O Ministério do Trabalho e Emprego divulgou a ?Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Eqüitativa, 2008?, adotada pela conferência anual da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, datada de 10 de junho. É a terceira declaração da OIT em 89 anos, aprovada por consenso depois de debates preliminares com duração de cerca de um ano entre os 182 países membros. Segundo o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, ?as demandas do mercado estão mudando, e esta declaração mostra nossos esforços para gerar respostas através da Agenda de Trabalho Decente?.
A Organização Internacional do Trabalho ?é uma agência multilateral ligada a Organização das Nações Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho e proteção social. É a única com estrutura tripartide, na qual os representantes dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo. Uma das principais funções da entidade desde a sua criação, em 1919, é a de elaborar as normas internacionais do trabalho sob a forma de Convenções e Recomendações que valem como fonte do Direito do Trabalho?.
O relator da declaração, o brasileiro Sérgio Paixão, coordenador de assuntos internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, afirmou que a declaração ?é uma espécie de guia para as próximas gerações, e certamente terá impacto direto nas condições de trabalho de milhões de homens e mulheres de todo o mundo. Ela traz obrigações políticas a todos os Estados Membros da OIT, tendo em vista que sua adoção foi por consenso.?
A Declaração, enfaticamente, assinala o centro das preocupações da OIT ao afirmar que o alvo das ações estratégicas da entidade se endereça ao ?pleno emprego produtivo e o trabalho decente como elemento central das políticas econômicas e sociais?. A Declaração, deste modo, se torna um instrumento eficiente e atualizado para o avanço das tarefas das entidades representativas dos empregados e empregadores, em conjunto com as ações de governo. A efetiva participação da delegação do Brasil na Conferência, com a presença do ministro Carlos Lupi, e a relatoria da Declaração, assim como a imediata divulgação do texto da Declaração, ensejam a certeza de uma aplicação do texto nas ações tripartides em nosso país.
Dada a importância da Declaração, a divulgamos em sua íntegra, sem comentários adicionais, iniciando com a parte das considerações sobre o contexto atual da globalização e o papel fundamental da OIT , as análises sobre trabalho decente, desenvolvimento sustentável e a intensificação das ações e esforços da entidade. Na parte final, o texto da Declaração. Na próxima edição do ?Direito e Justiça?, divulgaremos os itens referentes ao método de aplicação e regras de seguimento (informações do site www.diap.org.br).
Contexto atual da globalização
?A Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Genebra durante sua 97.ª reunião, considerando que o contexto atual da globalização, caracterizado pela difusão de novas tecnologias, a circulação das idéias, o intercâmbio de bens e serviços, o crescimento da movimentação de capital e fluxos financeiros, a internacionalização do mundo dos negócios e seus processos, do diálogo bem como da circulação de pessoas, especialmente trabalhadoras e trabalhadores, transforma profundamente o mundo do trabalho:
– por uma parte, o processo de cooperação e integração econômicas têm contribuído a beneficiar certo número de países com altas taxas de crescimento econômico e de criação de empregos, a integrar um número de indivíduos pobres da zona rural na moderna economia urbana, a elevar seus objetivos de desenvolvimento e a estimular a inovação na elaboração de produtos e circulação de idéias;
– por outra parte, a integração econômica mundial tem confrontado muitos países e setores com grandes desafios no tocante à desigualdade de ingressos, à persistência de níveis de desemprego e pobreza elevados, a vulnerabilidade das economias diante das crises externas e o aumento, tanto do trabalho precário como da economia informal, que têm incidência na relação de trabalho e na proteção que esta pode oferecer;
Reconhecendo que, nestas circunstâncias, faz-se ainda mais necessário obter melhores resultados, equitativamente distribuídos entre todos com o fim de responder à aspiração universal de justiça social, alcançar o pleno emprego, assegurar a sustentabilidade das sociedades abertas e da economia mundial, conquistar a coesão social e lutar contra a pobreza e as desigualdades crescentes;
Papel fundamental da OIT
Com a convicção de que a Organização Internacional do Trabalho desempenha um papel fundamental na promoção e conquista do progresso e da justiça social num entorno em constante evolução:
– sobre a base do mandato contido na Constituição da OIT, junto com a Declaração de Filadélfia (1944), que continua plenamente pertinente no século XXI e deveria inspirar a política de seus Membros, e que, dentre outros fins, objetivos e princípios:
– afirma que o trabalho não é uma mercadoria e que a pobreza, onde houver, constitui um perigo para a prosperidade de todos;
– reconhece que a OIT tem a solene obrigação de promover entre as nações do mundo, programas próprios que permitam alcançar os objetivos do pleno emprego e a elevação do nível de vida, um salário mínimo vital e a extensão das medidas de seguridade social para garantir ingressos básicos a quem precise, junto com os demais objetivos enunciados na Declaração da Filadélfia;
– recomenda à OIT examinar e considerar, à luz do objetivo fundamental de justiça social, todas as políticas econômicas e financeiras internacionais;
– com base e reafirmando a Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho (1998), em virtude da qual os Membros reconhecem, no cumprimento do mandato da Organização, a importância dos direitos fundamentais, a saber: a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito da negociação coletiva, a eliminação de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação;
Trabalho decente
Estimulada pelo reconhecimento da comunidade internacional de que o trabalho decente é um meio eficaz de enfrentar os desafios da globalização, levando em consideração:
– os resultados da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague em 1995
– o amplo apoio, reiteradamente manifestado nos planos mundial e regional, à favor do conceito do trabalho decente formulado pela OIT, e
– a adesão de Chefes de Estado e de governo na Conferência Mundial das Nações Unidas de 2005 a favor de uma globalização eqüitativa e dos objetivos do produtivo e pleno emprego e o trabalho decente para todos, como metas prioritárias a suas políticas nacionais e internacionais concernentes;
Desenvolvimento sustentável
Com a convicção de que em um contexto mundial marcado por uma interdependência e complexidade crescentes, assim como pela internacionalização da produção:
– os valores fundamentais de liberdade, dignidade humana, justiça social, seguridade e não-discriminação são essenciais para um desenvolvimento e uma eficácia sustentáveis em matéria econômica e social;
– o diálogo social e a prática do tripartismo entre os governos e as organizações representativas de trabalhadores e de empregadores, tanto no plano nacional como internacional se tornam ainda mais vigentes para alcançar soluções e fortalecer a coesão social e o Estado de direito, entre outros meios, mediante as normas internacionais do trabalho;
– a importância da relação de trabalho deveria ser reconhecida como meio de oferecer proteção jurídica aos trabalhadores;
– as empresas produtivas, rentáveis e sustentáveis, junto com uma economia social sólida e um setor público viável, são fundamentais para um desenvolvimento econômico e oportunidades de emprego sustentáveis e,
– a Declaração tripartite de princípios sobre as empresas multinacionais e a política social (1977) revisada, que aborda o crescente papel desses atores na consecução dos objetivos da Organização, continua sendo pertinente.
Intensificar esforços e ações
Reconhecendo que, face aos atuais desafios, a Organização deve intensificar seus esforços e mobilizar todos seus meios de ação para promover os objetivos constitucionais e, para assegurar uma maior eficácia desses esforços e reforçar sua capacidade para apoiar aos Membros a fim de alcançar seus objetivos no contexto da globalização, deverá:
– adotar um enfoque coerente acordado na elaboração de um roteiro global e integrado, em conformidade com a Agenda do Trabalho Decente e os quatro objetivos estratégicos da OIT, baseando-se nas sinergias existentes entre eles;
– adaptar suas práticas institucionais e sua governança com o fim de aumentar a sua eficácia e eficiência, respeitando plenamente o marco e os procedimentos constitucionais existentes;
– auxiliar os mandantes a satisfazer as necessidades assinaladas no plano nacional sobre a base de uma plena discussão tripartite, subministrando informações de qualidade, consultorias e trabalhos técnicos que contribuam a satisfazer essas necessidades no contexto dos objetivos constitucionais da OIT;
– promover a política normativa da OIT como pedra angular de suas atividades realçando sua pertinência para o mundo do trabalho e garantir o papel das normas na realização dos objetivos constitucionais da Organização;
A Declaração
