Publicada pelo ?Correio do Povo? de Porto Alegre quando foi noticiado o Prêmio Apesul –  Revelação Literária, 1978, conferido a Afif Jorge Simões Filho, a defesa de um agricultor que havia feito, em 1966, em verso, e que tornou a ser publicada em 7 de junho de 2002, pela ?Gazeta de Caçapava?. No seu livro Em nome do pai (Porto Alegre, Ed. do Autor, 2004), Afif Jorge Simões Neto relata que entre as três defesas em verso, feitas pelo seu pai, essa é a mais conhecida. ?Teve como protagonista um modesto agricultor que residia no interior de São Sepé, juntamente com seu irmão ? menor de idade ? em companhia do pai viúvo. Certa noite, os dois irmãos foram caçar tatus e, ao voltarem da caçada, passaram por uma lavoura de um vizinho e agarraram algumas batatas, que levaram para casa. Descoberto o deslize, o então jovem colono foi processado na Comarca de São Sepé, sendo que seu irmão, por ser menor, respondeu a processo especial. Como o acusado não tinha dinheiro para pagar um advogado, o juiz de Direito nomeou o pai para fazer a defesa. Condenado em primeira instância, a absolvição do réu somente ocorreu em sede de recurso?.

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A Defesa

Voltando duma caçada,

Dentro da noite silente,

O acusado João Vicente

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Cometeu a insensatez

De agarrar umas batatas,

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Numa lavoura lindeira,

Furtando pela primeira vez

E também última vez.

E? de bons antecedentes,

Como a defesa supunha,

Pois não falta testemunha

Que lhe abone o proceder.

E? um índio de pouca prosa,

Honesto, simples, pacato,

Que  mora à beira do mato,

Plantando para viver.

Mas todos têm o seu dia

De culo como lá diz.

E o índio pobre e infeliz,

Tentado por Satanás,

Põe nos bolsos as batatas

(De vinte a trinta, calculo),

E no seu dia de culo

Foi descoberto no más.

E foi um deus-nos-acuda!

Seu quarto foi revistado,

Veio um sargento fardado,

Com pose de general.

E João Vicente Pacheco,

Pacato, simples, honesto,

? O filho do seu Modesto,

Foi processado afinal.

E agora aqui me concentro

Nestas linhas sem beleza,

Para fazer a defesa

De tão pequeno ladrão.

Abro os códigos da lei,

Como se diz lá por fora,

E peço sem mais demora

A sua absolvição.

João Vicente é inocente

E não merece condena.

Ele está isento de pena

Pelo Código Penal.

Pois nestes tempos modernos,

De roubo e negociatas,

Quem furta trinta batatas

E? um retardado mental.

Ou então basta uma multa,

Porque o furto praticado,

De tão pequeno e minguado,

Cabe em dois bolsos normais.

Que importa à parte lesada,

Mesmo pobre em bens terrenos,

Umas batatas a menos,

Umas batatas a mais?

Por falta de dolo ou culpa

Que o crime caracterize,

Deixe passar o deslize

Até sem multa, Doutor!

Vossa Excelência é sensível

Tem sentimento e grandeza,

E a maior batata inglesa

Não vale um gesto de amor.

Cecilia Zokner é doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Bordeaux, França.  Assina a coluna Literatura do Continente no caderno Almanaque deste O Estado.