Desarmar: uma opção pela vida

Recentemente o mundo lembrou 60 anos da bomba de Hiroshima. Estima-se que cerca de 140 mil pessoas tenham perecido em razão da bomba, que tinha como promessa subjetiva a eliminação das guerras e conflitos no mundo. No entanto, o que se constata hoje é que o uso da bomba atômica só fez aumentar a aspiral de violência no mundo. Os países que mais investiram em tecnologia bélica são os que mais sofrem, hoje, as conseqüências da política de promover a paz através das armas. Ao contrário, o que se verifica é a escalada de violência no mundo, mediante atos que mesclam o improviso e o refinamento, o que demonstra que o porte da bomba atômica ou da simples arma de fogo pode não ser razão em si da violência, mas certamente constitui um de seus agentes disseminadores. No dia 23 de outubro, a população brasileira será consultada, através de referendo, sobre a continuidade da comercialização de armas de fogo e munição no país. A oportunidade é rica para a discussão não somente do tema em si, mas também para a compreensão de todas as conexões da violência.

E, inicialmente, é necessário distinguir de que violência tratamos. Em termos gerais, podemos identificar duas formas principais: a primeira, a violência organizada, principalmente a resultante do tráfico de drogas, mas também das quadrilhas de roubo de automóveis, de cargas e até de crianças, entre outras; a outra forma, não organizada, é a violência que nasce da falta de alfabetização e de educação, da falta de salário, da falta de comida, da falta de moradia. É a violência resultante de uma série de fatores sociais desfavoráveis e que, no Brasil, vem se agravando, em decorrência da histórica concentração de renda, geradora da precarização das condições gerais de vida e de trabalho.

Feita esta distinção, é preciso conhecer como cada tipo de violência é tratada e combatida. No primeiro caso, do crime organizado, é papel do Estado entendê-la e combatê-la, através de instrumentos de repressão legitimados pela sociedade. No segundo caso, a violência do cotidiano, também é do Estado a atribuição de combatê-la, mas não mediante recursos meramente repressivos. Além do investimento maciço nas áreas sociais, essenciais para a dignidade de vida do cidadão, é preciso um conjunto de ações em parceria com a sociedade. Tem-se verificado que ações, que muitas vezes parecem pequenas, têm produzido importantes resultados: os pais que ocupam uma escola no final de semana e se organizam para melhorar a educação dos filhos, a alfabetização solidária, a organização da população em cooperativas, as cozinhas comunitárias, que vem se multiplicando em nosso Estado, mesmo os Programas Fome Zero e Bolsa Família, constituem exemplos e instrumentos de organização e solidariedade da população que, em seu conjunto, contribuem para a melhoria de vida do cidadão.

Assim também é o ato de impedir a comercialização das armas de fogo no Brasil. O Estado e a sociedade devem desenvolver ações que construam, sob fortes alicerces, uma cultura de paz. Proibir o comércio de armas de fogo ao cidadão comum constitui uma ação mais que preventiva, educativa, é uma ação concreta que permite mostrar que a violência do cotidiano não pode ser combatida com instrumento engendrados para gerar violência. O porte de arma deve ser exclusivo de quem combate o crime organizado ou, por ofício, dela se utiliza. Certo é que proibição da comercialização de armas de fogo não resolverá o problema da violência, que é apenas uma das muitas frentes a serem atacadas pela sociedade, mas pode contribuir para a redução do número de mortes. Pesquisas têm demonstrado que de cada 10 casos de violência com arma de fogo, 7 são motivados por razões banais. Não que existam boas ou más razões para a agressão, mas o fato é que estes casos poderiam ter sido evitados se os envolvidos no conflito não portassem arma de fogo. Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou pesquisa a qual relata que as mortes por arma de fogo caíram em 8,2% em 2004, o que não acontecia desde 1992, resultado puxado pela campanha nacional de entrega voluntária de armas de fogo.

Não podemos tratar do comércio de armas como tratamos do comércio de qualquer outro produto. A arma de fogo traz, em sua razão de existir, a própria violência, não tendo outra finalidade senão a de ferir ou matar. É uma situação similar a da bomba atômica: tornou-se praxe entre os países ter a bomba como forma de mostrar sua potencialidade e garantir sua soberania, sempre com a promessa de que não será usada. Da mesma forma, no Brasil construiu-se a idéia de que a posse de uma arma de fogo proporciona segurança. Mas, do mesmo modo que a humanidade não tem garantia de que as muitas bombas atômicas existentes no mundo não serão detonadas, também não há garantia a que tipo de uso terá a arma de fogo na mão do cidadão comum.

