Comemorou se ontem, o Dia Internacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais. E, eu inicio este texto fazendo uma critica a nossa própria classe pois para mim (embora seja difícil admitir), nós próprios por acomodação, não reivindicamos o nosso direito; mas, a maioria não sabe ao menos quais são esses direitos, porque também preferem ficar numa posição de pobres coitados, esperando que a sociedade muito caridosamente lhes conceda algum beneficio, como se não fossem capazes de conquista-lo, como se não acreditassem em si mesmos.

 

    Apesar disso ou justamente por isso, nós deficientes somos como espelhos da sociedade e refletimos, como outras minorias excluídas (favelados, negros, sem ?terras,soropositivos do HIV, para citar apenas estas), parte das contradições, desigualdades, preconceitos e injustiças no Brasil. Somos espelhos nos quais poucos desejam mirar-se, quanto mais identificar-se. Ao contrário, cumpre passar bem longe, e se isso não for possível, se a nossa presença for inevitável, sente-se compaixão e/ ou preconceito. Para evitar esse mal- estar, as cidades tratam de encerrá-los em suas casas, pois as barreiras arquitetônicas, os transportes, o acesso ao ensino, ao mercado de trabalho e ao lazer são tão grandes que o convívio com outras pessoas torna-se quase impossível.

 

    Desse modo e com esse raciocínio a sociedade age como se esses problemas não existissem, como se bastasse afastar os deficientes das ruas, das escolas, das praças, dos cinemas, teatros, museus, para que todos os problemas estivessem resolvidos, assim, num passe de mágica. A Verdade, no entanto, é que os problemas permanecem.

 

    A primeira vez que eu soube da existência do Dia Nacional do Deficiente, Dia Nacional de Luta e etc, foi nos anos 80, se não me engano em 82. Mas há 16 anos, quando não havia uma nomenclatura ?politicamente correta?, os deficientes eram deficientes, quando não aleijados, cegos, surdos. Ou seja, não havia designação de deficientes auditivos para designar os surdos (os cegos eram cegos e os surdos, surdos), enquanto os deficientes mentais era nomeados, simplesmente, loucos. E se não havia essa nomenclatura, tão pouco havia a idéia de portadores de deficiência ou de pessoas portadoras de necessidades especiais, embora alguns grupos quisessem adotar essa nomenclatura. Porém por ser muita extensa, esses grupos adotaram, cada um a sua maneira, uma nomenclatura própria que melhor identificassem a área de atuação em que estavam inseridos.

 

    Entretanto, o fato é que nem na década dos deficientes, os deficientes conseguiram conquistar o espaço que pretendiam, pois não basta uma boa intenção, como a da ONU, se não houver predisposição dos deficientes em mudar as atitudes que têm diante da vida. Por outro lado, a sociedade também deveria se adaptar ás necessidades dos deficientes. É o que enfatiza Celina Camargo Bartalotti, terapeuta ocupacional em sua palestra ?Terapia Ocupacional e Deficiência Mental ? um olhar para o futuro?, no Memorial da América Latina. Para ela seria preciso trocar a expressão ?Integração Social?pela palavra ?Inclusão? pois ?baseado nos princípios de reabilitação, no deficiente se deveriam realizar as modificações, já que ele é quem porta as alterações que, em principio, impediriam a sua Integração Social.? O que caracterizaria o processo de Integração em ?uma via de mão única?, ou seja, cabe á pessoa portadora de deficiência modificar-se para integrar ?se. E ?Celina Bartalotti? continua: nossa prática diária nos mostra, no entanto, o quanto essa Integração Social é limitada. Poucos são os efetivamente integrados, uma vez que, apesar das diversas intervenções a que são submetidos ao longo da vida, dificilmente uma superação da diferença num nível tal que lhes permita ?competir?em igualdade. A maioria passa suas vidas á margem da sociedade, sob o amparo de instituições especializadas e/ ou de suas famílias. ?Para em seguida, questionar: ?Como se daria a superação desta situação? E concluir: ?a resposta parece estar no conceito de Inclusão. Seu pressuposto é a sociedade para todos, admitindo e respeitando a diferença. Não existiria mais a ?via de mão única?. Ambos o portador de deficiência e a sociedade, devem se modificar para que a inclusão se efetive?.

 

    Em sua palestra Celina Bartalotti cita um trecho do livro ?Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva,?de Claudia Werneck, do qual vou citar o trecho final: ?Na sociedade inclusiva ninguém é bonzinho. Ao contrário somos apenas ? e isso é o suficiente ? cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do nosso semelhante por mais diferente que ele seja ou nos pareça ser.

 

    Inclusão é, primordialmente uma questão de ética?. Ética e cidadania, portanto, parece ser vocábulos inseparáveis uma vez que um é causa e conseqüência do outro.

