Um ultraje, uma carnificina que choca o mais psicopata dos homicidas cruéis. Pedaços de corpos humanos espalhados, pessoas mutiladas, um pântano de sangue e lama ao longo da estrada, restos carbonizados dos esqueletos de uma mãe iraquiana e dos seus três filhos pequenos, dentro de um carro que ainda se consumia pelas chamas, lentamente. Dois mísseis de apenas um avião norte-americano mataram-nos, a todos.. Fomos, cada um dos seres vivente neste planeta, atingidos por esse show de barbárie. Mais de 20 civis iraquianos despedaçados antes de poderem ser “libertados” pela nação que lhes destruiu as vidas. É de se perguntar: quem se atreve a chamar a isso de “danos colaterais” do ato do Sr. Bush?
Todos os ditadores, em nome da eticidade política, precisam ser apeados do Poder, assim como também todos os que democraticamente – ou mais ou menos assim – no Poder abusam tão tragicamente dessa posição de mando. Sucede que o Iraque não é Saddam Hussein, é mais, bem mais que isso, além ser o berço da civilização cristã ocidental, é um povo sofredor que sempre esteve, assim como muitas outra nações pobre e pequenas, na mira do míssil de destruição massiva: a fome e a miséria.
O presidente Bush reclama que os EUA são alvo do terrorismo e explica essa maldade porque são os defensores da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. Palavras enganadoras aos que deixam enganar. Os EUA são alvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, esse governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana naqueles países flagelados por condições econômico-politicas degradantes. “Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais? E o bispo conclui: O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas?” Palavras sensatas e verdadeiras do bispo americano Monsenhor Robert Bowan que no final do ano passado uma carta ao Presidente Norte-americano intitulada “Porque é que o mundo odeia os EUA?” O bispo da Igreja Católica na Flórida é um ex-combatente na guerra do Vietenã; logo conhece do inferno da guerra e da celestial paz.
Com efeito, esses pobres povos perdem tudo, mas lhes resta ainda uma única esperança: capacidade de pensar e com esse derradeiro vestígio humano podem construir e infeliz destruir tal o ressentimento. Malgrado o progresso humano, ainda remanescem esses defeitos de caráter em muitos homens daqui e dali, bem “formados” ou não.
Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atômicas sobre outras nações; o seu país foi a única nação a ser condenada por “uso ilegítimo da força” pelo Tribunal Internacional de Justiça; Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão; o regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1998); como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA, depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico e como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi, por agentes dos EUA, conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior da África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA enquanto foi conveniente, isto é, até 1992; a invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi “o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade”.
Os EUA albergaram criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças paramilitares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades locais solicitaram a sua extradição, mas o governo americano recusou o pedido; em agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou, no Sudão, uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados a bomba de Nairobi e Dar-es-Saalam; em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foram o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinqüenta e três países; em 1953 a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irã na seqüência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa, muito longa.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coréia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietenã (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Iugoslávia (1999). Ações de terrorismo biológico e químico também foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietenã, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país.
Com toda essa folha corrida pode-se aceitar as alegações do Presidente Bush? Ora, tais discursos norte-americanos conquanto não explicam (racionalmente), menos ainda justificam esta guerra. Se é que alguma guerra é justificável. Esse show tecnológico-televisivo que massacra o sofrido povo iraquiano, não encontra respaldo na necessidade racional, tanto que a ONU não o apoiou, menos ainda na lógica da natureza dessa coisas, porque quiçá isso vire, e de vez, todos os árabes contra os norte-americanos, aumente o ódio e o terrorismo contra os anglo-americano. E por fim, tal invasão ao território do Estado iraquiano – todo Estado é: território, povo e governo – só esse é que pode ser responsabilizado por eventuais crimes, eis que a sanção jamais pode, jurídica e moralmente ir além disso.
Vários princípios de Direito Internacional Público foram desconsiderados, o próprio âmago desse ramo do Direito destinado a reger as relações internacionais parece ameaçado e tal perigo é tanto mais grave quão mais poderoso é o infrator. A nação líder, já agora sem qualquer oposição equivalente em força (o velho equilíbrio bipolar) devia ter consciência de seu papel. O enorme esforço dos lideres mundiais e de pensadores ao longo de mais de três séculos que culminou com a Ligas das Nações concebida para resolver diplomaticamente os conflitos inter-nações, e sucedida pela ONU bem mais efetiva, tudo isso vem de ruir diante cenário mundial nada satisfatório, antes ao contrário, regredimos. Qual o futuro do Direito Internacional e quem sabe do própria promessa esperançosa da idéia de Direito, de justiça ? A violência, com efeito, é a negação de todo e qualquer Direito: força só a serviço do bom Direito…
O mundo certamente está em seu inferno zodiacal! Num mesmo momento histórico temos vários pitbulls e todos com muito poder nas mãos: Bush, Saddam, Bin Laden, Ariel Sharon… É demais para um mundo mesmo grande como o nosso!!
Até quando haveremos de sofrer, enquanto espécie, as dores e os constrangimento existenciais de assistirmos civis (os soldados foram e serão também civis), velhos e sobretudo as ingênuas crianças – que sequer podem atinar politicamente para esse mal.
Luiz Otavio Amaral
é advogado, ex-professor de Direito e Relações Internacionais na UNB, UDF. Atualmente leciona na Universidade Católica de Brasília-UCB. Tem diversas obras e trabalhos técnicos publicados no Brasil e no exterior. lamaral@conectanet.com.br