A Bolívia é, e continuará sendo, um grande tema na agenda diplomática brasileira.
Mesmo não desejando, as relações com os bolivianos vão estar se ampliando em extensão e também em complexidade.
Esta ilação decorre das configurações domésticas da política boliviana, da sua localização e condição no ambiente regional e andino, dos vínculos externos com a Venezuela presentemente, das opções energéticas estabelecidas pelo Brasil num período recente e principalmente da re-configuração da política internacional que no caso brasileiro está adstrita ao cenário translocal, logo, eventualmente emancipado das opções estratégicas internas.
A organização institucional doméstica boliviana é relativamente frágil e a instabilidade resultou em sucessivas crises e prejuízos. O ambiente político é distinguido por um desarranjo que tem motivado golpes militares e uma inabilidade para a busca do equilíbrio entre os diversos grupos de interesses. A política externa é marcada por derrotas militares e diplomáticas a Bolívia perdeu para o Chile seu acesso ao Pacífico e uma parte dos alagados, ricos em petróleo, para o Paraguai na Guerra do Chaco, ainda, negociou o território do Acre com o Brasil em 1903.
A instabilidade política tem agravado disputas culturais e associadas ao controle de grandes reservas de gás natural. No sul, aimarás defendem a criação de um território autônomo desde a região de Tarija; ao leste, as grandes diferenças étnicas e econômicas motivam posturas autodeterministas e contrárias aos movimentos indígenas do resto do país.
A Bolívia, numa escala regional, é uma ilha de atraso num arquipélago de economias que acertaram ou começaram a encaminhar suas expectativas desenvolvimentistas de forma organizada e democrática. Brasil, Chile, Argentina e Peru hoje são demonstrações de um encaminhamento relativamente adequando do crescimento econômico. A condição boliviana no ambiente relacional regional é relativamente complexa já que destoa dos seus pares.
Nos seus vínculos externos a Bolívia tem optado por rompimentos bruscos de contratos e acordos. As ações políticas têm sido fragilizadas por uma incapacidade de garantir aos parceiros internacionais condições mínimas de segurança jurídica. O desprezo pelos investidores internacionais alimenta um ciclo de posturas comedidas que raramente, destituídas de garantias superiores que encarecem e burocratizam os incentivos, encontram agentes dispostos a grandes aventuras capitalistas.
A influência atual da Venezuela na política boliviana é outro elemento explosivo. Os discursos populistas e recheados de leituras antidemocráticas da realidade são um risco para ambientes profícuos à instabilidade. A Bolívia, como joguete nas mãos de Chávez, poderá optar por caminhos duvidosos, mas suficientes para que grandes prejuízos históricos sejam novamente constituídos. Não se olvide da possibilidade de Chávez emprestar seu aparato bélico para sufocar rebeliões internas e movimentos de contestação do governo Morales. A condução da política externa boliviana coloca-a como anacoreta no cenário latino.
A opção por uma diversificação na matriz energética brasileira, no período Cardoso, com a aposta no gás natural boliviano, é uma escolha que vincula os envolvidos de forma distinguida. Efetivamente não há nenhum equívoco na escolha e a mesma representa uma possibilidade viável para o Brasil. As limitações políticas bolivianas têm estabelecido certo desconforto absolutamente comum no mercado energético internacional, contudo, a inexistência de alternativa é que representa uma fragilidade.
Um acautelamento e bastante paciência, diante do cenário desfavorável, devem ser suficientes para manter um controle sobre o futuro das atividades de exploração energética do Brasil na Bolívia. Mesmo que custe ao capital privado e ao público mais do que se imaginava, os riscos da atividade são passíveis de serem absorvidos pelos empreendedores e compensados no futuro.
Por fim é preciso lembrar que há muito a política externa abandonou a condição de opção para os Estados. As escolhas brasileiras são determinadas por variáveis que não são obtidas das relações bilatérias. O global é infinitamente mais peremptório que o local, que já não existe como ambiente autônomo e com capacidade de influência superior. O local pertence ao global por desejo de uma universalidade do ético e do jurídico, que hoje estão novamente unidos.
A gestão doméstica brasileira exige uma postura internacional que aceite os prejuízos nas suas relações com a Bolívia e que de todas as formas possíveis apóie um desenvolvimento sustentado e uma estabilidade política-democrática e econômico-liberal. Os custos do apoio à Bolívia, e de qualquer outro vizinho contigüamente conectado ao Brasil, integram o acerto nas políticas econômicas e desenvolvimentistas domésticas.
A Bolívia parece ser uma anabatista política-democrática que perdeu diversas oportunidades de sair do limbo e abandonar sua condição imante de socialmente instável. A condição é absolutamente prejudicial ao Brasil, logo, os riscos da inação são potencialmente danosos.
Desconsiderar os vínculos que a Bolívia tem com o Brasil e não perceber a necessidade de uma postura política-externa de longo prazo que apóie minimamente o desenvolvimento daquele país é olvidar de todo o arranjo frágil que modela o local e que carreará, por variáveis pertinentes às relações internacionais, custos superiores ao Brasil no futuro.
Leonardo Arquimimo de Carvalho é pesquisador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Direito GV)