 

    Herbert José de Sousa (o Betinho), no livro ?Ética,?respondendo a pergunta de quatro adolescentes fala: O cidadão é individuo que têm consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Tudo o que acontece no mundo, seja no meu país, na minha cidade ou no meu bairro acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência de cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação.?


    Pois bem, qualquer estudante, do primeiro grau á pós- graduação, sabe da importância da pesquisa para se fazer um bom trabalho; sem pesquisa, sem conhecer os elementos de seu trabalho, o estudante não terá sucesso, assim como qualquer dona de casa não poderá fazer, por exemplo, uma omelete se não tiver ovos. E do mesmo modo, ela não poderá fazer um refogado de legumes se não tiver legumes. Agora o que adianta ela ter ovos ou legumes se não tiver gás. Nesse caso, ela terá que arrumar uma solução alternativa, um lanche talvez. Mas nos dois casos, tanto o estudante quanto a dona de casa visam um determinado objetivo, e o sucesso de ambos dependerá do empenho do empenho de cada um nas respectivas tarefas.

 

    Pois bem, o que eu estou tentando dizer é que está mais que na hora ( na verdade já está passando da hora) das pessoas e entre elas os deficientes descobrirem o poder que têm nas mãos. Esse poder não é o poder do dinheiro ou da força. Esse poder é a informação. Quando nós aprendermos que saber, isto é, que a informação é poder, nós vamos descobrir que a inteligência é mais importante que a força e que uma pessoa bem informada é capaz não só de argumentar e reclamar mas também de propor alternativas.É claro que isso requer um aprendizado, que por sua vez requer uma prática, até adquirimos o hábito de participar do que acontece a nossa volta.

 

    Disse anteriormente que os deficientes são espelhos da sociedade. Gostaria de ampliar a reflexão, fornecendo números a fim de evidenciar a problemática dos deficientes, embora, na prática, as coisas variem um pouco de lugar para lugar, com exceção de praxe: Curitiba.

 

    Segundo a ONU, 10% da população possui algum tipo de deficiência.

 

    O Brasil possui uma população aproximada de 170 milhões de pessoas. Fazendo as contas o número de deficientes no Brasil seria de aproximadamente 17.000.000 (dezessete milhões) de pessoas, o que equivale, salvo engano, á população de São Paulo. Cabe observar aqui que as escolas, tanto estaduais como municipais terão que se adequar ás necessidades dos portadores de deficiências para atender á LDB (Lei de Diretrizes de Base), cuja tônica é a integração dos deficientes nas escolas, de preferência em classes comuns e não em classes especiais. Mas seja qual for o resultado da implementação da LDB, é muito cedo para emitir qualquer juízo se consideramos que nenhum país do mundo respeita as leis dos deficientes. Quer dizer, nenhuma lei será capaz de mudar as relações entre as pessoas se ela não vier acompanhada de mudanças muito mais profundas, de tolerância e de respeito ás diferenças.

 

    De resto pretendia fornecer alguns elementos nos quais os deficientes pudessem se apoiar. Não sei se alcancei o resultado desejado, espero que sim. E ressalto aqui: é tolice pensar, hoje em dia, que as informações devam ser monopólio exclusivo, exclusivo de um pequeno grupo de pessoas, pois de uma forma ou de outra sempre haverá alguém, desinteressado, difundindo as informações sonegadas por esse mesmo seleto grupo de pessoas.    

 

    Quando os deficientes, se os deficientes quiserem realmente participar da sociedade, eles terão que mostrar a cara para dizerem a que vieram. E é obvio que a margem de sucesso será maior se eles forem solidários uns com os outros.

 

    Talvez assim, a sociedade encare o deficiente sem medo de se sentir agredida pela imperfeição que ele revela e que, certamente, não é a imagem que ela gostaria de se ver refletida no espelho. Afinal, gostamos de achar que somos bonitos e que sempre estamos sempre certos, não considerando as opiniões que divergem das nossas.

 

    Por isso talvez a questão da nomenclatura para mim seja uma questão menor, pois o problema não são as palavras, mas as pessoas. As pessoas, elas mesmas, é que tem que alterar a maneira de enxergar o outro, sendo ele deficiente ou não. Enfim, eu sou muito maior que qualquer rótulo, portanto não importa em qual categoria me incluam; isso nada modificará minha maneira de ser. Não fará de mim uma pessoa melhor nem pior, nem mais feliz nem mais infeliz. Todavia, gostaria de percorrer meu caminho com alegria.

 

Vera Cristina Moreira Salles (34), é jornalista/ escritora contista e portadora da Síndrome da Disfunção Neurológica.

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