Desmistificando as taxas de juros nas operações de crédito bancário

Com este brevíssimo estudo, almeja-se, despretensiosamente, tentar trazer à discussão determinados aspectos lógicos, jurídicos e econômicos pertinentes às taxas de juros remuneratórios praticados pelas instituições financeiras. Portanto, é oportuno ressaltar, desde já, que, embora também sejam assuntos amplamente discutidos quando se está a analisar contratos bancários, não serão objeto de análise, por exemplo, o regime de capitalização dos juros remuneratórios e a comissão de permanência, dentre outros encargos contratuais.

Pois bem. A sociedade brasileira está acompanhando na mídia, cotidianamente, discussões e embates econômicos e jurídicos sobre a taxa de juros praticada pelas instituições financeiras. São diversas as opiniões a respeito do tema. Há aqueles que acusam os bancos de se locupletarem com o dinheiro dos consumidores, pobres mortais que são compelidos a pagar taxas que, no cheque especial, normalmente ultrapassam o percentual de 100% ao ano. Outros atribuem toda a culpa do alto custo do crédito no Brasil à política econômica praticada pelos governos anteriores, que, aliás, é cega e obedientemente seguida pelo atual governo. Por fim, há aquele que imputa toda essa responsabilidade aos próprios consumidores, ou melhor, ao ?traseiro? pesado desses indivíduos que não se revoltam contra as altas taxas e tarifas praticadas no mercado de crédito; revolta essa que deveria ser manifestada pela migração dos correntistas de banco a banco, sempre em busca de taxas menores.

Como é de conhecimento comum, os contratos bancários e, em seu bojo, as taxas de juros, tal como ocorre no seio social, também vêm sendo objeto de inúmeros embates doutrinários e, especialmente, jurisprudenciais. Infelizmente, o que se nota é que em um número considerável de casos o debate acerca dessas taxas têm sido demasiadamente superficial, limitando-se a um confronto de estereótipos e clichês, relegando importantes aspectos de cunho lógico e/ou econômico que deveriam ser determinantes na solução de cada caso concreto.

De fato, povoa o imaginário popular a crença de que as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras são sempre abusivas, desproporcionais, excessivamente onerosas. Também é comumente bradado pelos mutuários que a cobrança de juros nos patamares vigentes resultaria em lucros altíssimos, excessivos, desonestos e ilegais.

Todavia, geralmente esses entendimentos e juízos de valor são destituídos de comprovação, além de não possuírem embasamento racional, científico ou econômico; enfim, representam apenas e tão-somente a repetição de chavões que, infelizmente, têm se propagado nas ações movidas ou sofridas por instituições financeiras.

Por outro lado, nota-se um aprofundamento cada vez maior das discussões relativas aos contratos bancários no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja Segunda Seção, competente para a análise e julgamento dos casos que versam sobre a matéria em questão, recentemente tem pacificado diversos entendimentos, alguns cristalizados na forma de súmulas, outros ainda não. De qualquer forma, o esforço que está sendo envidado pelos Ministros componentes da citada Seção merece aplausos da comunidade jurídica, pois, embora se possa discordar de alguns dos posicionamentos que foram por eles adotados, é indiscutível o benefício que está sendo proporcionado à segurança jurídica. Com efeito, muito mais prejudicial seria possibilitar que perdurassem eternas divergências entre o posicionamento das Turmas que compõem a aludida Seção (4.ª e 5.ª Turmas).

Assim, no intento de trazer luzes à discussão acerca da limitação das taxas de juros praticadas nos mútuos bancários, são oportunas algumas considerações:

Em primeiro lugar, é de se registrar a falta de lógica presente na limitação da taxa de juros em 12% ao ano ante a extrema diversidade de meios de fornecimento de crédito, pois é de conhecimento geral que o crédito oferecido pelas instituições financeiras em geral pode ser obtido por meio de uma gama enorme de operações, e que cada uma delas traz consigo uma série de características próprias.

Como exemplo, o crédito pode ser fornecido por meio de um contrato de mútuo feneratício cujo capital emprestado tenha utilização vinculada (à compra de equipamentos pela pessoa jurídica, à compra de um veículo novo, ou de um usado, pela pessoa física, etc…), mas também pode ser obtido mercê de mútuo cujo capital tenha utilização livre (v.g. o crédito rotativo do cheque especial, ou o crédito pessoal). Algumas operações exigem que o mutuário ofereça garantia real, outras não. Alguns empréstimos são contratados para longo prazo, outros por prazo curtíssimo, como o hot money, que nada mais é do que o empréstimo de capital pelo prazo de pouquíssimos dias.

