Terça-feira próxima. É o dia marcado pelo presidente da República para o início de nova era, conforme anuncia a imprensa brasiliense: se nenhuma tempestade de última hora acontecer (desafiando eleitores, os institutos de pesquisa asseguram que somente um milagre alteraria o resultado), a primeira equipe de um governo petista começa a comandar o País, dando largada a um sonho incubado há mais de vinte anos. Será na forma de governo de transição, sem poder de decisão. Mas, de qualquer forma, governo. De estilingue, as hostes do partido passam, definitivamente, a vidraça. Será ? como qualquer governo até aqui – responsável pelo que de bom e de mau acontecer aos cidadãos.
Já de cara, o novo governo será chamado a colaborar na solução dessa questão do dólar, que ameaça a estabilidade de nossos preços ? do pão-d?água do café da manhã à energia elétrica da ducha ao deitar. É a arrumação mais urgente a fazer no Brasil do real combalido. A moeda americana está supervalorizada, todos dizem, devido às incertezas econômicas que advêm da dúvida até aqui reinante na área política. Resolvida essa última, resolvem-se as primeiras ? assim se espera e se reza. O que Lula da Silva não queria dizer ou fazer durante a campanha eleitoral da paz e amor, com medo de perder votos, poderá então a partir de segunda-feira. Se errar, não perde ele; perderemos nós.
Teremos, até o fim do ano, numa iniciativa inédita (segundo dizem, a fórmula atesta nossa maioridade democrática), dois governos: o que sai e o que entra. Quem decide de direito é o primeiro; de fato, manda o último. Inclusive nos acordos inevitáveis com o Congresso Nacional, cuja pauta está obstruída por uma enxurrada de medidas provisórias. Assim, negociação é a palavra mágica, agora remunerada com o dinheiro do contribuinte. Tudo em nome dos interesses maiores do Brasil. Negociação com os partidos, com os credores (daqui e de fora), com investidores, com as correntes ideológicas (também as fisiológicas) dentro e fora do próprio partido, com a sociedade. A mais delicada de todas é com a sociedade. Entre a promessa e o paraíso há um longo caminho a percorrer.
O medo que antes era de alguns eleitores que, mesmo patrulhados, ousaram declará-lo, agora ? admitam ou não ? passa a ser compartilhado também pelos vencedores. Medo de errar, medo de ter que tomar medidas impopulares, temor de desagradar correligionários e colaboradores. Medo do confronto inevitável entre correntes de dentro e de fora do partido. O que era fácil de fazer no discurso (saúde, escola, habitação, segurança, emprego, transporte, estrada, reforma agrária, bem-estar, etc.), não basta agora na hora da ação. Haverá sempre alguém para criticar, quando não para atrapalhar, desestabilizar. Se alguém fala em renegociar a dívida (como está a admitir o economista do partido, Guido Mantega) outro já entende calote. E as bolsas despencam, o dinheiro foge.
O caro leitor poderá estranhar esta ligeira antecipação imaginária dos fatos. Não faz parte do jornalismo normalmente praticado. Mas para melhor decidir no domingo, dia do voto, é importante imaginar o que virá depois. Sem medos ou perturbações. Com Lula ou com Serra.