Democracia retardada

Os caminhos para a democracia plena em implantação no Brasil foram retardados pelos ataques do crime organizado à sociedade e a seus defensores e pela conseqüente reação das autoridades. Tais caminhos, esburacados como as estradas que o governo tardiamente remenda, sem consertar, tornam-se intransitáveis quando facções criminosas organizadas, com extrema ousadia, provocam revoltas de detentos em diversos presídios, ataques a policiais, delegacias, ônibus e outros serviços que são expressões da sociedade organizada, seus escudos de defesa e sinais de que o sistema democrático organizado até certo ponto vinha funcionando, mesmo que precariamente, e progredindo, embora de forma lenta.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que a criminalidade é resultante de anos e anos e até mesmo séculos de injustiças sociais. Vínhamos conquistando a democracia política, mas não a econômica e a social, que se expressa por condições de vida digna para todos, empregos e remuneração suficiente para educar nossas crianças e não permitir que cresçam na escola do crime. Os ataques do crime organizado foram perpetrados por bandidos desalmados, que há não muito tempo eram crianças abandonadas, desatendidas, esfomeadas.

Os atrasos nos caminhos da democracia não se limitam aos ataques feitos pelos criminosos, paralisando São Paulo, a maior e mais importante cidade do País, e ainda várias outras do mesmo e poderoso estado, além de revoltas em penitenciárias de outras unidades da federação. Também as ações das autoridades, indescartáveis diante de tanta e tão ousada violência, contribuem para que fiquemos mais distantes da democracia com que sonhamos.

Nas reações armadas das polícias morreram mais de cem pessoas. As estatísticas imprecisas dizem que houve mais baixas entre os bandidos que entre os policiais, embora mais de quatro dezenas de defensores da lei tenham sido sacrificados. Mas há a possibilidade e quase a certeza de que, entre os demais mortos tidos como bandidos, estão também pessoas inocentes, alcançadas pela reação violenta motivada pelo dever a cumprir e pelo medo que fez com que as autoridades puxassem o gatilho de suas armas. Muitas vezes dispararam no impulso ou na urgência de salvar-se ou salvar vidas inocentes.

Outras pedras foram colocadas no caminho da democracia plena. Dentre elas uma, que nesta hora é difícil à população amedrontada e às autoridades flagradas em sua incompetência ou inação compreender. Nos referimos a providências como legislar obrigando empresas privadas a implantar, de afogadilho, providências que impeçam a comunicação, por telefones celulares, de bandidos presos com seus asseclas soltos.

Aí são feridos legítimos direitos de cidadãos, que, morando ou trabalhando próximos às prisões, têm telefones celulares e o direito de usá-los. Por esse meio, ao emudecer os bandidos, são emudecidos também cidadãos respeitáveis, retirando-lhes um inquestionável direito de comunicação.

Também avançam sobre direitos contratuais das empresas de telefonia, que não tinham, em seus contratos, a previsão de obrigações dessa natureza a seu próprio custo. Pedir-lhes colaboração numa hora difícil como esta é legítimo. Mas legislar dizendo que devem bloquear serviços de telefonia celular que prestam, e os equipamentos para tanto têm de ser obrigatoriamente doados ao governo, mais parece confisco.

Embora possa ser necessário, pode ser uma pedra no caminho da democratização e do desenvolvimento. Depois de rasgar contratos, proclamamos ao mundo que, no Brasil, pode ser temerário montar uma empresa ou aceitar a concessão de algum serviço público, pois podem os governantes decidir que isto, aquilo ou tudo deve ser doado ao governo, porque este é incapaz de defender a sociedade, o que é de sua obrigação e deveria ser ônus seu.

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