Imagine o que será de uma criança que desde sua tenra idade aprende que o importante nesta vida é estar em evidência não importando o que tenha que fazer para isso. E que o caminho mais indicado é usar seu corpo como moeda de troca. Que aprende que negros, idosos, gays, mulheres, intelectuais e trabalhadores braçais só têm como função neste mundo servir de mote para piadas chulas. E que mais valem cinco minutos de fama que uma vida dedicada ao aperfeiçoamento pessoal ou profissional. É algo no mínimo aterrorizante para as novas gerações, não? Pois é. E é justamente o que vem acontecendo com nossas crianças há bastante tempo.
Bastam cinco minutos assistindo A Turma do Didi, Xuxa, Escolinha do Barulho, A Praça é Nossa, Big Brother e vários outros, para ver a quantas anda o respeito dos responsáveis pela programação de nossa tevê aberta com os ?baixinhos?, também um termo à altura dos valores éticos de quem o criou.
Óbvio que o que move a TV é o ibope, sinônimo de sucesso comercial. O problema é como se busca esse ibope. E aí a senhorita tal fez ?sucesso? no Big Brother ao simular uma relação sexual com o rapaz tal e vira musa nacional. Nem bota o pé fora do programa e já está na capa da Playboy, no Faustão, Fantástico e… nos programas infantis. Logo estreará um show patrocinado pelas sandalinhas, roupas e cadernos com a marca da nova estrela. Depois é só esperar pelo concurso que vai eleger a criança sabrininha ou a poneizinha pocotó. Aguardem nossa próxima atração! E lá se vão mães e pais fazer fila para levar sua propriedade para tentar a sorte grande.
Os ?gênios? da tevê brasileira ganham milhões para fazer sempre o mesmo: elegem um muso ou musa e depois criam tudo que é programa para encaixá-los e explorar até a última gota o produto que têm em mãos. E o caminho mais fácil é jogá-lo ás crianças, vítimas indefesas dos lobos de plantão, que em muitos casos incluem seus próprios pais e (ir)responsáveis.
O mais intrigante de tudo é o porquê de se escolher só esse caminho. Pois, vejamos, há poucos e bons exemplos de atrações infantis que respeitam a integridade infantil, são inteligentes, bem elaborados e dão ótimas audiências. Um deles, o Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, que ganhou prêmios internacionais e fez tanto sucesso que virou filme. Outro, O Sítio do Pica-Pau-Amarelo, que marcou época na TV nos anos 70 e que está sendo reproduzido na Globo, com o porém de estarem aos poucos deixando a obra imortal de Monteiro Lobato de lado e enfiando nas tramas cada vez mais as tais musas siliconadas. E, principalmente, o mexicano Chaves, que o SBT vem reprisando há décadas e que continua batendo atrações globais contratadas a peso de ouro. A criação de Roberto Gómez Bolaños tem um humor aparentemente ingênuo, mas tão engraçado que encanta gerações e gerações em vários países. Trata-se de uma produção baratíssima, mas extremamente inteligente na concepção. No programa não há mulheres e homens seminus ou crianças fazendo papel de adultos. Ao contrário, são adultos que fazem papel de crianças, crianças de verdade, sem a maldade, a hipocrisia e as perversões dos adultos.
Douglas de Souza (domingo@parana-online.com.br) é editor de Cidades e do Jornal da TV de O Estado.