O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) retoma, nesta semana, o julgamento acerca da constitucionalidade e legalidade da transferência aos bancos privados dos montantes financeiros objeto de depósitos judiciais, por meio de convênios celebrados com a Administração Pública. Segundo estimativas, há, hoje, depositado, por força de depósitos judiciais, o montante de aproximadamente 70 bilhões de reais.
Tradicionalmente, esses depósitos vêem sendo realizados em instituições financeiras oficiais (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, bancos estaduais), mas, a exemplo do que ocorreu nos últimos anos com as folhas de pagamento da Administração Pública, alguns Tribunais de Justiça perceberam que a abertura de um processo de seleção, entre bancos públicos e privados, poderia render recursos extras que viessem a contribuir para o aparelhamento e o gerenciamento das estruturas judiciárias.
Foi, nesse contexto, que os Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, após os respectivos processos seletivos, entenderam por bem firmar, no ano de 2007, convênios com instituição financeira privada, que oferecesse melhor proposta financeira para a administração de seus depósitos judiciais. Para se ter uma melhor ordem de grandeza e compreensão da matéria, a administração, por instituição financeira privada, dos depósitos judiciais fluminenses, atualmente no montante de R$ 5,3 bilhões, renderá, durante o prazo do convênio, ao Tribunal do Rio de Janeiro um plus de R$ 245 milhões, se comparada tal administração ao retorno oferecido pela melhor proposta formulada por uma instituição financeira pública.
Tais convênios, no entanto, encontram-se sob julgamento perante o CNJ, o qual, ao que tudo indica, deverá decidir pela inconstitucionalidade e ilegalidade dos mesmos. Isso porque, na última sessão de julgamento realizada em 10 de junho passado, a contagem dos votos contabilizava sete votos favoráveis à anulação dos referidos convênios contra apenas três favoráveis à manutenção dos mesmos.
Em linhas gerais, o CNJ tem entendido serem os bancos públicos mais sólidos e, portanto, mais seguros do que os bancos privados, bem como pela obrigatoriedade constitucional e legal da manutenção de tais depósitos em instituições financeiras oficiais, segundo o que estaria previsto nos artigos 164, § 3.º, da Constituição Federal (CF) e 666, I, do Código de Processo Civil brasileiro (CPC).
No que diz respeito ao aspecto econômico, com as devidas vênias, não nos parece o melhor entendimento da questão.
Embora tenhamos exemplos de má-fiscalização, por partes das autoridades do sistema financeiro nacional, de grandes bancos privados do passado que operaram de modo irregular, isto é, sem a solvência necessária, e que acabaram em processos de liquidação pelo Bacen, via Proer, com inegáveis prejuízos para os seus correntistas e para os cofres públicos, o mesmo se pode dizer com relação a diversos bancos estaduais, que só não seguiram o mesmo exemplo por que as respectivas entidades federativas a que estavam vinculados injetaram rios de recursos financeiros para cobrir casos de má-gestão ou de malversação de seus cofres.
Em resumo, não se pode dizer, no atual cenário do sistema financeiro, que bancos públicos sejam mais seguros que bancos privados ou vice-versa. Em tese, todos deveriam ser igualmente seguros, já que se encontram autorizados a operar e são fiscalizados pelo Bacen.
Quanto à questão da constitucionalidade, tem-se defendido que a administração por instituição privada dos depósitos judiciais feriria o disposto no artigo 164, § 3.º, da Constituição Federal, que estabelece que ?as disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei?. Todavia, acreditamos que não se trata, na espécie, de disponibilidade de caixa, uma vez que a titularidade do montante depositado judicialmente não é dos citados entes públicos, mas sim das partes do processo judicial, bem como não há valor disponível, pois o depósito é normalmente vinculado ao desfecho do processo, não podendo ser levantado, salvo em casos excepcionais, antes da decisão final transitada em julgado da ação.
Portanto, não nos parece que o Texto Constitucional albergue a obrigatoriedade dos depósitos judiciais serem realizados perante instituições oficiais.
Muito pelo contrário, considerando que a CF estabelece como princípio fundante da República brasileira os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1.º, IV), bem como que a ordem econômica é fundada na livre concorrência (art. 170, IV), além de impor o princípio licitatório para a administração pública (art. 37, XXI), nos afigura mais concernente à interpretação teleológica e sistemática da Constituição a realização de processo seletivo que possa apresentar melhores propostas para a administração dos montantes depositados judicialmente, tudo em prol da obtenção de recursos extras que possam ajudar na consecução dos investimentos necessários à melhora da prestação jurisdicional.
Por fim, reside ainda a questão concernente à interpretação do artigo 666, I, do CPC, com redação dada pela Lei 11.382/06, o qual estabelece que os bens penhorados serão preferencialmente depositados perante bancos públicos, na ordem que estabelece. O ponto de discussão aqui é saber se os bancos públicos serão sempre preferidos, somente sendo permitido o depósito em instituição privada nas Comarcas onde não houver agência de instituição pública, ou se o administrador público tem legitimidade e competência para, segundo os princípios constitucionais acima mencionados, procurar a melhor proposta para a destinação destes recursos financeiros, devendo, entretanto, preferir a instituição financeira pública se houver igualdade entre as ofertas.
Parece-nos que a segunda solução é mais próxima aos princípios constitucionais antes declinados. De fato, em nosso sentir, não há razões de ordem constitucional e legal que obriguem a administração de um Tribunal de Justiça a abrir mão de centenas de milhões de reais, que podem ser investidos em melhoras para todos os jurisdicionados, em troca da manutenção e continuidade dos depósitos judiciais perante instituições financeiras públicas.
Trata-se aqui não apenas de um embate entre a livre iniciativa e o eventual monopólio estatal, mas, acima de tudo, de permitir que a criatividade e inovação de algumas administrações judiciárias bem sucedidas (o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem sido constantemente apontado como um exemplo de gestão) possam gerar frutos virtuosos para um país ainda carente de uma Justiça célere e eficiente.
Andre Gondinho é advogado e sócio do Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados. É mestre e doutor em Direito Civil pela UERJ e professor de pós-graduação.