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Descubra o poder da alimentação consciente

Alimentação consciente ensina a ouvir o corpo e balancear o prato (Imagem: autumnn | Shutterstock)

No labirinto das redes sociais, as pessoas que se importam com a alimentação estão desbaratinadas. Perdidinhas num alvoroço de dietas, estratégias e protocolos do tipo “não pode isso, pode aquilo”. Aqui, asseguro a você, alguns mitos serão derrubados. O primeiro deles é justamente acreditar que fazer dieta restritiva emagrece.

Sophie Deram, autora de Pare de Engolir Mitos – Como as novas descobertas da nutrição podem nos orientar em meio a modismos, desinformação e pseudociência (Sextante), faz um strike em ideias infundadas sobre rotina alimentar. O livro dela é libertador, pois nos tira do purgatório da privação e leva ao céu da boca, basicamente dizendo que a gente pode comer de tudo – tudo mesmo! – sem entrar no terrorismo das dietas restritivas ou ingredientes que prometem saídas milagrosas.

“Essas crenças fazem a gente perder a conexão com nosso corpo e terceirizar a alimentação para profissionais de nutrição”, diz. Francesa naturalizada brasileira, Sophie é uma ativista contra as dietas restritivas, autora também de O Peso das Dietas (Sensus), defensora do mind eating. “Uma nutrição consciente tem ciência e consciência. E não apenas a consciência de fome e saciedade, mas da vontade e das escolhas alimentares”.

A especialista defende, por exemplo, a ingestão de gordura. “Ela dá saciedade, prazer ao paladar, e o corpo precisa um pouco dela. Pessoas que cortam totalmente a gordura acabam comendo mais carboidrato.” Outro grande mito é se basear no cálculo de calorias em função de emagrecer. “O corpo não vai aceitar da mesma maneira 150 calorias de refrigerante como aceita 150 calorias de uma salada de pepino. Então, é preciso cuidar mais do que se coloca no prato”.

Sai pra lá, culpa!

Não confundir com o “liberou geral” na alimentação. O que Sophie defende é uma queda de paradigmas, no sentido de voltar a comer sem culpa – uma das maiores vilãs da alimentação saudável. É simples assim: quando a gente acredita que um alimento faz engordar, só de vê-lo no prato, se autoflagela. Isso pode mexer no nível de estresse, afetando a digestão e realmente fazendo engordar. “Livrar-se da culpa é limpar o seu hard disk das crenças negativas sobre a alimentação, fazer as pazes com a comida e entender que não existe o tal alimento que, sozinho, engorda”.

Veja que interessante. Um artigo da revista científica Plos One destaca resultados de 11 casos, sugerindo que as “experiências sensoriais e/ou cozinhar e compartilhar comida e memórias positivas sobre alimentação” estimulam hábitos alimentares saudáveis. “Quando você se permite saborear, fica satisfeita mais cedo e tem menos tendência ao ‘comer emocional’, um dos vilões do ganho de peso. Bom apetite!”, diz Sophie.

Bom apetite

“Bom apetite!”. Que delícia ouvir essas duas palavras que soam quase proibidas em tempos de “terrorismo alimentar”. A obsessão pelas dietas pode inclusive levar a extremos como compulsão ou perda do apetite. Moleza, memória fraca, desânimo, ansiedade, insônia e intestino desregulado são alguns sinais de que a relação com a comida não vai bem, de acordo com a nutricionista Alessandra Luglio, dedicada à alimentação consciente. “É preciso ficar atento, pois o padrão mecanizado das dietas abafa os sinais do corpo”, alerta.

O pragmatismo desmedido também precisa ser questionado. “Muitas vezes, você pensa tanto no resultado do que vai comer porque precisa emagrecer, ficar forte, ganhar músculo, ser saudável, que perde a intuição. Esse overthinking gerado por ‘dicas’ para conquistar o corpo ideal faz a fome ficar exacerbada. Ou, ao contrário, gera medo de comer errado e ter uma relação deturpada com a comida”, complementa. Para retomar o controle e ouvir os sinais, a profissional recomenda “sentir a digestão”. “Se almoçar e depois de três horas ainda se sentir cheio, por que vai comer de novo? Beliscar o dia inteiro tem mais a ver com ansiedade”.

Ilustração de um recipiente branco com vegetais
Optar por alimentos diversificados e frescos é a melhor opção para melhorar a digestão e a relação com a comida (Imagem: xiaobaiv | Shutterstock)

Tratado de paz

Promover uma boa digestão é o ponto central da alimentação da servidora pública Andréia Gomes da Silva, de 51 anos. “É na má digestão que todas as doenças começam”, diz ela. “Procuro comer ‘comida de verdade’, diversificada, fresca e, sempre que possível, orgânica. Gosto de chás de ervas e temperos como cúrcuma, canela, cominho, gengibre, para fomentar a digestão”.

