O óbvio não raro escapa, sendo necessário que algum observador mais atento lance alerta.

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No julgamento do habeas corpus impetrado em favor de Daniel Dantas (HC 95.009-4), o Supremo Tribunal Federal trouxe questões que a sociedade, aparentemente, esqueceu: é “o Estado de direito que viabiliza a preservação da prática democrática (…).

Aqui e ali, no entanto (…), o Estado de direito tem sido excepcionado, com o que o direito de defesa resulta sacrificado.

Pois é disso que se trata, na raiz, quando cogitamos do Estado de direito: direito de defesa” (Ministro Eros Grau).

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Depois de mais de vinte anos sob baionetas, a sociedade brasileira fez firme opção pela democracia, o que significa respeito a valores maiores, retratados na Constituição, dentre eles a prevalência das garantias fundamentais dos cidadãos sobre o arbítrio estatal, com o reconhecimento de que o bem-estar comum, necessariamente, passa pelo respeito incondicional aos direitos individuais. O sistema de direitos individuais é, portanto, sistema de garantias contra o Estado, limitadoras do exercício de seu poder contra qualquer indivíduo.

O que se acaba de afirmar causa surpresa apenas àqueles que esquecem que a idéia de Estado de Direito nasce na Inglaterra, em 1215, exatamente pela imposição de limites ao poder do soberano.

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A Magna Carta dotava os súditos, transmudados ali em cidadãos, de mecanismos de reação, de instrumentos de defesa contra a possibilidade ilimitada de intromissão do monarca nas suas vidas.

O STF, noutra oportunidade (HC 91.386), lançou que “o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental”.

De fato, quanto menos é respeitado o Direito de Defesa, mais próxima a sociedade está do arbítrio do poderoso da vez, que, autoritariamente, se arvora monopolista das virtudes todas, em contraposição aos “outros”, apresentados de forma maniqueísta como “inimigos”.

Aqui o problema se entrecruza com outra viga mestra do Estado Democrático de Direito que é o respeito às instâncias de representação popular e decisão política do Estado, que impede que agente público, seja ele reles beleguim, alto funcionário ou até magistrado proclame-se “comissário do povo” e, a serviço ou em nome dos pretensos anseios deste, dos quais se fez intérprete, passe a praticar todo tipo de arbítrio contra os “inimigos” que elegeu.

Por outro lado, quanto maior é a possibilidade de reação do indivíduo à sanha do Estado, tanto maior será o respeito aos ideais democráticos, afastando-se a sociedade de messianismos perigosos que, tanto na Alemanha hitlerista, como na Ilha castrista, não por acaso, sempre identificaram o exercício do Direito de Defesa à impunidade, com o desiderato de disfarçar a colocação de cabresto na cidadania.

Hoje, vinte anos depois daqueles vinte de ditadura, ao desprestigiar o Direito de Defesa, caminhamos, entorpecidos, para longe do Estado de Direito e da democracia, em direção à nova forma de ditadura.

A sociedade brasileira, hipnotizada pelo sebastianismo de alguns juízes e de parte do Ministério Público, ofuscada pelas operações midiáticas da Polícia Federal, admitiu ver-se transformada em “grampolândia”, batendo palmas para a utilização indiscriminada de algemas, para a decretação de infundadas prisões temporárias a mancheias e para a invasão de domicílios em buscas que parecem assaltos militares a posições inimigas.

Não contiveram muitos sorriso diante da vedação a advogados – para suprimir o Direito de Defesa – de acesso a autos de inquéritos policiais, rendendo loas àqueles que gritavam pelo fim da “impunidade” que, num discurso autoritário, favoreceria os mais abastados.

O que não se notou é que foi o Francenildo que teve seu sigilo violado, que foi um dentista paulista que, indevidamente confundido com “doleiro” na operação que levou à manifestação do STF que abre este texto, teve seu consultório invadido, seus instrumentos de trabalho apreendidos, sua intimidade devassada, a demonstrar q,ue a violência contra o rico posto em ferros não favorece o respeito aos direitos dos brasileiros todos.

Agora, lançado o alerta candente por nossa Suprema Corte, não há mais desculpa. Fomos lembrados de que o maltrato ao Direito de Defesa significa abandono do Estado de Direito e opção pelo autoritarismo.

É disso que se trata, quando se pede respeito ao Direito de Defesa: uma opção radical pela preservação do Estado de Direito, sem o que a democracia não resiste.

Flávia Rahal e Roberto Soares Garcia é presidente e vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD.