Falar de defensoria pública nos remete necessariamente aos direitos fundamentais do cidadão. Nesse sentido, a defensoria pública é um pressuposto constitucional para o acesso ao direito é à Justiça, mormente em sociedades semiperiféricas como é o caso do Estado brasileiro. Ou seja, em sociedades onde as desigualdades são gritantes, onde o cidadão na sua grande maioria é desprovido de recursos materiais para o pagamento de honorários de advogado, a existência de uma instituição que possibilite o acesso ao direito e à Justiça é indispensável para a proteção efetiva dos direitos constitucionais do cidadão. Por isso, a sua institucionalização concreta se traduz numa obrigação inafastável da União e dos estados membros, sob pena de não sendo realizada comprometer a própria efetividade do Estado Democrático de Direito, quer em nível federal quer em nível estadual. Teste sintomático para que se investigue a existência concreta da defensoria pública em nível federal diz respeito à instalação desses órgãos nas capitais e nas principais cidades de cada estado. Aqui, a existência da defensoria pública ainda deixa a desejar, máxime porque, tirante as capitais, não a encontramos nas principais cidades de cada estado da Federação uma instalação concreta e operante da Defensoria Pública da União. Diga-se que quanto à Defensoria Pública da União, apesar dos esforços dos seus membros, ainda há muito a ser realizado para a sua total concretização, máxime no que diz respeito ao número de defensores públicos federais necessários ao bom desempenho desta importante função indispensável ao exercício da jurisdição. Mas, se na esfera federal há um forte de déficit material e humano, na esfera estadual encontramos estados que nunca fizeram um único concurso de provimento de cargos de defensor público depois da promulgação da Constituição da República de 1988, como é o caso do Estado do Paraná. Pasmem! Com quase vinte anos de existência político-jurídica da Constituição de 1988 e o Estado do Paraná permanece se omitindo em cumprir os mandamentos constitucionais decorrentes do seu artigo 134 e parágrafos. Tal omissão constitucional não é atribuível apenas ao governo vigente do Estado do Paraná, mas em verdade resultante do somatório de todos os governos anteriores que teimaram em não dar efetividade a tão destacado mandamento constitucional. E não adianta a atual administração estadual afirmar que a Defensoria Pública do Estado do Paraná está funcionando na capital do Estado ou em poucas cidades, se é que realmente está, pois para que possa existir em toda a sua significação constitucional deve responder ao seguinte questionamento: existe defensor público concursado em cada uma das comarcas paranaenses? Por exemplo, se um cidadão hipossuficiente, residente na Comarca de Cantagalo ou de Laranjeiras do Sul, cidades do interior do Paraná, precisar de assistência de defensor público concursado, como deverá proceder para que seja recebido por este funcionário público especial, na verdade, um agente político? De fato, esse cidadão ficará desamparado juridicamente, pois não existem defensores públicos nestas comarcas simplesmente porque não foi realizado um único concurso público pelo Estado do Paraná até hoje para o devido provimento destes cargos. Quer dizer, se o cidadão necessitado financeiramente, de uma dessas cidades, precisar ajuizar uma ação de responsabilidade civil contra o Estado ou uma ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, exemplos de pretensões judiciais mais corriqueiras, não poderá contar com a existência estruturada de Defensoria Pública Estadual. E é isso que ocorre todos os dias nestas comarcas, porquanto os cidadãos são alijados deste direito subjetivo de índole constitucional de ter o assessoramento jurídico de profissional concursado e pago pelo Estado. Nos casos de cidadãos processados penalmente, a situação é ainda mais dramática, tendo em conta que a falta de defensores públicos dá ensejo a denominada e malfadada constituição de advogado ad hoc, a saber, a defesa incidirá na pessoa de algum advogado da comarca por despacho do juiz de direito. Como se sabe esse tipo de constituição causa efeitos deletérios ao andamento do processo, mormente porque o defensor ad hoc não conta com as prerrogativas institucionais de defensor público, que inclusive tem o poder de requisição em face de órgãos públicos, o que traz grande efetividade às garantias constitucionais do acusado. O defensor público com tais prerrogativas tem um escudo institucional para o melhor desempenho de seu munus público, situação jurídica completamente diversa do defensor ad hoc, em realidade, um advogado, que muitas das vezes aceita a indicação do juiz da comarca por simples deferência àquela autoridade judicial, fazendo com a sua atuação processual seja tão somente formal. Pense-se no caso de abusos praticados pela autoridade policial, pelo juiz ou mesmo pelo promotor de justiça numa comarca do interior. Como agirá um defensor ad hoc em face do conhecimento desses abusos? Provavelmente se omitirá, não por má-fé, mas em virtude do receio de sofrer retaliações e perseguição na comarca onde atua como advogado. Lembremos que os advogados em tais comarcas ganham seu pão de cada dia com os honorários pagos pela sua clientela e não através de nomeações ad hoc. Ou seja, neste panorama de omissão do Estado do Paraná, o cidadão paranaense ao buscar um defensor público não tem outra alternativa senão questionar de forma perplexa: Defensoria Pública do Estado do Paraná, cadê você? Cadê um defensor público para assistir a minha pessoa? Como este cidadão é desprovido de recursos materiais, terá que se resignar com a fulminação dos seus direitos ou contar com a boa vontade de algum advogado que se proponha a aceitar a sua causa mediante patrocínio gratuito, mas aí sem garantias institucionais que um defensor público teria.

continua após a publicidade

Frente a este de quadro de omissão estatal, oxalá que o atual governo do Estado do Paraná tome tempestivamente as providências cabíveis a sanar tal injusta situação, determinando, assim como o fez historicamente e recentemente o Estado de São Paulo, a organização do primeiro concurso de provas e títulos para provimento de cargos de defensor público, tudo a bem do respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos hipossuficientes deste Estado da Federação. Lembremos, por derradeiro, que o compromisso com a estruturação da Defensoria Pública do Estado do Paraná em todas as suas comarcas é uma imposição da Constituição Federal e Estadual paranaense e do próprio Estado Democrático de Direito, máxime quando concretizado no princípio universal da dignidade da pessoa humana. Sem esta estruturação e concursos para cargos de defensor público, muito pouco de Estado Democrático de Direito teremos aqui.

Francisco da Cunha e Silva Neto é advogado em Curitiba, pesquisador e mestre em Direito.

continua após a publicidade