Quem esperava uma recepção pouco expressiva para o papa Bento XVI, em sua chegada ao Brasil, surpreendeu-se com o entusiasmo popular e a mobilização em torno da importante visita. Pouco antes do início da viagem papal foi feito em Roma um comentário público, por um órgão de imprensa, assegurando que ele não seria bem-vindo entre nós. Obnubilaria sua presença a lembrança de João Paulo II, o papa polonês que por quatro vezes esteve no Brasil e tornou-se conhecido e popular por seu carisma e simpatia. Este é um papa alemão e embora aqui tenhamos expressiva e operosa colônia alemã, como a temos de poloneses, tinham nos vendido a imagem de um chefe da igreja severo, rigoroso, fechado, de poucos sorrisos e implacavelmente dogmático.
Em primeiro lugar, a imagem feita do Santo Padre não era correta. De fato, é um homem tímido e sensível, ligado à música e fiel aos dogmas da igreja. Um conservador, como seu antecessor, talvez sem tanto carisma, mas de igual simpatia.
O brasileiro, atualmente passando por situações desesperadoras de violência, corrupção, baixo desenvolvimento, desemprego, problemas de saúde e uma infinidade de males, estava ansioso pela presença de alguém como o pontífice que significasse fé, retomada aos caminhos da religião e o presente maior que é a sagração do primeiro santo brasileiro.
A chegada do papa foi triunfal. Sua viagem é pastoral. Sabe que a religião católica vem perdendo fiéis em toda a América Latina, embora neste continente continue sendo a que tem o maior rebanho. A difusão da fé é seu principal intento e a condução da abertura da conferência de bispos da América Latina e do Caribe em Aparecida será, por certo, a oportunidade de iniciarem-se trabalhos e campanhas visando a recuperação do terreno perdido. Mas enganam-se os que pensam que problemas como o celibato clerical, o papel da mulher na igreja, sua luta contra os anticoncepcionais, a insistência na virgindade como virtude a ser guardada até o casamento, a proibição de segundas núpcias e outras posições consideradas em desacordo com os novos tempos serão agora ou a partir desta visita resolvidos.
Nem serão abordados senão pela rama, pois este, como o papa antecessor, são conservadores e fiéis às posições mais dogmáticas da Igreja Católica. De progresso, verifica-se apenas alguma condescendência com posições que foram defendidas pela Teologia da Libertação, que no Brasil ganhou adeptos e mártires.
Uma única posição foi firmada e confirmada pelo papa Bento XVI já a bordo do avião que o trazia de Roma a São Paulo e, depois, nos curtos discursos que fez à chegada e no Mosteiro de São Bento. A Igreja Católica defende a vida e por defendê-la, pois a entende como pertencente a Deus, é contra o aborto e a eutanásia. Aí, choca-se com muita gente, inclusive do governo Lula, cujo ministro da Saúde considera o problema do aborto um problema de saúde pública. E Lula repete seu ministro.
Há de se compreender que, ouvidos os latino-americanos e caribenhos, muita coisa passe a ser debatida na igreja e venha, com o tempo, a ser modificada. Mas posições de defesa à vida, contra o aborto e a eutanásia, são inamovíveis e a tal ponto as defende o papa que chegou a recomendar a excomunhão dos políticos que votarem a favor de leis pró-aborto, o que já vem acontecendo na Itália, no México e já é assunto que se move nas entranhas do governo e do parlamento brasileiros. As mudanças na igreja a pretexto nenhum se farão rapidamente, de afogadilho. Muito menos as que signifiquem outorgar aos falíveis homens o direito de decidir sobre a vida.