Essa liminar da Justiça Federal de São Paulo, dá um alento para a adoção de providências concretas contra as empresas que recrutam advogados para atuar na realização de tarefas jurídicas para sua clientela.
AUTOS N.º 0009201-44.2011.4.03.6100 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Autor: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO
Ré: CARVALHO & VEROLA CONSULTORIA LTDA.
DECISÃO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, buscando obter provimento jurisdicional que:
1. determine o encerramento definitivo das atividades da ré;
2. em caráter sucessivo alternativo, condene a ré à obrigação de não fazer consubstanciada na impossibilidade do exercício de todo e qualquer ato que importe em atividade jurídica ou de advogados;
3. condene a ré ao pagamento de danos morais coletivos a serem arbitrados por este juízo (art. 13, da Lei 7.437/85).
Fundamentando sua pretensão, reporta-se a fatos apurados em Inquérito Civil (autos n.º 1.34.001.001757/2010-57), no qual teria sido constatado que a sociedade empresarial ré, cujo nome fantasia seria “Aposentadoria S/A”, “mesmo sem ter advogados em seus quadros de sócios e não tendo inscrição na OAB/SP”, ofereceria e praticaria “serviços tipicamente jurídicos” (fl. 4).
Alega que a ré ofereceria, com divulgação ampla em meios de comunicação, serviços para a revisão de benefícios previdenciários.
Sustenta que a atividade da ré envolveria captação de clientes, atendimento inicial e definição de medidas judiciais a serem propostas, orientação jurídica, análise de documentos, negociação e recebimento de honorários, bem como gerenciamento do pagamento de custas judiciais.
Refere que os depoimentos colhidos no mencionado Inquérito Civil apontam para a existência de uma atividade indevida da ré, tendo em vista que esta encaminharia “envelopes prontos (que chamam de “kits” ou “dossiês”) contendo toda a documentação necessária à propositura da demanda, inclusive o instrumento de procuração, a um escritório de advocacia com a indicação da ação a ser proposta” (fl. 7).
Aduz que tal atividade da ré ofenderia o art. 1.º da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).
Nesse diapasão, defende a dissolução da sociedade empresarial ré.
Requer, inaudita altera parte, a concessão de antecipação de efeitos da tutela para que seja “determinada a imediata interrupção das atividades desenvolvidas pela Ré, ou para que se abstenha de exercer todo e qualquer serviço que importe relação com atividade jurídica, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)” (fls. 22-23).
Decido.
Antecipação dos efeitos da tutela
Passo à análise do pleito deduzido in limine litis, o que é feito numa cognição perfunctória, própria do instituto acautelador.
Assim, cumpre examinar a presença ou não dos requisitos necessários à concessão da medida pretendida (art. 12 da Lei n.º 7.347/85).
Vejamos.
A ré possui como objeto social: “atividades de consultoria e auditoria contábil e tributária” (fl. 26).
Diante disso e do conjunto probatório que acompanha a inicial, observo, desde já, que não há elementos indicativos de que toda a atividade social da ré seria ilegal, ou seja, inexistem indícios de que a atividade desenvolvida por ela seja totalmente ilícita.
Nesse diapasão, principalmente numa medida inicial acauteladora, não há substrato para a extrema restrição total de atividades da sociedade empresária, o que significaria sua “extinção provisória”.
Ora, ainda que teoricamente provisória, tal medida certamente provocaria danos irreparáveis ou até a impossibilidade de retomada de atividades por parte da ré, sendo de outra parte desnecessária para a tutela dos interesses envolvidos, o que afasta sua determinação.
Cabe, portanto, apreciar a questão sob a luz do pedido sucessivo subsidiário, ou seja, o de impor à ré que se abstenha de exercer todo e qualquer serviço que importe relação com atividade jurídica.
Vejamos.
Diz o art. 1.º, “caput, do Estatuto da Advocacia:
“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas” (Lei n.º 8.906/94).
Para o desempenho dessas atividades, a Lei n.º 8.906/94 admite a constituição de sociedades de advogados (art. 15).
No caso, a ré não é sociedades de advogados e nem possui em advogados em seu contrato social (fl. 26).
Portanto, de forma alguma poderia desempenhar as atividades descritas no art. 1.º do Estatuto da Advocacia acima visto.
