No livro em que deixa testemunho sobre o pai, Jorge Afif Simões Neto, juiz de Direito em Porto Alegre, faz constar parte da valiosa produção poética de Afif Jorge Simões Filho, entre a qual se incluem os poemas que, designado pelo juiz para fazer a defesa de réus sem condições de pagar um profissional, então, escreveu. Em 1959, como relata seu filho no livro que lhe dedica, Em nome do pai (Porto Alegre, Ed. do Autor, 2004), defendeu Egídio Rodrigues Siqueira: ?Estava trabalhando numa empreitada na Serra e, quando voltou para casa, embrabeceu com a esposa, pois esta, valendo-se de sua ausência, fez diversas compras supérfluas numa venda do segundo Distrito de São Sepé, que ficaram muito além das possibilidades financeiras do réu. Foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 129, ?caput?, do Código Penal, com a agravante de haver também espancado um filho de oito anos. Eis a defesa:
Mais uma cena de briga,
Entre um casal de campanha
Mais um marido que espanca
Mais uma esposa que apanha.
O réu espancou a esposa,
Porque esta, na sua ausência,
Fez uma conta comprida
No bodegão da querência.
Ao regressar da empreitada,
Todo saudoso e folheiro,
Caiu de costas ao ver
As notas do bodegueiro.
Eram brincos e tetéias,
Riscado, lenço e chapéu,
Para os parentes da esposa
Tudo por conta do réu.
Como da plata que trouxe
Não lhe sobrasse um vintém,
Egídio exemplou a esposa,
E, agindo assim, agiu bem.
Quem de nós não quis um dia,
Com a esposa gastadeira,
Fazer o mesmo que fez,
O réu Egídio Siqueira.
E? bruto cortar arroz,
Metido no lodaçal,
E deixar todo o salário
No bolicho do Sinval.
Tá certo que se gastasse
Com erva, farinha e pão,
Mas não com brinco de orelha
E coisas sem precisão.
Mas a esposa arrependeu-se,
Conforme disse ao depor,
De haver trazido à justiça
O marido espancador.
Se ela se diz conformada,
E arrependida da queixa,
Não vamos dizer: prossegue
Quando ela mesma diz: deixa.
Pobre réu. Estou convicto
De sua santa inocência.
Mas que aproveite e aprenda
Esta lição de experiência.
Se outra vez surrar a esposa
(Este é o pedido que eu faço),
Que surre de manso e de leve,
Sem deixar sinal do laço.
Ou então que surre forte,
Com toda a força e vontade,
De modo que ela nem possa
Vir dar parte na cidade.
Cecilia Zokner é doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Bordeaux, França. Assina a coluna Literatura do Continente no caderno Almanaque deste O Estado.