Pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara foi aprovado o ingresso da Venezuela no Mercosul, embora a opinião pública, um número ponderável de parlamentares oposicionistas e não poucos do próprio governo considerem aquele país uma ex-democracia, hoje esmagada sob o tacão do coronel Hugo Chávez. Há o discurso competente e mal fundamentado de Lula defendendo o seu colega da esquerda latino-americana. Mas o que parece claro é que a decisão da CCJ, que deverá se repetir no plenário, tem mais fundamentos comerciais e econômicos do que de convicções políticas. Nada afirma que o atual governo da Venezuela seja uma democracia. E tudo leva à conclusão de que é uma ditadura mascarada, camuflada e, às vezes, ousadamente descarada.

continua após a publicidade

O mesmo se pode dizer das relações do governo brasileiro com o da Bolívia. Lá, Evo Morales, líder dos cocaleiros e também representante da nova esquerda latino-americana, aquela que o escritor marxista e prêmio Nobel de Literatura Saramago chama de ?burra?, tomou instalações da Petrobras manu militari, rompeu contratos, praticamente confiscou bens brasileiros e nos impôs uma situação aflitiva de desabastecimento de gás. O nosso governo fingiu que nada estava acontecendo e reiterou apoio àquele governo. O desabastecimento, que numa primeira hora atingiu o Rio de Janeiro e São Paulo, foi tachado de ?probleminha? e não faltaram declarações oficiais de que não há nem haverá apagão energético.

Coincidentemente, anunciou-se a descoberta do poço Tupi, na bacia de Santos, com promessas de muito óleo e gás, tanto que o Brasil pode até vir a ser exportador de petróleo. Quando? Lula fala em seis ou sete anos. Para a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, parece que são esperanças que poderão se concretizar daqui a vinte ou trinta anos. Para ela, ?não há razão, no horizonte dos próximos 20, 30 anos, para que a gente desconsidere a Bolívia. Não existe condição para isso?. Ela fez essa afirmação desalentadora em audiência pública na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, em Brasília.

O inimigo número um e amigo da verdade foi São Pedro, que, sem ouvir discursos pró ou contra, ao não suprir de suficientes chuvas regiões onde existem usinas hidrelétricas, obrigou o governo a desviar o gás boliviano para substituir a energia hidráulica. E, socorrendo as usinas hidrelétricas, esse gás faltou em indústrias cariocas e paulistas e nos postos de abastecimento da frota de táxis movida a gás.

continua após a publicidade

O nosso governo continua insistindo que não existe a crise, mas o ministro de Minas e Energia faz um veemente apelo no sentido de que os governos estaduais não estimulem o uso de gás em automóveis e retirem os incentivos já existentes. A confirmar que há crise, já foi anunciado um aumento, no ano que vem, de 8% no preço do gás.

Lula vai à Bolívia conversar com o nosso algoz Evo Morales. O boliviano está com todas as cartas e nós teremos de sucumbir às suas exigências, verdade que com algumas armas, pois o país vizinho depende de investimentos brasileiros e o nosso País é seu maior freguês. Mas essa posição está longe de ser decisiva, pois não faltam na própria América Latina países que anseiam por gás boliviano. Tais fatos nos levam à triste conclusão de que o grito ?independência ou morte? está virando ?dependência ou morte?. Corpo mole feito por este e governos que o antecederam deixaram de suprir o Brasil de energia suficiente para o seu desenvolvimento. Diríamos que até para o seu funcionamento, que não é lá dos mais eficientes.

continua após a publicidade

As esquerdas, que sempre gostaram de slogans e discursos contra a globalização, estão vendo alguns efeitos dela. Slogans não produzem democracia na Venezuela nem gás ou petróleo suficientes no Brasil. E temos de aceitar as gozações de mau gosto de Hugo Chávez e os atos arbitrários de Evo Morales, curvando-nos aos fatos, engolindo nosso orgulho e tomando cuidado para, ao curvar-nos, não ficarmos em posição demasiado vexatória.