Não é a sempre alegada falta de recursos e, sim, a falta de entrosamento na equipe, o principal entrave do governo do PT, manietado e quase parando desde antes do Carnaval. A falta de criatividade estaria em segundo lugar. Isto ficou claro no desenrolar dos últimos episódios, especialmente o que contrapôs o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao ministro do Planejamento, Guido Mantega, chamado em público pelo primeiro de “vagabundo”. A burocracia (que é, sempre, uma eficaz arma para vagabundos de plantão), segundo ensina o ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, é uma praga que a gente tem de combater todos os dias.
Escalado para transmitir à nação o resultado de mais uma tentativa de acertos internos, o responsável pela comunicação de governo, Luiz Gushiken, puxou a orelha de todos a mando do presidente Lula, segundo fez parecer: ministro, assim como qualquer outro funcionário, graduado ou não, não pode divergir em público. A liberdade de opinião de cada um tem local e horário. Serve apenas para as reuniões internas. E quando o presidente (o “dirigente eleito”) decide, está decidido. “O importante é uma ação única de governo.” Em outras palavras, manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Não apenas o dissentimento explícito e imediato do ministro Furlan, mas os próprios resultados da reunião de segunda-feira, convocada às pressas pelo presidente Lula, de certa forma contrariam a ordem de Gushiken. Segundo se divulga, Lula não titubeou em dar razão ao ministro Rodrigues, lembrando que tanto ele quanto o ministro Furlan são oriundos da iniciativa privada e ficam angustiados quando as coisas não dão certo. Foi mais longe: “Muitas vezes – disse Lula – quando quero resultados e não vejo nada, fico tão angustiado quanto eles, principalmente na geração de empregos”. Rodrigues saiu da reunião perdoado por antecipação, dada a sua “lealdade e competência” numa área em que a economia mais está dando certo – a agricultura. Mantega engoliu em seco e foi anunciar aumento diferenciado para o funcionalismo público, enquanto, em São Paulo, fazendo palestras, Rodrigues era aplaudido como herói.
O mesmo não se pode dizer do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu – o pivô da crise que, na mesma São Paulo, caminhava em terreno diverso. Não apenas negava que haja paralisia no governo, mas esforçava-se por enterrar, pela enésima vez, o assunto Waldomiro Diniz (ex-assessor parlamentar, subordinado seu, pilhado em negociatas com o submundo do jogo e do achaque). Xingou e elogiou a imprensa, proclamou-se de novo inocente de tudo, asseverou que o governo a que serve não rouba nem deixa ninguém roubar e, de quebra, sugeriu “um pacto político-empresarial, político-parlamentar para que o Brasil, de maneira persistente e responsável, continue essa transição para o crescimento econômico”. O discurso de que o governo está parado “não contribui com o País”, observava o prestigiado capitão do time.
“Não nos proponham um pacto de silêncio – a omertà, o silêncio da máfia”, reagiu o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto. Há muitos pontos a serem esclarecidos na obscura ação de Waldomiro em nome ou não de gente importante do governo e comportamentos que denotam arrogância não haverão de mobilizar o setor privado. “Como vão investir se percebem o ambiente de brutal inação administrativa?” Tanto imobilismo e desentendimento que, no afã de aparecer, o governo fez uma medida provisória liberando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço para vítimas – desempregadas e, portanto, sem FGTS – das enchentes…
Assim caminhamos nós nesta quadra em que o presidente silencia e cada auxiliar seu diz o que quer, mesmo sob as ordens de ninguém falar abobrinhas por conta própria. E cada dia que passa, segundo já se disse alhures, as críticas ao governo calam mais fundo, porque simplesmente têm base na realidade. Uma realidade que prometeu mudar, radicalmente.