Nos referimos a uma sociedade que trata a defesa do patrimônio material como a essência do ?estar seguro?: a defesa dos bens materiais é o principal argumento daqueles que defendem a comercialização de armas de fogo, que alegam que as instituições estão falidas a ponto de não serem capazes de garantir a integridade patrimonial. O pressuposto para o fim da violência e para a defesa do cidadão não deve ser o armamento, mas a segurança da vida. Este é o bem maior a ser preservado.

O referendo foi aprovado pela Câmara Federal no dia 6 de julho de 2005, nos termos do Decreto Legislativo n.º 1.274/04 do Senado Federal. Será efetivado no dia 23 de outubro e todos os eleitores estão convocados a responder à pergunta ?O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil??. A opção SIM é a de número 2 na urna eletrônica e a opção NÃO a de número 1. Este será o primeiro referendo sobre o tema no mundo e a consulta popular está prevista no recente Estatuto do Desarmamento, aprovado em dezembro de 2003. Foram formadas duas frentes parlamentares para a campanha (1) ?Brasil Sem Armas?, que defende a proibição do comércio de armas e munição, presidida pelo senador Renan Calheiros e secretariada pelo deputado federal Raul Jungmann (2) ?Pró Legítima Defesa?, que é contra a proibição do comércio de armas, presidida pelo deputado federal Alberto Fraga.

No Paraná, a Frente Parlamentar ?Brasil Sem Armas? é coordenada pelo deputado estadual Ratinho Junior e em Curitiba coordenada pelo vereador André Passos. Todas as quartas-feiras, às 14h30min., na Câmara Municipal de Curitiba, os parlamentares e os representantes da sociedade civil realizam reunião para analisar as atividades em favor do SIM, sendo aberta aos interessados. Duas pesquisas de opinião foram divulgadas em Ponta Grossa, com 61.7% e em Londrina com 61,3% em favor da proibição do comércio de armas. Estudos a respeito do tema podem ser encontrados nas publicações ?Armas de Fogo, proteção ou risco??, de autoria de Antonio Rangel Bandeira e Josephine Bourgois, e ?Brasil: as armas e as vítimas?, editado pelo movimento Viva Rio e pelo Instituto Social de Estudos Religiosos. Informações telefônicas são obtidas pelo ?Disque SIM? 031.88010707. O detalhamento da campanha pela internet em www.referendosim.com.br. Neste site são encontradas informações que sintetizam a campanha pelo SIM (1) ?Desarmamento: 10 razões para votar SIM? e (2) Desarmamento: desfazendo mitos?. Na introdução do primeiro informativo está explicitado que ?o Brasil é o país do mundo com maior número de pessoas mortas por arma de fogo. Em 2003 foram 108 mortes por dia, quase 40 mil no ano. Arma de fogo é a primeira causa de morte de homens jovens no Brasil. Mata mais que acidentes de trânsito, AIDS ou qualquer outra doença ou causa externa (dados da Datasus,2003)?. E no segundo informativo está assinalado: ?Bandidos não compram arma em loja, mas vão tomá-las nas casas de quem comprou. No Estado de São Paulo, segundo a Polícia Civil, das 77 mil armas apreendidas em 1998, 71.400 foram roubadas de seus donos originais e 5.500 extraviadas por eles. O desarmamento vai ajudar a secar esta fonte de armas para a criminalidade?. Os EUA controlam o maior comércio internacional de armas leves em cerca de 60% e a Alemanha é o segundo país exportador, ficando em terceiro lugar a Rússia e o Brasil. Este mercado representa algo em torno de 2,2 bilhões de dólares.

É dever de cada um de nós examinarmos esta questão em todos os seus detalhes e votarmos com consciência no referendo do dia 23 de outubro, esclarecidos pelos argumentos sobre a matéria. Nosso posicionamento pelo SIM está baseado nos valores que sempre temos defendido em favor da solidariedade, da fraternidade, da paz e pela vida, em nosso país e em todo o mundo.

Edésio Passos e André Passos são advogados e, respectivamente, ex-deputado federal (PT/PR) e vereador em Curitiba (PT/PR). E.mail: edesiopassos@terra.com.br e andrepassos@andrepassos.com.br

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