oferecidas, limitando-se a reproduzir números cuja origem é negada ou desconhecida ou, ainda, muito suspeita.

No que se refere à Justiça do Trabalho, o documento do Ministério da Justiça não traduz com fidelidade a movimentação processual, considerando que apenas cuida dos feitos ajuizados na fase de conhecimento, desprezando o estoque de processos pendentes, ano a ano, na fase, muito mais trabalhosa, de execução, bem como o significativo número de decisões interlocutórias proferidas pelos juízes do trabalho.

Somente na fase de execução, na Justiça do Trabalho, o ano de 2003 iniciou-se com um saldo de 1.794.678 processos pendentes, com o acréscimo de mais 667.882 novos processos, totalizando, assim, 2.462.560 feitos, dos quais houve encerramento de 545.953 execuções (fonte: Relatório Geral da Justiça do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho, ano de 2003).

Nenhum desses elementos foi considerado no trabalho do Ministério da Justiça, lacuna que compromete toda e qualquer gestão tendente a dar celeridade e racionalidade ao sistema processual brasileiro.

A estatística exibida não condiz com a realidade do volume de processos submetidos aos juízes, os quais não se encerram após a decisão proferida na fase de conhecimento.

A excessiva preocupação do Ministério da Justiça com “as despesas do Judiciário” parece ter sido o mote central de toda a pesquisa, ao estabelecer comparações com outros países e trazer demonstrativo da evolução dos gastos efetuados sob tal rubrica pelos entes federados brasileiros. Mas não teve o menor cuidado no exame dos dados, desconsiderando o quadro de enorme ampliação do acesso do cidadão à Justiça com a Constituição de 1988 e a natureza social dessa medida, como também os valores arrecadados pelos diversos segmentos do Judiciário em favor dos cofres públicos.

Os valores transferidos aos trabalhadores brasileiros no ano de 2003 (mais de cinco bilhões de reais), por força da atuação da Justiça do Trabalho, também não mereceram nenhuma abordagem, comprovando o viés neoliberal que se lança como alternativa única de reforma do Estado brasileiro pelo governo Lula. Não mereceu consideração esse resgate de elementares direitos lesados, que encontra no Judiciário Trabalhista o último bastião, ao omitir-se o Executivo em suas próprias atribuições, deteriorando suas estruturas de fiscalização, rendendo-se ao ideário neoliberal do Estado mínimo.

O “Diagnóstico” confunde conceitos elementares, como produção e produtividade, e omite a inexistência no mundo do Judiciário submetido a demandas equiparáveis ao brasileiro, geradas em maior escala precisamente pelo poder público, por conta de iniciativas repudiadas pela ordem jurídica.

Valendo-se de supostos dados do Banco Mundial, o referido “Diagnóstico do Poder Judiciário” conclui que os salários dos juízes da esfera federal situam-se no topo do ranking, considerando a paridade do poder de compra (PPPD). Causa estranheza que afirmação peremptória dessa natureza seja lançada em documento público do Poder Executivo, com base em dados de organismo internacional manifestamente interessado numa reforma do Poder Judiciário que diminua a sua importância política e social. A Anamatra aproveita a oportunidade e lança publicamente o desafio ao Ministério da Justiça para que exiba a base de dados e se coloque à disposição para um debate público e transparente.

Por fim, face à indiferença que o Executivo demonstrou em relação ao outro poder na elaboração do referido “documento”, do qual apenas se tomou conhecimento no momento da sua divulgação, urge que o Supremo Tribunal Federal, no exercício da chefia do Poder Judiciário brasileiro, elabore um verdadeiro diagnóstico – com base em dados públicos e transparentes – para que a população conheça, efetivamente, a realidade do Judiciário brasileiro.

A Anamatra possui compromisso com as mudanças necessárias para o melhor desempenho do Poder Judiciário nacional, não hesitando, porém, na crítica contundente aos setores interessados na promoção de reformas neoliberais, contrárias aos interesses da imensa maioria do povo brasileiro. Pautará a sua conduta, sempre, com transparência absoluta, rechaçando toda e qualquer ação que possa comprometer o direito à informação, seja qual for o órgão ou o poder investigado.

Grijalbo Fernandes Coutinho é juiz do trabalho, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra.

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