Debêntures da Eletrobrás

Consultado por sociedade empresária portadora de debêntures emitidas nos anos de 1963 a 1970 por força da Lei n.º 4.156, de 28/11/62, depois alterada pelas Leis n.ºs 4.364/64, 4.676/65 e 5.073/66, bem como pelos Decretos-lei nºs 5.824/72 e 1.497/76, que instituíram o extinto empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica em favor da sociedade de economia mista Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletrobrás, a consulente indaga acerca da possibilidade jurídica de obter-se o resgate e efetivo pagamento do crédito aqui deduzido.

Após numerosas incursões judiciais, desenvolvidas pelos credores do referido empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, os quais, ao longo da última década, intentaram diferentes ações contra a Eletrobrás e a União Federal, na reiterada busca dos seus direitos de crédito, enfim, o Poder Judiciário, através de decisões monocráticas e colegiadas, acaba de uniformizar a jurisprudência que garante o efetivo resgate das debêntures e das obrigações emitidas pela sociedade de economia mista com a garantia solidária da União Federal, em qualquer hipótese.

Sabe-se que as debêntures e obrigações foram emitidas no período compreendido entre 1965 e 1997, mediante apresentação de contas de energia elétrica quitadas, com valor de face fixo e cupões para resgate dos juros anuais em 10 ou 20 anos, em percentuais de 12% ou 6% incidentes sobre o valor devidamente corrigido. O art. 4.º, § 9.º da Lei n.º 4.156/62 permitiu à Eletrobrás trocar as contas de energia elétrica por ações preferenciais, sem direito a voto. E o Decreto n.º 68.419, de 25/3/71, que aprovou o Regulamento do Imposto Único sobre Energia Elétrica IUEE regulou, em seus arts. 48 a 67 a forma de arrecadação do tal empréstimo compulsório.

No emaranhado legislativo sobre o assunto, tem-se a Lei Complementar n.º 13, de 11/10/72, que ratificou e manteve a cobrança do malsinado empréstimo compulsório até 31/12/73 (art. 2.º), sendo que o Decreto-lei n.º 1.512, de 29/12/79 estipulou (art. 3.º) que ?no vencimento do empréstimo, ou antecipadamente, por decisão da Assembléia Geral da Eletrobrás, o crédito do consumidor poderá ser convertido em participação acionária, emitindo a Eletrobrás ações preferenciais nominativas de seu capital social?. O parágrafo único do mesmo art. 3.º acrescentou que ?as ações de que trata este artigo terão as preferências e vantagens mencionadas no parágrafo 3.º, do art. 6.º, da Lei n.º 3.890-A, de 25/4/61, com a redação dada pelo art. 7.º do Decreto-lei n.º 644, de 23/6/69 (prioridade no reembolso do capital e na distribuição de dividendos de 6% ao ano) e conterão a cláusula de inalienabilidade até o vencimento do empréstimo, podendo a Eletrobrás, por decisão de sua Assembléia Geral, suspender essa restrição?.

A Lei n.º 7.181, de 20/12/83 prorrogou (art. 1.º) a cobrança do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, até 1993, acrescentando que ?a conversão dos créditos do empréstimo compulsório em ações da Eletrobrás, na forma da legislação em vigor, poderá ser parcial ou total, conforme deliberar sua Assembléia Geral, e será efetuada pelo valor patrimonial das ações, apurado em 31 de dezembro do ano anterior ao da conversão?, e que ?o valor da conversão que exceder à quantia determinada pelo capital social, dividido pelo número de ações em circulação, será considerado reserva de capital? (art. 4.º e seu § único).

Na seqüência de normas infraconstitucionais acerca do tema, verifica-se que o legislador Constituinte de 1988 abriu exceção ao princípio estabelecido pelo art.155, § 3.º da Constituição Federal CF/88 (exclusividade de incidência do ICMS e dos Impostos de Importação e Exportação sobre Operações Relativas a Energia Elétrica), ao permitir, no art. 34, § 12 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a cobrança do empréstimo compulsório em beneficio da Eletrobrás, instituído pela Lei n.º 4.156, de 28/11/62, com as alterações posteriores, inclusive a que permitiu a cobrança até 1993.

E segundo o disposto nos Decretos n.º 95.790, de 7/3/88 e n.º 98.899, de 30/1/90, os créditos do empréstimo compulsório constituídos respectivamente no período de 1978 a 1985 e de 1986 a 1987, foram convertidos em ações preferenciais classe ?B?, de emissão da Eletrobrás. Já, os valores recolhidos no período remanescente, de 1988 a janeiro de 1994, o crédito do contribuinte passou a não mais dar ensejo a emissão de qualquer título representativo pela Eletrobrás, permanecendo a previsão de correção pela UP (unidade padrão) da Eletrobrás e a incidência de juros de 6% ao ano, bem como o prazo de 20 (vinte) anos para o resgate, conforme já previa a legislação instituidora do referido empréstimo compulsório. Relativamente a esses valores lembre-se o contribuinte pode recuperar os juros incidentes sobre seu saldo depositado, bem como resgatar suas ações,como produto da conversão do empréstimo compulsório, sempre aplicando-se os índices de correção monetária e os juros anuais, em conformidade com as deliberações da Assembléia Geral realizada em data de 21/2/69, observando-se as eventuais variações patrimoniais da sociedade de economia mista.

A sociedade empresária consulente também deve ater-se ao fato de que, embora a Eletrobrás tenha aplicado aos valores devidos a titulo de ressarcimento do empréstimo compulsório instituído a seu favor, especificamente pela Lei n.º 4.156/62 e legislação subseqüente, representados por debêntures e obrigações por ela emitidas, a jurisprudência dos Tribunais Superiores ao lado da melhor doutrina, conclui que para que ocorra a efetiva correção monetária desses valores, – sem qualquer possibilidade de enriquecimento ilícito que possa contemplar a estatal devedora, – deve-se considerar o período integral do débito, ou seja, desde a data da sua constituição até a data do efetivo pagamento. O v.acórdão prolatado pelo TRF da 2.ª Região na Apelação Cível n.º 90.02.18.458-1, Rel. Des. Alberto Nogueira, confirma essa conclusão, ladeando-se a numerosos outros julgados em igual trilha, afastada a imprópria adoção da UP (unidade padrão) da Eletrobrás como forma de atualização monetária do crédito, eis que longe de refletir a realidade inflacionária brasileira.

Ademais, cumpre repetir que todo cidadão pode assegurar-se no sagrado princípio constitucional que impossibilita a utilização do empréstimo compulsório como ente viabilizador de enriquecimento do Estado, devendo, portanto, somente ser aplicado em algumas situações especialmente emergenciais, bem como, não podendo o tributo ser instituído com características confiscatórias do patrimônio do contribuinte e, ainda, não significar a correção monetária um ?plus?, mas – isto sim mera recomposição do poder aquisitivo e liberatório da moeda, corrigido pela inflação oficial. Assim, todo credor faz jus ao resgate das tais debêntures e obrigações, aplicando-se o índice de correção para os valores devidos e representados nos respectivos títulos, que melhor corresponder à efetiva recomposição de tal poder aquisitivo, qual seja, o INPC, principalmente quanto aos expurgos inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%), março (84,32%) e abril (44,80%) de 1990, e fevereiro (21,87%) de 1991.

Daí deflui, evidentemente, a certeza jurídica no sentido de que os apontados títulos de crédito representam título executivo extrajudicial e se impõem como valiosos e hígidos, sempre que revestidos da liquidez, certeza e exigibilidade, prestando-se para que o portador busque o efetivo pagamento em moeda corrente ou em outras formas alternativas para o resgate, e que podem ser por meio da compensação tarifária de energia elétrica e da extinção do crédito tributário e da contribuição previdenciária, segundo se observa das mais recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e do excelso Supremo Tribunal Federal.

Observe-se, porém, que o direito de ação prescreve no prazo de vinte anos a contar da data da emissão das debêntures que não tiverem sido resgatadas no prazo de vinte anos, previsto em Assembléia Geral da Eletrobrás. Assim, em data de 12 de setembro de 2007, v.g., expirou o prazo para exigir-se os créditos decorrentes das debêntures emitidas em data de 12 de setembro de 1967. Para que a consulente credora obtenha a efetiva prestação da tutela jurisdicional em face da empresa devedora, de modo a receber o crédito integral com correção monetária e os juros incidentes, poderá manusear o processo de execução forçada de título extrajudicial ou ação ordinária de compensação tarifária de energia elétrica e, ainda, para extinção do crédito tributário e de contribuição previdenciária.

O prazo prescricional ordinário é o aplicável na hipótese aqui analisada, eis que a prescrição menor aquela fixada em cinco anos não deve prevalecer em benefício da empresa pública, que se rege pela Lei das S/A e se submete às normas de direito privado segundo se infere da Súmula 39: ?A prescrição de prazo curto, criada pelo Decreto n.º 20.910/32 não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica?. Aliás, o art.173, parágrafo 1, da CF/88 submete ao direito privado, não apenas a forma de organização e funcionamento daquelas entidades, mas sua atividade empresarial.

Esta, principalmente, não se pode afastar das normas civis, comerciais, tributárias e processuais aplicáveis às empresas privadas. Ao Estado não é licito fazer concorrência desleal à iniciativa privada. Acrescente-se que a remuneração pelo fornecimento de energia elétrica constitui preço público, não constituindo imposto, taxa ou contribuição (REsp n.º 14.864, Rel. Min Humberto Gomes de Barros, DJU 17/5/93,p. 9.297). Logo, as disposições do art. 4.º da Lei n.º 4.156/62 devem ser interpretadas com as restrições definidas na melhor doutrina e na jurisprudência iterativa no STJ e no STF, no sentido de que o resgate do empréstimo compulsório deve ser feito sem qualquer prejuízo à sociedade empresária credora.

Esse é o caminho traçado em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que definiu sua certeira conclusão: os títulos (debêntures e obrigações) emitidos pela Eletrobrás podem ser usados como moeda para quitação de tributos federais. Segundo aponta o jurista Dalmar Pimenta, em trabalho publicado in ?Revista Consultor Jurídico? de 7/10/2007: ?uniformização da posição daquele sodalício veio após a Primeira Seção, que reúne as duas Turmas Especializadas em Direito Público, negar provimento aos Embargos de Divergência interpostos pelo INSS contra uma empresa que pleiteava o uso das debêntures como garantia para débitos previdenciários.? Como se sabe, o empréstimo compulsório sobre energia elétrica foi criado para expansão e modernização do setor elétrico do país, sendo exigido a partir de 1964, durando até 1994. Os contribuintes (residenciais, comerciais e industriais) recebiam como forma de ressarcimento títulos que passaram a ser chamados debêntures da Eletrobrás. Por conseqüência disso, tem-se nos mencionados títulos moeda para a compensação tarifária de contas mensais decorrentes de consumo de energia elétrica e para que haja extinção de crédito tributário e de contribuição previdenciária.

Operando-se o resgate dos títulos com a correção monetária e os juros incidentes, diante da hipótese pretendida pela sociedade empresária consulente, na esteira das reiteradas decisões monocráticas e colegiadas acerca da matéria, cumpre enfatizar que o Judiciário, por mais uma vez, estará distribuindo a sã e necessária justiça, dando a cada um o que é seu, numa notória prova de que os Tribunais pátrios estão cada vez mais flexibilizando as hipóteses de extinção dos créditos tributários, em conformidade com o disposto no art. 156 do Código Tributário Nacional.

Os títulos da Eletrobrás, por conseguinte, poderão ser utilizados para o pagamento de débitos tributários parcelados e do próprio parcelamento, através do instituto da dação em pagamento ou mediante determinação judicial, bem como através da compensação tarifária decorrente do consumo de energia elétrica fornecida por todas as subsidiárias da sociedade de economia mista Copel, Celesc, Eletropaulo, Enersul, por exemplo, que somam débitos vultosos junto a Receita Federal e INSS e, via de conseqüência, poderão utilizar as debêntures e obrigações emitidas pela Eletrobrás no pagamento dos seus próprios débitos de qualquer natureza além de se prestarem para a extinção do crédito tributário federal, estadual e municipal e da contribuição previdenciária.

Destaque-se aqui, dentre muitos precedentes atuais do STJ, na hipótese de resgate do empréstimo compulsório através da compensação tarifária por consumo de energia elétrica, uma lúcida decisão prolatada no REsp. 445.013/RS (2002.0079861-2), da lavra do Ministro Luiz Fux, admitindo plenamente a possibilidade jurídica de compensação dos créditos originários das debêntures da Eletrobrás com as dívidas decorrentes do fornecimento de energia elétrica, tal como exposto na Lei n.º 5.073/66. E, dias atrás, o emérito Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Barros Monteiro, segundo publicação da Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ, datada de 15/10/2007, indeferiu o pedido formulado por CELPE Companhia Energética de Pernambuco, que pretendia a suspensão da decisão do TJPE (art. 4.º da Lei n.º 8.437/92), em ação proposta pela sociedade empresária Suape Têxtil S/A contra a citada subsidiária e a Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletrobrás (Autos n.º 1431296), objetivando a compensação tarifária de energia elétrica com debêntures da Eletrobrás, emitidas por conta do empréstimo compulsório. Assim, a credora está sendo contemplada pela compensação mensal das faturas referentes ao consumo de eletricidade, sabendo-se que cerca de outras vinte empresas pernambucanas já foram beneficiadas por decisões similares naquela jurisdição estadual. Disso decorreu a inusitada e absurda pretensão da estatal em argüir a suspensão do julgado, como medida legal excepcional, sob o fundamento da ocorrência de lesão à economia pública. Para grande sorte dos consumidores, o emérito Ministro Barros Monteiro não vislumbrou a dita lesão.

Ademais, – frise-se – em se tratando de moeda alternativa valiosa e hígida, desde que comprovadamente líquidos, certos e exigíveis, por extensão, ditos títulos de crédito também poderão ser utilizados no pagamento de dívidas contraídas por produtores rurais junto ao Banco do Brasil e outras instituições financeiras, eis que todas elas públicas ou privadas devem tributos federais e contribuições previdenciárias passíveis de pagamento com as indicadas debêntures.

Assim procedendo, com o pleno reconhecimento do Judiciário, milhares de devedores estarão aptos a liquidar as obrigações contraídas junto ao Poder Público, cujo fisco age com voracidade e não costuma honrar as dividas assumidas perante os contribuintes, por força de empréstimos compulsórios instituídos ao longo da República e do período Imperial, cujos títulos as Letras do Tesouro Nacional (LTN) jamais foram resgatadas pela União Federal; o mesmo ocorrendo com os títulos emitidos pelos Estados-Membros e pelos Municípios, que os Tribunais condenaram por conta da decadência.

O caso em tela, portanto, a sociedade empresária consulente, tem direito, pretensão e ação para resgatar as debêntures emitidas após o ano de 1967, ou seja, a partir de 1969 até 1974 (Séries M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V,X,Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL), que ainda não foram atingidas pelo instituto da prescrição ordinária de 20 (vinte) anos, sendo certo que cumpre ao Poder Judiciário decidir a causa com eqüidade, inclusive à nível de tutela antecipada, cujo deferimento é permitido por lei em face da sociedade de economia mista ELETROBRÁS.

Curitiba, 5 de Dezembro de 2007.

Waterloo Marchesini Junior é advogado e professor de Direito Processual Civil, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados Brasileiros, do Instituto dos Advogados do Paraná, do Centro de Letras do Paraná.

E-mail: grupowmarchesiniadv@hotmail.com

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