Denota-se, pois, que são inúmeras as variáveis a diferençar as diversas formas de obtenção de crédito oferecidas no Sistema Financeiro Nacional, de modo que atualmente não basta afirmar ?farei um empréstimo?, mas ?farei um empréstimo deste ou daquele modo?.

Essas assertivas servem para demonstrar que propugnar pela limitação das taxas de juros em 12% ao ano não passa de um posicionamento simplista, que não leva em conta os diversos fatores determinantes das operações bancárias. É preciso refletir, por exemplo, que uma operação de crédito, cujo capital esteja vinculado à compra de determinado equipamento por uma pessoa jurídica, equipamento este que servirá como ?garantia? do pagamento da dívida (v.g. bem alienado fiduciariamente) possui um risco muito menor do que um empréstimo pessoal (a pessoa física), em que o capital pode ser empregado livremente e no qual não haja nenhuma garantia de pagamento da dívida.

Dessa forma, não é dado ao Poder Judiciário simplesmente nivelar todas as espécies de operações de crédito bancário e, de maneira generalizante, impor uma limitação de juros remuneratórios de 12% ao ano, percentual este que remonta à conjuntura econômica verificada no Brasil do início do século passado (1933, ano da edição da Lei da Usura). É preciso aprofundar a análise.

Em segundo lugar, oportuno é apontar outro ilogismo, consistente na taxação dos juros em 12% ao ano ante a instabilidade da conjuntura econômica pós-moderna.

Com efeito, não há sustentação lógica nem econômica para se arbitrar a taxa de juros dos empréstimos bancários em 12% ao ano. Por que não 11%? ou 13%?

Atualmente, não é mais possível, nem razoável, estabelecer ?cabalisticamente? um percentual de juros máximos para os empréstimos bancários, até porque não se vive mais numa sociedade na qual as mudanças macro ou microeconômicas demoram a ocorrer. Nesta pós-modernidade, com o avanço dos meios de comunicação, o capital se tornou inacreditavelmente volátil, podendo ser movimentado de um canto a outro do globo em poucos segundos.

Especificamente na conjuntura econômica nacional, é contraditório e desigual, impor às instituições financeiras a cobrança de juros numa taxa fixa, ao passo que o próprio Governo mensalmente estabelece o percentual de juros que pagará pelos seus títulos (taxa Selic), percentagem esta que diretamente influencia no custo que as instituições financeiras possuem na captação do dinheiro a ser emprestado.

Logo, se o custo de captação do dinheiro, há um ano, era ?X?, a taxa de juros a ser cobrada era de 12% ao ano; se o custo do dinheiro, hoje, é ?Y?, a taxa de juros continua igual; se, amanhã, o custo do dinheiro aumentar em 30%, a taxa de juros, segundo aqueles que preconizam a limitação pura e simples da taxa de juros, deverá continuar nos mesmos e imutáveis 12%.

Salvo melhor juízo, não há lógica alguma nessa limitação.

Em terceiro lugar, cumpre abordar o simplismo da limitação de juros em 12% ao ano, quando a taxa Selic, que é variável, atualmente se encontra no patamar de 19.75%.

A taxa Selic, fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil, corresponde ao valor dos juros pagos nos financiamentos apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais, consoante se infere no art, 2.º, § 1.º, das Circulares Bacen 2.868/1999 e 2.900/1999. No SELIC são registrados título públicos do Tesouro Nacional e do Banco Central, tais como as Letras do Tesouro Nacional (LTN), Letras Financeiras do Tesouro (LFT), Notas do Tesouro Nacional (NTN), Notas do Banco Central do Brasil (NBC), etc.

Desse modo, perspicaz foi a ilustração feita pelo Min. Ari Pargendler no julgamento do REsp n.º 271.214, na 2.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ocasião na qual, com base em muitas das considerações que são objeto do presente estudo, foi pacificado o entendimento de que os juros remuneratórios contratados somente podem ser modificados, com base em alegações de abusividade, lucratividade excessiva, entre outras da mesma espécie, na hipótese em que tais abusos sejam cabalmente demonstrados (e não somente argüidos) pelo devedor.