No entanto, os documentos que acompanham a petição inicial indicam o descumprimento de tal vedação constitucional (art. 5., XIII, CF/88) e legal (art. 1.º, do Estatuto da Advocacia), uma vez que a atividade da ré de consultoria na área previdenciária foi confirmada por depoimentos prestados perante o Ministério Público Federal, como por exemplo:
“essa empresa atua na área previdenciária administrativa e que é uma empresa de “consultoria administrativa”; que essas empresas não atuam judicialmente e quando esgotadas as vias administrativas procuram por escritórios com o escritório do depoente” (fl. 29 verso).
“a depoente assevera que o próprio Dr. Guilherme a orientou a chamar os clientes e fazer o distrato quando verificarem que o dossiê encamnhado pela Aposentadoria S/A está equivocado quanto ao direito de ação” (fl. 33 verso).
“que os advogados que trabalham no setor de redação de petições iniciais recebem dossiês prontos para propositura de ações; que esses dossiês são enviados pela empresa Aposentadoria S/A” (fl. 44).
Ademais, também há indícios de captação indevida de clientela (art. 34, IV, do Estatuto da Advocacia) porque, conforme depoimentos, haveria dentre as atividades da ré:
a) reunião de documentos, inclusive de procuração em favor de advogados, pela ré, que encaminharia os seus clientes àqueles (fl. 30);
b) contratação do serviço via Aposentadoria S/A que faria o distrato e o cancelamento de boletos emitidos quando a ação não fosse proposta (fl. 33 verso);
c) indicação nos dossiês encaminhados a escritórios de advocacia uma sugestão sobre a ação que seria proposta (fl. 40 verso).
Por fim, os boletos bancários juntados às fls. 47-81 corroboram os depoimentos, especialmente o do Sr. Luiz Cezar Martins (fls. 45 frente e verso), que indica a existência das atividades ilegais da ré acima consignadas.
Presente, portanto, a plausibilidade do direito invocado.
O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação evidencia-se pela própria natureza da atividade advocatícia desenvolvida irregularmente, a qual envolve valores como saúde e vida (concessão de benefícios previdenciários e assistenciais), prejuízos financeiros consideráveis (sobretudo diante da notória baixa capacidade financeira dos beneficiários da Previdência e Assistência sociais) e a concorrência profissional desleal (captação indevida de clientela).
Pelo exposto,
Defiro parcialmente a medida acauteladora pleiteada para determinar à ré que imediatamente suspenda toda e qualquer atividade jurídica desempenhada tais como orientação, consultoria e assessoria na área previdenciária, sob pena de multa de R$ 10.000,00 por cada ato de desobediência constatado, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.
Apreciado o pedido de antecipação da tutela diante da urgência que o caso impõe, passo a despachar no sentido de obter a regularização da petição inicial antes de se prosseguir nesta ação.
Com efeito, observo que a parte autora não especifica o valor do dano moral estimado.
Respeitando-se posições divergentes, o pedido de indenização por danos morais deve também ser certo e determinado, como explicita o art. 286 do Código de Processo Civil, a fim de seja permitido ao réu contrariar a pretensão do autor de forma específica, com objetividade e sem surpresas, concretizando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa (RT761/242).
Assim, a parte autora deve apresentar valor que entenda necessário para a indenização do dano moral coletivo supostamente sofrido. Afinal, tratando-se de dano ligado a sofrimento, angústia e outros sentimentos íntimos, deve ser mensurado inicialmente pela própria vítima ou por seu substituto processual a fim de que seja melhor aferido no caso.
1) Por tais motivos, determino que a parte autora seja intimada para que, em 10 (dez) dias, promova a emenda à sua inicial de forma a conformá-la com os arts. 282 e 286 do Código de Processo Civil (CPC), sob pena de não ser conhecido o pedido de indenização por dano moral coletivo (art. 284, parágrafo único, do CPC).
Assim, corrigida a petição inicial, o valor da causa deve ser também alterado, adequando-se à totalidade dos pedidos.
2) Cumprida tal determinação, cite-se e intime-se a ré.
3) Após o prazo da resposta, dê-se vista ao Ministério Público, intimando-o, também, para que apresente cópia integral do inquérito civil referido na petição inicial. 4) Após, voltem conclusos.
Int.
São Paulo, 07/06/2011
PAULO CEZAR NEVES JUNIOR
Juiz Federal Substituto