O caminho para fazer as pazes com a comida, no entanto, foi longo e acidentado. Andréia veio de uma geração em que criança saudável “tinha que ser gordinha”. Cresceu ouvindo da mãe: “Limpe o prato! Tem muita criança passando fome”. Na puberdade, a avó inverteu o comando: “Tem que comer pouco porque menina gorda é horrível”. De repente, desenvolveu uma compulsão por comida e fez mil dietas restritivas. “Tentei dieta da lua, das maçãs, dos ovos, em que comia dez ovos por dia!”, lembra.

Até que, aos 29 anos, teve um surto emocional e passou a tomar uma medicação que a fez engordar 34 kg em um ano. Com 1,50 m, chegou a 98 kg. Começou uma peregrinação para emagrecer que só resultou em frustração. Quando chegou ao consultório da Dra. Sophie Deram, há dois anos, mal acreditou na frase: “Pode comer o que quiser”. Essa informação tira uma restrição mental no cérebro.

“Voltei à minha essência. Adotei preceitos da culinária ayurveda, que antes achava restritiva”. Com o peso estabilizado em 95 kg, mudou o foco do emagrecimento para a consciência alimentar. “Entendi que não posso calçar 38 e querer que meu pé caiba em um sapato 35. Fiz as pazes com a comida”.

O suficiente

Os alimentos inflamatórios, outro mito da vez, ganham nova interpretação. “Um ingrediente sozinho não tem o poder de inflamar ou desinflamar. São estigmas que podem levar a carências e excessos, em um processo que tira a diversidade da alimentação”, esclarece Alessandra.

Para suprir as carências, do outro lado da balança, está o mercado da suplementação, que gera ainda mais confusão entre a demanda real e o risco de engolir cápsulas desnecessárias. Vale lembrar: se a alimentação é diversificada, com legumes, verduras, frutas, cereais, leguminosas, não é preciso suplementar nada. “Não é o feirante nem o produtor rural que está pagando blogueiras e profissionais de saúde para vender pílulas, mas a indústria farmacêutica”, sublinha a nutricionista.

Ao mesmo tempo, manter uma alimentação biodiversa é algo complexo e há quem precise suplementar, pela escassez de nutrientes, que nem sempre está na falta, mas no excesso de alimentos ultraprocessados. “Se a dieta é pobre, pode surgir deficiência de zinco, selênio, fibras etc. Só que o suplemento não entrega a mesma sinergia do alimento natural. É preciso fazer uma orquestra bioquímica, e muitas vezes essas dosagens são excessivas”, explica Alessandra.

É o caso da proteína. “Todo mundo sai da academia tomando whey protein, iogurte proteico, chocolate proteico. Isso pode desequilibrar PH, aumentar a inflamação e levar a doenças cardiovasculares. Nosso corpo não precisa de mais nem de menos. Ele precisa do suficiente”, diz ela. Alessandra ainda destaca que a nutrição consciente também relaciona o que se come com o que acontece ao redor. “Para mitigar
questões climáticas, a gente precisa olhar para o prato e não ficar pensando que um dia vai comprar um carro elétrico”, enfatiza.

Ilustração de pessoas segurando diferentes tipos de talheres
Comer é um ato individual, por isso as dietas nem sempre funcionam da mesma forma para todo mundo (Imagem: Bibadash | Shutterstock)

Você tem fome de quê?

Desenvolver um senso crítico em relação às informações disponíveis e fazer boas escolhas, ouvindo o corpo, é o melhor caminho para uma alimentação consciente. De forma genérica, a ideia é comer como nossos antepassados, dando preferência aos alimentos frescos, vegetais e integrais, sem precisar excluir aquele arrozinho branco. “O alimento mais saudável é aquele que agrada o seu paladar e deixa você satisfeito e feliz”, sublinha Sophie.

“Comer é individual”, pontua Alessandra. Isso explica por que a mesma dieta não funciona para duas pessoas ou aquela história do senhorzinho de 102 anos que toma uma dose diária de cachaça não poder ser aplicada em larga escala. “Se quer comer carne, coma menos. Não é uma melancia inteira, é uma fatia. Seguindo essa linha, não precisa pensar em calorias”, ressalta a nutricionista.

No supermercado, vale a regrinha de ler os rótulos. Uma lista extensa de ingredientes significa que o produto se tornou mais refinado, que precisa de conservantes, corantes, e outros “antes”. “O segredo é migrar para o natural, ajustar porções e se sentir bem”.

A maneira de preparar o alimento também conta, mas é preciso tomar cuidado para que a obrigação da “comida caseira” não vire mais um mito, como comer de três em três horas ou limitar o ganho de peso a quatro quilos por década. Ainda mais para quem não tem tempo de cozinhar. “Não importa se quem cozinha é uma funcionária, o marido, a mãe. Mesmo em um restaurante a quilo, é possível encontrar variedade e qualidade”, resume Sophie. Bom apetite, de verdade!

Por Rosane Queiroz – Revista Vida Simples

Jornalista e adepta da dieta do “tudismo”, ou seja, come de tudo um pouco. Depois dessa reportagem retomou a esperança de perder o peso da culpa. Nunca é tarde!