A ilustração foi, mutatis mutandi, a seguinte: se o dinheiro emprestado pelos bancos fosse do banqueiro, bastaria a ele, sem ter a necessidade de contratar funcionários, adquirir ou locar imóveis para suas agências, além de arcar com outras despesas, direcionar todo o seu capital para a compra de títulos custodiados no SELIC e, assim, ao final de um ano, conseguir um rendimento de 19,75% do capital investido.

Ora, daí porque é ilógico sustentar que, com todos as despesas administrativas e tributárias, com os riscos que correm, inerentes à atividade econômica que praticam, e com um mínimo de lucro que deve ser por elas auferido, a remuneração das instituições financeiras, pelo serviço de intermediação de capitais, seja limitada a um percentual fixo de 12% ao ano, se, sem despesa nem risco algum, os rendimentos poderiam ser de 19,75%.

O problema reside na necessidade que tem o Governo, na qualidade de maior tomador de empréstimos brasileiro, de sustentar uma taxa de juros atrativa àqueles aptos a lhe fornecerem crédito. Agora, tachar de abusivos os juros resultantes de ato da política governamental, ato de governo (rectius: de império) e, portanto, infenso ao controle jurisdicional sob pena de transgressão à separação dos poderes, não parece justo nem lógico.

Em quarto lugar, também mostram-se necessárias algumas considerações acerca da relação existente entre o spread bancário e o lucro dos bancos, uma vez que esse spread atualmente serve de bode expiatório para quase todos os problemas suportados pela sociedade. Cotidianamente, quando é divulgado pela mídia o percentual de spread bancário praticado pelas instituições financeiras, sem ao menos se explicar qual é a composição desse percentual, contribui-se para o clichê de que, se o spread é de 30%, isso equivale a dizer que o lucro do banco foi de 30%.

Pois bem. Inicialmente, é preciso esclarecer que o spread bancário não é equivalente ao lucro do banco. Longe disso. Em linhas gerais, spread bancário é o termo utilizado no linguajar econométrico para designar a diferença entre o custo de captação (geralmente, a remuneração do CDB Certificado de Depósito Bancário) e o custo para o tomador do empréstimo (média das taxas de juros cobradas nas operações de crédito bancário).

Segundo informações fornecidas pelo BACEN(1), o spread bancário nos créditos fornecidos a pessoas jurídicas no ano de 2003(2) girou em torno de 28% ao ano, isto é, se o custo de captação do crédito foi de R$ 100,00, o custo para o tomador do crédito, em média, foi de R$ 128,00.

Esses R$ 28,00, todavia, não são revertidos totalmente para o banco em forma de lucro líquido, uma vez que, por definição, o spread compõe-se de diversos fatores: percentual recolhido ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC)(3), recolhimento compulsório(4), custo administrativo, custo tributário, inadimplência, lucro do banco(5).

Assim, por exemplo no ano de 2003, consoante os estudos empreendidos pelo BACEN, que apurou o percentual que cada fator representa na composição do spread, esses R$ 28,00, seria divididos desta forma:

Depreende-se, então, que de todo o spread bancário, o lucro médio do banco não ultrapassa o percentual de 30% (sobre esse spread). Isso equivale a dizer que, mais uma vez se valendo da ilustração usada acima, dos R$ 128,00 emprestados pelo banco, apenas R$ 7,72 (ou, 6,03% do valor global) representam lucro.

Enfim, do que foi ilustrado acima, com base nos índices oficialmente divulgados pelo BACEN, imperiosa é conclusão de que os lucros médios das instituições financeiras são muito menos vultosos dos que os percentuais ou valores que estão arraigados no imaginário popular.

Por fim, traça-se um paralelo entre o spread bancário e a inadimplência e, em seguida, destes com a atuação do Poder Judiciário no Brasil.

Do estudo que foi empreendido acima, percebe-se que a inadimplência responde por significativa parcela do spread bancário. Neste aspecto, a lógica é bem simples: quanto maior o número de inadimplentes, maior o spread bancário e, por conseguinte: (i) maior o custo do dinheiro àqueles que necessitam do crédito bancário; (ii) os adimplentes acabam pagando pela inadimplência alheia.

