“Isso é que é profissional da política!”, teria exclamado um ilustre dirigente do PT ao respirar aliviado com a entrada do presidente do Senado, José Sarney, no delicado processo de abafamento do “escândalo Waldomiro” – voragem da credibilidade e da honradez do ministro José Dirceu, o capitão do time do presidente Lula. À vista desses dias de Carnaval, os senadores foram todos dispensados do expediente. Para que não pensem só naquilo, nem resolvam agir onde não devem. Só voltarão ao trabalho, mas não perderão sequer um dia de salário, no dia 2 de março próximo. Na substituição do incômodo agito brasiliense pela prazerosa folia momesca, o recesso branco sucede, assim, à convocação extraordinária. Impunemente.
Junto com Sarney agem outros experientes articuladores, como Antônio Carlos Magalhães. Ambos não têm interesse algum em CPI nem ampla, nem geral, nem irrestrita, como ululavam – e ainda há quem tenha visto nisso ingenuidade! – as principais lideranças do PT. Quem quer revolver casos como o da Lumus, que revelou ao País uma montanha de dinheiro sem origem definida para o financiamento de uma campanha que sequer decolou – a de Roseana Sarney? Está escrito até nos evangelhos: atire a primeira pedra quem pensa que, investigando tudo de verdade, ficará impune. Empate técnico, por enquanto.
Quando o Carnaval terminar, o ânimo em Brasília será, certamente, outro. Alguns dias de folga darão o tempo necessário para a maquinação de coisas que até Deus duvida. Mas é pouco provável que a nação vá se esquecer disso tudo que, apesar das cuícas e tamborins, faz os dias atuais parecerem noites de pesadelo. Sem a pretensão de estragar o Carnaval de ninguém, apenas lembramos aqui que já se informa que os fatos que José Dirceu queria fossem circunscritos ao período do pré-governo de Lula andaram se repetindo ano passado. Como num jogo de dominós, uma pedra empurra a outra. E Waldomiro e Dirceu eram pedras muito próximas.
A senadora Heloísa Helena, por exemplo, já teve seu dia de vingança. Avisa antes de cair no samba: nada mais nada menos que 33 colegas de parlamento já assinaram papel em que pedem a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a operação dos jogos de bingo no País. É ampla a idéia, é verdade. Mas bastante perigosa. Do bingo ao caça-níquel e aos bicheiros, calcula, é só um pulo. Quer que um dos primeiros a ser ouvido, se a coisa pega, seja exatamente o ex-assessor Waldomiro, já colocado na rota de máfias internacionais. Interessa-nos mais, no momento, porém, a rota nacional.
O presidente Lula, que anda quieto e preocupado, sabe que estão brincando com fogo esses que dizem, como o presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, que o superministro de ontem (hoje alquebrado e sumido) deveria pedir licença até que reste provada sua completa inocência. O fato complica ainda mais a delicada imagem repentinamente construída de seu governo lá fora, onde, com tanto empenho, foi pedir investimentos. Os banqueiros de sempre já passaram a narrar coisas menos interessantes sobre o Brasil a seus clientes.
Quando o Carnaval terminar – e aí, dizem todos, o Brasil começar de fato a funcionar -, faremos outra vez as contas. A agenda positiva do governo federal tentará cobrir esta negativa, escrita ao logo do tempo e à margem do processo. Qual delas haverá de prevalecer, ninguém arrisca palpite. Mas se a opção for essa de evitar que os diques se rompam em nome de uma imaginária governabilidade, com certeza será pior para todos. Ficará rendendo péssimas referências para o resto do tempo do governo Lula, que já tem Sarney, já tem ACM e outros velhos profissionais da política, casualmente suplantada pela estrela, como aliados de infortúnio. Uma pena. É a esperança que fenece.