?Adota, em 10 de junho de dois mil e oito, a presente Declaração:
I. Alcance e Princípios – A Conferência reconhece e declara que:
A. Num contexto marcado por mudanças aceleradas, os compromissos e esforços dos Membros e da Organização visando a colocar em prática o mandato constitucional da OIT, particularmente pelas normas internacionais do trabalho, para situar o pleno emprego produtivo e o trabalho decente como elemento central das políticas econômicas e sociais, deveriam basear-se nos quatro igualmente importantes objetivos estratégicos da OIT, sobre os quais se articula a Agenda do Trabalho Decente e que podem resumir-se da seguinte forma:
i) promover o emprego criando um entorno institucional e econômico sustentável de forma que:
– os indivíduos possam adquirir e atualizar as capacidades e competências necessárias que permitam trabalhar de maneira produtiva para sua própria realização pessoal e bem-estar coletivo;
– o conjunto de empresas, tanto públicas como privadas, sejam sustentáveis com o fim de favorecer o crescimento e a criação de maiores possibilidades e perspectivas de emprego e renda para todos, e
– as sociedades possam alcançar seus objetivos de desenvolvimento econômico e de progresso social, bem como alcançar um bom nível de vida;
ii) adotar e ampliar medidas de proteção social seguridade social e proteção dos trabalhadores que sejam sustentáveis e estejam adaptadas às circunstâncias nacionais, e particularmente:
– a extensão da seguridade social a todos os indivíduos, incluindo medidas para proporcionar ingressos básicos àqueles que precisem dessa proteção e a adaptação de seu alcance e cobertura para responder às novas necessidades e incertezas geradas pela rapidez dos avanços tecnológicos, sociais, demográficos e econômicos;
– condições de trabalho que preservem a saúde e segurança dos trabalhadores, e
– as possibilidades para todos de uma participação eqüitativa em matéria de salários e benefícios, de jornada e outras condições de trabalho, e um salário mínimo vital para todos aqueles que têm um emprego e precisam desse tipo de proteção;
iii) promover o diálogo social e tripartismo como os métodos mais apropriados para:
– adaptar a aplicação dos objetivos estratégicos às necessidades e circunstâncias de cada país;
– transformar o desenvolvimento econômico em progresso social e o progresso social em desenvolvimento econômico;
– facilitar a formação de consenso sobre as políticas nacionais e internacionais pertinentes que incidem nas estratégias e programas de emprego e trabalho decente, e
– fomentar a efetividade da legislação e as instituições de trabalho, em particular o reconhecimento da relação de trabalho, a promoção de boas relações profissionais e o estabelecimento de sistemas eficazes de inspeção do trabalho, e
iv) respeitar, promover e aplicar os princípios e direitos fundamentais no trabalho, que são de particular importância, tanto como direitos como condições necessárias para a plena realização dos objetivos estratégicos, tendo em vista que:
– que a liberdade de associação e liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva são particularmente importantes para alcançar esses quatro objetivos estratégicos, e
– que a violação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho não pode ser invocada nem utilizada como legitima vantagem comparativa e que as normas do trabalho não devem servir aos fins comerciais protecionistas.
B. Os quatro objetivos estratégicos são indissociáveis, interdependentes e se reforçam mutuamente. A falta de promoção de qualquer um deles prejudicaria a realização dos demais. Para obter maior impacto, os esforços destinados a promovê-los deveriam compor uma estratégia global e integrada da OIT em beneficio do Trabalho Decente. A igualdade entre homens e mulheres e a não-discriminação devem ser consideradas questões transversais no marco dos objetivos estratégicos mencionados anteriormente.
C. Corresponde determinar a cada Membro o alcance os objetivos estratégicos, sob observância das obrigações internacionais que tenha assumido e de acordo com os princípios e deveres fundamentais do trabalho, considerando entre outras coisas:
– as condições e circunstâncias nacionais, assim como necessidades e prioridades expressadas pelas organizações representativas de empregadores e trabalhadores;
– a interdependência, solidariedade e cooperação entre todos os Membros da OIT que são mais pertinentes que nunca, no contexto de uma economia globalizada, e – os princípios e disposições das normas internacionais do trabalho?.
Edésio Passos é advogado.
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