De início, cumpre esclarecer que o que está estipulado no Decreto n.º 7.037/2009 não vincula, até o presente momento, o cidadão, posto que tão somente estabelece programas de ações a serem desenvolvidos pelos ministérios a que faz menção, razão pela qual qualquer determinação no sentido de se impor suas diretrizes estipuladas viola a lei e a própria Constituição.
Todavia, se o novo Programa Nacional de Direitos Humanos, criado através desse Decreto for aprovado, possibilitará a interferência governamental no agronegócio brasileiro, através de diretrizes e ações programáticas a serem desenvolvidas pela atuação conjunta dos ministérios e secretarias.
Dentre as maiores violações preconizadas no programa proposto, pode-se destacar o caput e o inciso XXII do Artigo 5.º da Constituição, que garantem o direito de propriedade.
Na prática, a Diretriz 17 do PNDH trata da promoção de sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, para o conhecimento, a garantia e a defesa dos direitos, que impedirá que o Poder Judiciário seja acionado de pronto para restabelecer a ordem, no caso de invasão de determinada propriedade.
Pelo disposto nas letras “c” e “d”, se merecerem aprovação, tem-se o absurdo de aguardar antes do ingresso no Judiciário, providências do ministério da Justiça ou do Desenvolvimento Agrário.
Neste sentido, busca-se, conforme previsto na letra “c”: “promover o diálogo com o Poder Judiciário para a elaboração de procedimento para o enfrentamento de casos de conflitos fundiários coletivos urbanos e rurais”; e na letra “d”: “propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos, com a presença do Ministério Público, do poder público local, órgãos públicos especializados e Polícia Militar, como medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos.”
Vê-se que o decreto viola não só o direito à propriedade, mas também a livre iniciativa, a ordem econômica e a política agrícola e fundiária. Assim, nos casos dos artigos 170 e 186 da Constituição Federal, a reforma do texto constitucional somente será possível através da elaboração de emendas constitucionais.
Já com relação ao direito de propriedade, estabelecido pelo artigo 5.º da Constituição Federal, este só poderá sofrer alterações se for criado um novo Poder Constituinte Originário, o qual promulgará uma nova Constituição da República, tendo em vista que o direito à propriedade, por ser um direito fundamental, é cláusula pétrea (art. 60, parágrafo 4.º, inciso IV, da CF/88), impossível de ser reformada pelo Poder Constituinte Derivado ou Reformador.
O direito à propriedade é também reconhecido e assegurado pela legislação ordinária. Para o caso em questão, é interessante frisar a regra do artigo 1.210 e parágrafos, do Código Civil, que permite ao proprietário utilizar-se do desforço pessoal em casos de turbação ou esbulho de sua propriedade.
Assim, mais uma vez torna-se clara a contrariedade entre as ações programáticas previstas no Decreto, com as normas que regem a matéria em nossa legislação pátria.
Se o proprietário pode utilizar-se de seus próprios meios para defender sua propriedade em casos de turbação e esbulho, sentido não há para que o Poder Público ponha obstáculos no ajuizamento das ações possessórias, dificultando o acesso ao Judiciário.
Não bastassem as ações possessórias e o desforço pessoal garantidos pela legislação civilista, concede a lei a proteção penal à posse esbulhada, nos termos do Código Penal, que dispõe que “suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”, é passível de pena de detenção de um a seis meses, além de multa (Artigo 161 do Código Penal).
O parágrafo 1.º do mesmo artigo prevê ainda que incorre na mesma pena quem “invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório”.
Se a conduta para qual se preconiza uma audiência prévia de conciliação está definida como crime e apenada pelo Estatuto, assegurando o direito de propriedade à pessoa, é sem dúvida, uma iniquidade pretender uma composição entre o agressor criminoso e a vítima inocente perante os órgãos governamentais a serem criados, porque atualmente nem existem.
Plagiando um jurista paulista, de forma concisa: “O plano é tão ruim que melhor é que se lhe ateie fogo antes de novas edições, e se repetidas, que faça o mesmo com a sua autoria”.
Nesta breve análise, pode-se concluir que o Decreto que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos estabelece diretrizes e propõe ações que afrontam totalmente as normas do ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo, as da Constituição Federal, inclusive o direito fundamental à propriedade.
Diamantino Silva Filho é advogado e professor de Direito Agrário. www.diamantino.adv.br