Desprezo à vida

Uma verdade acachapante e emblemática da realidade nacional: entre 1979 e 2003, 550 mil brasileiros foram mortos por disparos de armas de fogo. Um rastro de sangue que serviu de baliza para o recrudescimento do crime organizado encarnado nas ações violentas do Primeiro Comando da Capital (PCC), especialmente na cidade de São Paulo.

Os níveis de violência e criminalidade registrados na maioria das cidades grandes e médias, além do interesse de sociólogos, psicólogos e cientistas sociais, têm despertado também os economistas, que passaram a trabalhar no sentido de levantar os custos desse estigma na vida econômica do País. De 1990 a 2000 o custo da violência evoluiu de 2% para cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo um estudo feito pelo pesquisador aposentado da Fundação Getúlio Vargas Ib Teixeira, no livro A violência sem retoques.

As contas feitas pelo pesquisador chegaram a um indicador monetário que a todos assusta: R$ 112 bilhões, valor que superou em muito os dispêndios da União com saúde e saneamento, educação, habitação, agricultura, rodovias e ferrovias. Ou seja, a violência passou a ser item mensurado pela extensão do seu peso econômico, tendo em vista que nesse universo, de acordo com Teixeira, necessariamente estão incluídos gastos públicos e privados com apólices de seguros, vigilância eletrônica e sistemas de segurança, ademais de despesas hospitalares e previdenciárias para atender vítimas da violência urbana.

Não é sem motivo que a segurança pública é citada como preocupação prioritária da população cada vez mais afligida pela precariedade dos aparatos policiais, dos sistemas prisionais e das varas de execuções penais, costumeiramente entravadas por excesso de processos. A ação não reprimida da criminalidade acaba dando espaço a uma conseqüência devastadora para a sociedade, o trauma psicológico que atinge milhares de pessoas, elas mesmas, familiares ou amigos, vítimas da violência.

Esse pavor contamina, forçosamente, as pessoas ainda não marcadas pela infelicidade de ingressar no rol dos atingidos, com a desagradável sensação que o perigo está muito próximo. O medo vem de situações corriqueiras como transitar a pé ou de ônibus nas idas e vindas do local de trabalho, entre a casa e a escola e até num simples passeio.

A escalada da guerra urbana poderá se transformar num signo das primeiras décadas do século, se providências sérias de médio e longo prazo não forem tomadas agora. O contrário é absoluto desprezo à vida.

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