O presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), definiu o cenário resultante da denúncia do procurador-geral da república ao STF do seguinte modo: "O governo caiu, está indiciado; sobrou apenas a figura de um homem isolado e só, que é o presidente da República". O significado dessa constatação parece claro: o presidente da República perdeu praticamente todos os quadros com que contava para organizar sua campanha de reeleição e compor o governo em um eventual segundo mandato.
Em decorrência dos vários escândalos que atingiram o governo, Lula já conta com um gabinete de ministros de pouca expressão política e administrativa. Alguns são desconhecidos inclusive para ele próprio, aos quais foi apresentado no dia em que lhes deu posse. O presidente não tem ao lado dele nenhuma grande liderança nacional capaz de dar-lhe sustentação política suficiente. O apoio de políticos como o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) é de natureza pessoal. Sarney não lidera força parlamentar, regional ou empresarial de vulto.
Além das perdas que sofreu ao longo do processo do mensalão, Lula acaba de perder, por causa de outros escândalos ainda em exame, o ex-ministro Antônio Palocci e o ex-presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Jorge Mattoso. Ambos eram quadros altamente especializados para operar o financiamento de sua campanha e as composições com o setor empresarial. Palocci representava um seguro para a condução fiscal responsável da economia.
O quadro torna-se mais sombrio quando se sabe que o estrategista jurídico do governo, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos está com sua posição no cargo por um fio, sob suspeita de ter acobertado os implicados na invasão do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
Organização criminosa
O chefe do Ministério Público, procurador-geral Antônio Fernando de Souza,concluiu em sua denúncia ao STF que o "mensalão" existiu nos termos revelados pelo ex-deputado Roberto Jefferson e que ele consistiu numa "organização criminosa" que agia a partir do Palácio do Planalto Tal organização operava com base em três núcleos principais: o político-partidário, o publicitário e o financeiro. O elo entre os três núcleos era o publicitário Marcos Valério de Souza, a quem o procurador qualificou como "verdadeiro profissional do crime".
A finalidade do esquema, também segundo o procurador, era garantir a perpetuação do PT no poder. No centro dessa organização situava-se, tal como Jefferson proclamou, o ex-chefe da Casa Civil e homem forte do governo, José Dirceu, cujo mandato foi cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados sob a acusação de ter chefiado o esquema.
O presidente está teoricamente alcançado pela denúncia por vários motivos. Em primeiro lugar, porque a figura dele é indissociável do PT. Lula fundou o partido e ainda exerce o cargo honorífico de presidente de honra da legenda. O PT é ainda o eixo da sua base parlamentar de apoio no Congresso Nacional e a "perpetuação"ou a presença do PT no poder se deu pela eleição e posse de Lula e eventualmente a sua reeleição para mais quatro anos de mandato.
Disparo forte
A denúncia representa, portanto, o mais forte disparo contra o governo petista desde as revelações feitas pelo ex-presidente do PTB Roberto Jefferson. A investigação de Souza constatou a existência efetiva de um vasto esquema de suborno de líderes partidários e parlamentares, mediante o desvio de dinheiro público e apropriação de recursos estatais.
Ou seja, tratava-se de um sistema de suborno do Poder Legislativo pelo Poder Executivo, operado pelo partido com base no aparelhamento de máquina estatal, a fim de garantir maioria parlamentar para aprovar decisões legislativas de interesse do presidente da República. Não se conhece na história das democracias modernas um sistema de corrupção minimamente semelhante ao que foi relatado pelo procurador-geral da república ao Supremo Tribunal.
O documento do procurador-geral acusa, por isso mesmo, por diversos crimes, num rol de 40 pessoas, a ex-cúpula do Partido dos Trabalhadores (José Genoíno, Silvio Pereira e Delúbio Soares), e o que poderia ser classificado como o comando do chamado "núcleo duro" do governo Lula, expresso nas figuras dos ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken.
Gabinete envolvido
Em termos objetivos: praticamente todo o gabinete político-estratégico do presidente da República esteve diretamente ou indiretamente implicado em operações que redundaram nos crimes de corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato e evasão ilegal de divisas.
No último caso, acha-se o publicitário Duda Mendonça, o marqueteiro da campanha de 2002. Duda recebeu parte do pagamento por seus serviços ao PT e a Lula naquela campanha somente em 2003, já com o governo em curso, em dólares de origem não conhecida depositados em suas contas nos Estados Unidos e no paraíso fiscal das Bahamas.Trata-se de crime eleitoral grave, passível de perda do mandato e de cassação do registro partidário.
Resta saber agora que passo dará o presidente. O cerco sobre ele está se fechando rapidamente. É mais do que razoável esperar que Lula finalmente se pronuncie sobre fatos que deixaram de ser mera especulação, como ele sempre alegou, e deram base concreta para uma denúncia à mais alta corte de justiça do País.