Os advogados Brisa Ferrão e Ivan César Ribeiro fizeram uma pesquisa sobre inúmeras sentenças judiciais, no sentido de verificar se era verdadeiro o mito de que os juízes sempre decidem a favor dos mais fracos. Conclusão: é um mito. Os juízes, de acordo com a pesquisa, se colocam ao lado dos mais fortes e poderosos, ?não por uma escolha pessoal, mas por determinação da própria lei?. Pela pesquisa, o juiz não exorbita do que está na lei, por isso, temos visto os contratos estruturados entre as partes, nas áreas mais reguladas do direito gerar decisões judiciais que dão ganho de causa aos mais fortes e poderosos, mesmo sendo lesivos ao interesse público, pois seguem o dogma do ?pacta sunt servanda?, sendo considerados lei entre as partes. É o que concluem os pesquisadores.
O que torna isso grave, levando-se em conta que no nosso país a composição dos poderes é decorrente de um sistema parlamentar deformado, chamado de presidencialismo de coalização, que beneficia a eleição e indicação de representantes dos grupos econômicos, nos poderes executivo, legislativo e judiciário, dificultando a nossa sociedade construir um sistema jurídico em defesa dos direitos coletivos, pois a engenharia política construída é favorável aos interesses dos grupos econômicos que excluem e concentram a riqueza, a renda e o poder.
Faço esta introdução para inserir no debate o direito ao desenvolvimento e a falta de regulação das formas democráticas de participação, como a iniciativa popular, o plebiscito e o referendum, como mecanismo para a sociedade construir um sistema jurídico favorável aos interesses coletivos, e não aos interesses dos grupos econômicos. Não é possível continuarmos sabendo que o modelo de pedágio e de privatizações implantado, sugou, continua a sugar e vai continuar sugando o poder de compra e investimento da sociedade brasileira, e tenhamos que ficar aceitando decisões judiciais que levam em conta os contratos bem formulados nas áreas onde o direito é melhor regulado para proteger interesses dos grupos econômicos que excluem, concentram a riqueza, a renda e o poder, dificultando o nosso desenvolvimento.
O que torna isto mais grave ainda ao lermos o prêmio Nobel de Economia de 1993, Douglass North, fundador da Nova Teoria Institucional, que demonstra ser o crescimento em longo prazo e a evolução das sociedades condicionados pela formatação e evolução de seus sistemas jurídicos e de suas instituições. Estudou, comprovou e, por isso, foi premiado. Tendo em vista que os sistemas jurídicos e as instituições estão na origem do processo de acumulação de capital e no progresso dos países, pois os investimentos em tecnologia e a acumulação da riqueza e da renda, causadores do crescimento, decorrem de um tipo específico de arranjo jurídico e institucional, que estabelece o processo e se desenvolvimento é para alguns ou para todos.
Desta forma, se coloca a necessidade da sociedade tomar conhecimento do que evoluímos com a democracia na conquista do direito ao desenvolvimento e o que precisamos continuar evoluindo para conquistá-lo de forma definitiva. Somente com a participação da sociedade e dos países com baixos índices de desenvolvimento humano, é que vamos conquistar este direito de forma efetiva. Não é sem razão que a ONU em 1986, aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, uma conquista de todos os povos excluídos, considerando-o como ?direito humano inalienável?, com voto contrário dos EUA, 8 abstenções, mas com 146 votos favoráveis dos países com menor índice de desenvolvimento humano.
A Constituição de 1988, fruto da mobilização popular, abrigou uma série de preceitos favoráveis a este direito da sociedade brasileira, e por isso, temos visto uma evolução das políticas públicas em favor da sociedade em detrimento dos interesses dos lobbies dos empreiteiros e grupos econômicos. Afinal tivemos uma evolução no processo de positivação do direito ao desenvolvimento no âmbito do sistema internacional de proteção aos direitos humanos, e isso, foi abrigado em nossa Constituição ao dar maior eficácia às normas constitucionais sobre a nossa legislação com ranço privatista na defesa e manutenção dos interesses de grupos econômicos, fazendo evoluir na constitucionalização dos vários ramos do direito, em face de interpretação e jurisprudência dos tribunais superiores que defendem a nossa Constituição. Evoluímos também na definição de políticas públicas, delineando o regime constitucional das mesmas. Com planejamento do desenvolvimento nacional como expressão juridicizada da obrigatoriedade de formulação de políticas públicas, e da correlata competência normativa atribuível aos poderes, o dever para o Executivo e Legislativo para o planejamento. E a conseqüente estruturação de um sistema de controle das políticas públicas. Com a conquista de importantes instrumentos como habeas data, direito de petição, mandado de segurança coletivo, ação popular, mandado de injunção, ação civil pública, os meios de controle de constitucionalidade, com ação declaratória de inconstitucionalidade, ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, os conselhos de políticas públicas, o fortalecimento do Ministério Público e do poder judiciário.
Precisamos avançar muito mais, pois se continuarmos caminhando única e exclusivamente pela via parlamentar que deforma a vontade popular e pela via judicial, sabemos que teremos muitas dificuldades para reverter este verdadeiro crime cometido contra a sociedade brasileira. Afinal vendo o governo do Paraná construir milhares de quilômetros de estradas com recursos próprios, demonstrando ser possível vivermos sem pedágio, vendo o modelo de pedágio implantado pelo Governo Federal com tarifas baixas e a forma de gestão exitosa das empresas públicas como a Sanepar, Copel e o Porto, que reviu e renegociou contratos, beneficiando a sociedade, só podemos considerar que o modelo de pedágio e privatização implantado no Brasil é um crime. Assim, precisamos avançar na regulação para ampliar as possibilidades de uso dos mecanismos de democracia direta para a realização e aprovação de legislações de interesse da sociedade, através de iniciativa popular, plebiscito e referendum para podermos mudar o sistema jurídico, que favorece os grupos econômicos que sugam e concentram a riqueza, a renda e o poder e impedem o seu desenvolvimento.
Para isso, é importante lutarmos pela aprovação do projeto de lei n.º 4.718/2004, proposto pela OAB, com apoio da CNBB e do MST, em favor da ampliação da democracia direta e participativa, tirando das mãos exclusivamente do parlamento, o poder de permitir a realização ou não de consulta popular. Como nos ensina Fábio Konder Comparato ?isto é um absurdo?: dar a um órgão delegado do povo soberano o poder de impedir, arbitrariamente, que este manifeste a sua vontade política, pois só com a participação popular pela democracia direta e participativa é que continuaremos a conquistar importantes mecanismos e instrumentos jurídicos a favor da sociedade, que permitirá a conquista deste direito humano inalienável, na sua integralidade, que é o direito ao desenvolvimento.
Geraldo Serathiuk é advogado especializado em Direito Tributário pelo IBEJ/PR.