Na próxima quarta-feira, o mundo marca os 20 anos do maior desastre nuclear da história. No dia 26 de abril de 1986, o reator número 4 da Usina de Chernobyl, a menos de 100 quilômetros da capital Kiev, explodiu no norte da Ucrânia, na época uma das repúblicas da União Soviética. As autoridades levaram dias para reconhecer o acidente e, segundo declarações do próprio ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev a jornais nos últimos anos, Chernobyl acelerou a queda da União Soviética, em 1991.
O acidente, porém, até hoje gera conseqüências para as populações da Ucrânia, Bielorussia e Rússia, regiões mais afetadas pela poeira radioativa que se espalhou por centenas de quilômetros durante dias. Duas décadas depois da explosão, muitos moradores da zona rural da Ucrânia sequer foram examinados por médicos, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU), organizações não-governamentais e governos travam uma guerra na mídia para determinar o número de pessoas afetadas pelo acidente. "O que interesse agora é que as vítimas esquecidas do desastre nuclear sejam atendidas", afirma Jon Lowry, representante da Federação Internacional da Cruz Vermelha
Angela Korbut tinha 18 anos de idade quando o acidente ocorreu e faz parte desse grupo de pessoas abandonadas pelas autoridades. Foi apenas na última sexta-feira, quando os Ortodoxos iniciam a celebração de sua Páscoa, que a moradora do vilarejo de Volodarsk-Volinsky conseguiu pela primeira vez ser examinada por uma equipe da Cruz Vermelha, aos 38 anos de idade. O resultado não foi nada positivo e mostrou graves deformações em sua tireóide, um sinal de um possível câncer. Segundo os especialistas, o número de pessoas com câncer de tireóide na região ainda não se estabilizou e deverá continuar crescendo nos próximos cinco anos.
Assustada, a moradora do vilarejo de sete mil habitantes e que fica à 120 quilômetros ao oeste de Chernobyl, conta que, na época da explosão, a única coisa que deixou de fazer foi comer cogumelos nos bosques próximos à sua casa. "Não tínhamos quase nenhuma informação sobre o assunto", afirma à Agência Estado ainda dentro da sala de atendimento e sem saber o que faria com a notícia da possível doença. Volodarsk-Volinsky, com poucas ruas e suas casas modestas, não fica na área conhecida como "zona morta" – um raio de 30 quilômetros criado a partir da usina. Mas mesmo assim, até hoje é considerada como área contaminada.
O governo local estipulou que os habitantes poderiam permanecer no local, mas muitos vilarejos dessa área nunca foram visitados por médicos especializados. Pelas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), sete milhões de pessoas ainda vivem em áreas consideradas como infectadas. Para a Cruz Vermelha, não adianta mais propor que saiam de suas casas. Volodymyr Sert, médico da Cruz Vermelha que examinava Angela, conta que casos de pessoas que foram esquecidas pelos médicos do governo nos últimos 20 anos são freqüentes. "Em muitos lugares que vamos ainda encontramos pessoas que nunca foram examinadas por médicos", afirma o médico. Nos últimos dias, Sert e sua equipe se instalaram no vilarejo e já detectaram que de cerca de 200 pacientes examinados, 71% deles tem algum distúrbio em sua tireóide. 21% deles poderiam ser considerados já como casos de câncer.
Segundo um relatório feito pela ONU, algumas das conseqüências do pior vazamento de material radioativo na história estão longe de um fim. Mas a organização estipula que as vítimas do acidente não foram tantas como se temia. Cerca de cinco mil pessoas já morreram ou vão morrer, segundo a ONU. A entidade Greenpeace contesta a afirmação da ONU e aponta que o número de vítimas poderá ser de cerca de 100 mil nos próximos anos. Apenas na Ucrânia, entidades de pesquisa estimam que os mortos ultrapassarão a marca dos 30 mil. Para a Cruz Vermelha, o debate para saber quantos ainda morrerão é "inútil". "Há pessoas vivendo em áreas infectadas e temos de nos concentrar em salvá-las e não em torná-las vítimas", afirma Lowry.
Efeitos psicológicos – Tanto a Cruz Vermelha como a ONU concordam pelo menos em um aspecto: os efeitos psicológicos do acidente na população local foram subestimados e precisam ser atendidos de forma urgente. Muitos vivem em um constante estado de incerteza. O veneno invisível que representa a radiação acaba gerando reações como alto grau de ansiedade e stress. "Há um sentimento de que estamos condenados a uma morte prematura", afirma um especialista do Laboratório Internacional de Chernobyl entidade criada para estudar os efeitos do acidente.
Por mais surreal que pareça para um paciente em outras condições a notícia sobre o possível câncer não é considerada sempre como negativa para certos moradores da região. "Agora pelo menos tenho informações do que ocorre e poderei tomar decisões", diz Angela Korbut.
A confusão nas mentes dos moradores foi ainda maior diante de políticas estabelecidas na época que colocavam os habitantes da região infectada como inválidos. "Primeiro, disseram a esses moradores que deveriam permanecer em suas casas e evitar as ruas Depois, as autoridades pediram que todos saíssem o mais rápido possível de suas casas, mas que voltariam em poucos dias. Finalmente, cerca de 340 mil nunca puderam retornar a seus lares", completa um funcionário da Cruz Vermelha.