Acerca do assunto, mostra-se pertinente citar estudo encomendado pelo Min. Carlos Alberto Menezes Direito, do Superior Tribunal de Justiça, aos professores Marcos Lisboa e Renato Fragelli, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mencionado no voto do citado magistrado no REsp n.º 271.214: ?o certo é que do ponto de vista econômico, como já vimos, o percentual de inadimplência dos tomadores tem impacto substancial na cobrança de taxas de juros […] Suponha que a taxa de captação de recursos seja de 18% aa., que os custos administrativos e fiscais deveriam levar a uma taxa de empréstimo de 20% aa, num ambiente de inadimplência nula. Desta forma, ao captar R$ 100 o banco precisará obter R$ 120 ao final de um ano para poder cobrir todos os custos e não ter nenhum lucro. Neste caso, o spread bancário seria de 2% ao ano. Suponha que a taxa de inadimplência passe de zero para 5%. Neste caso, os R$ 120 terão que ser pagos por 95% dos tomadores de empréstimos, o que exigirá uma taxa de juros de empréstimo de 26,32 aa. (= 120/0,95 – 1). Verifica-se que o spread bancário teria que saltar de 2% aa. para 8,32% aa., ou seja, mais do que quadruplicar. Para uma taxa de inadimplência de 10%, a taxa de juros de empréstimo teria que ser de 38,89% aa (=120/0,90 – 1), o que significa um spread de 20,89% aa. O impacto da inadimplência decorre de sua incidência sobre o principal do empréstimo, não apenas sobre os juros.?

Fica claro, então, que ?limitações sobre as taxas de juros punitivas cobradas dos inadimplentes têm impacto sobre a fração de inadimplentes observada e, portanto, sobre o spread bancário comprados entre os agentes que pagam realmente suas dívidas. Em uma frase, em um mercado de crédito competitivo o bom pagador paga pelo mau pagador, restrições aos encargos impostos aos maus pagadores significam um aumento dos custos impostos aos maus pagadores?(7).

Dessa forma, a cada vez que, por meio da tutela jurisdicional, o inadimplente, que usa a lentidão do processo para postergar o pagamento da dívida, logra diminuir a taxa de juros que lhe é cobrada para o injustificável patamar de 12% ao ano, há uma contribuição para o aumento das taxas de juros cobradas pelos bancos, onerando ainda mais os bons pagadores. Necessário perceber, nessa linha de raciocínio, que sob o pretexto de, porventura, promover ?justiça social? mercê da redução das taxas de juros dos contratos bancários, o intervencionismo judicial, no mais das vezes, premia o mau pagador em detrimento da maioria, constituída pelos bons pagadores, o que gera, por óbvio, ?injustiça social?.

Enfim, espera-se que as breves e despretensiosas considerações feitas neste estudo possam, de algum modo, suscitar um aprofundamento na reflexão acerca da problemática das altas taxas de juros praticadas no mercado de crédito brasileiro e, assim, possibilitar que sejam desmistificados alguns dos errôneos estereótipos e preconceitos que habitam o imaginário popular.

Notas

(1) Informações obteníveis no site http://www.bcb.gov.br

(2) Utiliza-se como referencial o ano de 2003 em razão de que, para o ano de 2004, ainda não foram disponibilizados os estudos sobre a decomposição do spread bancário que serão mencionados a seguir.

(3) Segundo a conceituação do próprio BACEN: ?É uma entidade privada, sem fins lucrativos, que administra um mecanismo de proteção aos correntistas, poupadores e investidores, que permite recuperar os depósitos ou créditos mantidos em instituição financeira, em caso de falência ou de sua liquidação. São as instituições financeiras que contribuem com uma porcentagem dos depósitos para a manutenção do FGC.? In: http://www.bcb.gov.br/pre/bc? atende/port/fgc.asp?idpai=faqcidadao1; cf. também: http:// www.fgc.org.br.

(4) Os bancos devem manter depositado junto ao BACEN, por determinação do CMN-Conselho Monetário Nacional -um percentual sobre os depósitos à vista em seu poder, como forma de controlar o efeito multiplicador dos meios de pagamento. Assim, quando o BACEN aumenta a taxa do compulsório que os bancos devem manter à sua ordem, fica reduzida a proporção dos depósitos que pode ser convertida em empréstimos. Por outro lado, caso ele reduza esta taxa, as disponibilidades para empréstimo aumentam;

(5) A composição do spread bancário pode ser verificada no estudo ?Economia Bancária e Crédito avaliação de 5 anos do Projeto Juros e Spread Bancário?, disponível no site http:// www.bcb.gov.br.

(6) Índices obtidos no estudo citado na nota anterior.

(7) Voto do Min. Carlos Alberto Menezes Direito no julgamento do REsp n.º 271.214.

Vicente Takaji Suzuki é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, recém aprovado no Exame da OAB/PR.

vicentesuzuki@gmail.com

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