Nos últimos anos tem-se assistido a uma série de condutas políticas no âmbito da América Latina que destoam do que a ordem internacional e, conseqüentemente, as diversas ordens nacionais absorveram dessa, admite por Democracia.

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Esta constatação demonstra que a experiência histórica recente foi colocada de lado. Diz-se recente por tratar-se do período pós 2ª Guerra Mundial, em que, em razão dos horrores praticados, reconstruiu-se o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos. Na esperança de que as práticas dos estados totalitários não mais compusessem o dia-a-dia da ordem internacional.

Para os mais observadores uma outra característica assume esta experiência histórica: a da utilização do Direito, por meio de atos legislativos, para a convalidação da prática política. Oferecendo, desta forma, uma “legitimidade” por meio da jurisdicionalização de atos políticos.

Jurisdicionar atos políticos, de per si, não representa problema, todavia, necessário analisar o que se jurisdicionaliza, ou seja, o que se inclui na ordem jurídica nacional.

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Primeiro atente-se para o fato de que a inclusão ou a alteração legislativa compõe um quadro maior, no sentido de que devem estar em consonância com a ordem jurídica nacional.

Dentro desta, com maior destaque à esfera constitucional. E de modo mais específico aos princípios e cláusulas pétreas constitucionais. Segundo, a inclusão ou alteração exige que o interprete e aplicador do Direito Poder Judiciário reconheça a jurisdicionalização, caso contrário, representará mais uma letra morta na ordem jurídica.

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Terceiro, o exercício da atividade do Poder Judiciário presta-se como auxiliar da “vontade” da Constituição Federal e do exercício da ordem jurídica nacional como um todo inseparável e harmônico (e não, como querem fazer alguns, oposição ao Poder Executivo e Legislativo).

E, terceiro, a construção da ordem internacional, que sobremaneira foi absorvida pelos países latino-americanos e que guarda absoluta consonância com a Democracia e com os Direitos Humanos, também deve servir ou permanecer como parâmetro.

Desta maneira, evita-se o retrocesso histórico, o qual contribui somente para os interesses de uma classe com objetivos pessoais e eleitoreiros; e entrava o desenvolvimento sócio, econômico e social.

A Organização das Nações Unidas orienta que os Estados que lhe são signatários e os demais interessados devem estabelecer política incessante para a efetivação do Estado Democrático de Direito.

Este se caracteriza pela separação efetiva de poderes, sufrágio universal e respeito aos Direitos Humanos. Os poderes devem trabalhar de modo independente, mas harmonicamente na realização do bem estar social.

Este se encontra, normalmente, inscrito na Constituição Federal para que se preste a orientar todos os agentes políticos e em qualquer momento da vida política dos países.

O sufrágio universal insere a população nas decisões do país mediante a participação eleitoral, oferecendo a certeza de que o bem estar social será executado e legitimando a conduta política.

Os Direitos Humanos prestam-se ao elenco de uma série de Direitos que representam o mínimo existencial. Este rol, conforme a Organização dos Estados Americanos, é progressivo, ou sejam são tão básicos para a sobrevivência e desenvolvimento da humanidade que não podem ser reduzidos, somente apenas complementados. Por isto mesmo em algumas constituições estão elencados como Direitos Fundamentais e/ou Cláusulas Pétreas.

Esta construção internacional, bem como a constitucional, realizada por alguns países latino-americanos, produz um sistema completo para a proteção da sociedade na esfera preventiva e incidental, voltada ao desenvolvimento sócio, econômico e cultural.

Ocorre que esta construção para receber uma respeitabilidade, interpretação e aplicação conjunta e harm&,ocirc;nica necessita de uma visão de conjunto, no sentido de que um ato legislativo esteja em consonância com as demais espécies legislativas, destacando-se os princípios constitucionais, Direitos Fundamentais e Cláusulas Pétreas.

Esta sistemática deve ser estável e não corresponder as vontades eleitoreiras, ou seja, a mudança política não deve corresponder à alteração politizada – do sistema jurídico de uma nação. Apenas desta forma estará a salvo de condutas políticas, por meio do Direito, que afastem esta série de Direitos em detrimento do bem estar social.

Infelizmente não é o que temos acompanhado, já que a imprensa oferece-nos fartos exemplos de desrespeito aos princípios democráticos da ONU e dos próprios sistemas constitucionais nacionais: as alterações do sistema constitucional, para aumento e centralização do Poder Executivo, em detrimento do Poder Legislativo e Judiciário, na Venezuela, Colômbia e Bolívia; o controle da mídia na Argentina e Venezuela; o desrespeito à propriedade privada em todos estes países e também no Brasil, recentemente, uma vez mais, pelo Movimento dos Sem Terras; e, o uso do tradicional Direito Internacional Público para a consecução de interesses outros, que refletem negativamente sobre a esfera econômica e social, como são exemplos o caso Battisti, o caso Honduras e, mais recentemente, a votação, favorável ou contrária, à inclusão da Venezuela ao Mercado Comum do Sul – Mercosul.

Em todos estes casos percebe-se a usurpação do Direito ou a sua proposital ineficácia para o alcance de interesses meramente políticos, afastados do bem estar social.

Afinal de contas, desequilibrar os poderes institucionais, afastar os agentes econômicos, limitar a liberdade de imprensa, apoiar estas mesmas práticas em outros países, favorece o desenvolvimento sócio, econômico e cultural das respectivas sociedades?

Destruir a possibilidade do debate efetivamente aberto é condizente com a ordem pública? Afastar-se dos Direitos Humanos, ainda que com a desculpa de favorecer os mesmos, é condizente com os interesses sociais?

Promover alterações na ordem jurídica nacional, em dissonância com ela mesma e com a ordem internacional, favorece o quê ou a quem? As respostas a estas perguntas direcionam-se à politização, quando deveriam se direcionar a ordem pública ou ao bem estar social ou aos Direitos Humanos.

Em que pesem estas constatações, tem-se a esperança de que os países latino-americanos ofereçam respostas à sociedade de maneira condizente com a construção de décadas em prol da Democracia e dos Direitos Humanos, destacando-se as atividades da ONU e da OEA.

E mais, espera-se que estes países reconheçam que o crescimento social apenas é possível de modo concomitante com o desenvolvimento econômico e este por ser promovido primordialmente pelo particular deve guardar respeito aos interesses da iniciativa privada (princípio da segurança).

É necessária sabedoria e vontade política dirigida ao bem estar social para se constituir uma parceria entre os interesses públicos e privados, em que os governos satisfaçam os interesses sociais com maior qualidade e qualidade, enquanto que a iniciativa privada lucre, tendo por respeito o Direito, e sendo sujeito ativo do desenvolvimento sócio, econômico e cultural. Cabe ao Direito, por meio de seus agentes (acadêmicos, advogados, magistrados, legisladores e sociedade) participar da promoção desse desenvolvimento.

Neste momento, mais do que nunca, principalmente com relação à Venezuela e ao Mercosul, necessário que os Países da América Latina e as Organizações Internacionais, sempre em destaque a OEA, saiam do silêncio e se posicionem em prol da Democracia e dos Direitos Humanos.

Patrícia Luciane de Carvalho é advogada e professora de Direito Internacional em São Paulo.